sexta-feira, 21 de maio de 2021

PENSAR COM AGOSTINHO DA SILVA


Conferência no 35º aniversário do Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros, em 9 de maio de 2021. 

(Ver Conferência no Zoom aqui:  https://www.facebook.com/CACAV.AlhosVedros/videos/944267693003703/ )

Luís Santos

O título desta comunicação “Pensar com Agostinho da Silva” deve-se à colaboração que temos vindo a manter em página do “Facebook” com o mesmo nome e que tem administração de Paulo Borges. Aproveitando algumas dessas recentes publicações, partilharemos aqui convosco três ideias particularmente interessantes de Agostinho: a primeira, sobre “uma nova teoria do nascer”; a segunda, um poema para não se morrer; a terceira, uma carta sobre a “missão de Portugal”. 

Assim, em primeiro lugar, digamos, antes de mais, que essa “nova teoria do nascer” foi publicada em livro intitulado “Caderno de Lembranças”, a partir de um manuscrito do Professor Agostinho, datado de 1986, livro que foi organizado por Amon Pinho Davi e Romana Valente Pinho. E já que estamos a comemorar aniversário, refira-se que foi, justamente, nesse mesmo ano que o Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros nasceu. 

Em síntese, nessa tal “teoria do nascer”, Agostinho da Silva, sobre o seu próprio nascimento, diz assim:

 1) "Lá por 1905, (e chama-se à atenção que Agostinho nasceu a 13 de fevereiro de 1906) mas nada há mais difícil do que relacionar tempo e eternidade, ou fixar-se simultâneo nos dois planos (…), comecei a tomar atenção no belo globo que rolava diante de nós, e a tentar descobrir lugar aonde me agradasse descer para principiar minha vida. A meu lado, outros faziam o mesmo, e até discutíamos os méritos de um e outro ponto, mas sem voz, tanto quanto me lembro, porque o nascer tira muito a memória como, depois, o vim a reconhecer, concluiu Platão (…) Quando, voluntária ou involuntariamente, quem o sabe, gostei de, a cada volta do globo, ver surgir de novo nossa península ibérica, deu-se o que se veio a chamar zoom: (…) Fixava-me, de facto, no que aprendi a chamar Portugal." (Agostinho da Silva, Caderno de Lembranças, Zéfiro, pp.15-16)

Eis, então, essa pergunta mágica tão significativa e indissociável da vida de todos, mas que tão pouco entra nas agendas políticas. Esse lugar, ou dimensão, donde se vem para nascer, onde tempo e eternidade se interligam e que, afinal, nos permitem perguntar o que é o presente, o que é o futuro. Entre-tanto, enquanto o globo terrestre diante de si girava, em conversa sem palavras com Platão, entre outros, Agostinho decidiu que o sítio que mais lhe convinha para nascer, aprendeu depois, chamava-se Portugal. E aqui, sem que nós saibamos se será mais correto dizer nascer ou renascer, pois que o nascer tira muito memória. Citando o Professor, “Nascer não é uma fatalidade, mas uma escolha pré-consciente, daquela consciência que se perde quando se voa do céu para a Terra, como dizia Platão.” (Agostinho da Silva, Vida Conversável, Assírio e Alvim, p.14) 2) 

Em segundo lugar, gostaríamos de chamar a vossa atenção para “um poema ressurecto” do Professor, composto por três quadras, sem título, do seu livro “uns poemas de agostinho”. Ora vejamos:

Se eu chegar a ser dum Outro 
mas de mim não me perdendo 
e esse Outro todos os outros 
que comigo estão vivendo 

não só homens mas também 
os animais e as plantas 
e os minerais ou os ares 
e as estrelas tais e tantas 

terei decerto cumprido 
meu destino e com que sorte 
para gozar de uma vida 
já ressurecta da morte

(Agostinho da Silva, uns poemas de agostinho, Ulmeiro, p.107) 

Sintetizando, diz Agostinho que “se chegar a ser dum Outro”, um “Outro” que aparece grafado com letra maiúscula e que integra tudo o que existe –homens, animais, plantas, minerais e estrelas, tais e tantas, conseguirá aceder a uma libertação plena. Então, com alguma legitimidade poderá perguntar-se quem é esse “Outro”, e se Agostinho terá conseguido lá chegar? Se acedermos positivamente às respostas, certamente que ganharemos aí uma extraordinária fonte de inspiração para o caminho. 3)

 Para terminar, partilho convosco uma Carta de um conjunto de doze que Agostinho da Silva enviou para um grupo de amigos com quem estava em contacto, entre eles, a Cooperativa de Animação Cultural de Alhos Vedros, como então se designava, cartas essas que, de resto, foram aqui publicadas com o título de “As Últimas Cartas do Agostinho”. 

 Desse conjunto de Cartas, a primeira foi enviada no mês de dezembro de 1992 e a última em setembro de 1993, o que significa dizer que estas cartas foram escritas, praticamente, ao longo do último ano da vida do Professor, pois que em meados de outubro, mês seguinte ao da última destas cartas, um súbito problema de saúde haveria de o guindar ao seu desaparecimento físico que, como sabemos, ocorreu no dia 3 de abril de 1994, num triste mas revelador Domingo de Páscoa. 

E é, justamente, a primeira dessas cartas que aqui partilho: 

“Resumo da ideologia do Povo Português nos séculos XIII e XIV, transmitida ao Brasil por seus adeptos que ali se foram acolher, passada ao futuro e, por ele, à criativa Eternidade para os que emigrem para o mais íntimo de si próprios e aí se firmem para sempre. 

Missão de Portugal: Sacralizar o Universo, tornando Divina a Vida e Deus real. 

Meios: Desenvolvimento dos Povos pela inteira aplicação da Ciência e da Técnica, inclusive nos sectores da Economia, da Política, da Administração Pública e da Filosofia. Conversão da pessoa à adoração da Vida. 

Características do que houver no Sagrado: Criança como a melhor manifestação da poesia pura e como inspiradora e suporte, e incitadora a ser criança de todos os que existam. O gratuito da vida. A plena liberdade de todo o ser.” 

(Luís Santos (org.), As Últimas Cartas do Agostinho, Cooperativa de Animação Cultural de Alhos Vedros, p.1)

Certamente que, quando Agostinho da Silva se refere aos séculos XIII e XIV está a pensar, desde logo, no reinado de D. Dinis e de Isabel de Aragão, um período áureo da História de Portugal cujas raízes se estendem, de alguma forma, até à atualidade. “Ora vejam só, um rei poeta e uma rainha santa”, dizia o Professor. 

D. Dinis, o plantador das naus a haver, como diz Fernando Pessoa na “Mensagem”. Na história de Portugal diz-se dele que foi o fundador da marinha, da primeira Universidade com o seu “Estudo Geral”, de quem protegeu os Templários e criou a Ordem de Cristo e que, entre outras medidas de significativa importância para a afirmação do jovem país, desenha definitivamente as suas fronteiras e institui a Língua Portuguesa que é hoje a quarta língua mais falada do mundo. Por fim, é também durante o seu reinado que, por ação da Rainha Isabel, se iniciam as festas do culto popular do Espírito Santo e que, embora não tenhamos tempo para desenvolver aqui, são para Agostinho da Silva um dos acontecimentos matriciais a partir do qual se desenvolvem os poemas da “Ilha dos Amores”, de Camões, ou das propostas de “Quinto Império” do Padre António Vieira e de Fernando Pessoa. De resto, tem sido tal a longevidade do referido culto que setecentos anos depois, ainda se comemora na atualidade em muitíssimos lugares da Língua Portuguesa, como acontece nos Açores, no Brasil, nalgumas comunidades de emigrantes dos EUA, mas também em Portugal continental como são, por exemplo, os casos de Setúbal e Alenquer, com Festa marcada este ano já no próximo dia 23 de maio.

 Bem hajam. 

Luís Santos 
Professor Adjunto Departamento de Ciências Sociais e Pedagogia 
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal

Referências Bibliográficas 

SANTOS, Luís, Agostinho da Silva: Filosofia e Espiritualidade, Educação e Pedagogia, Euedito, 2015

 SILVA, Agostinho da, Caderno de Lembranças, Zéfiro, 2006 (fixação do texto e notas de Amon Pinho Davi e Romana Valente Pinho) 

Idem, Vida Conversável, Assírio e Alvim, 1994 (organização de Henryk Siewierski) 

Idem, uns poemas de agostinho, Ulmeiro, 1990, 2ª edição