terça-feira, 31 de maio de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

OUVE-SE E NÃO SE ACREDITA

É uma vergonha que uma parte do aeroporto de Faro esteja sem energia durante algumas horas, com turistas sem qualquer informação sobre o sucedido e os inerentes atrasos nos voos, ainda por cima forçados a fazerem o check-in às escuras. Nem luzes de presença havendo. 
Um inglês comparou a situação ao que se vive em qualquer país do terceiro mundo, não sem antes ter chamado a atenção para o facto de estarem ali encurralados, sem qualquer iluminação, numa época de terrorismo. 

Já nem uma avaria somos capazes de arranjar a tempo e horas? 



Ontem de manhã, uma tromba de água inundou Alverca, Alhandra e Loures. 
Só há danos materiais e nada que os seguros não possam repor. 
Mas ainda assim assistimos ao velho rosário do ping-pong das responsabilidades. Uma Presidente de Junta de Freguesia de uma das localidades mais mal tratadas, queixou-se, a esse respeito, por ser a última da cadeia. 
E o povo voltou a falar da limpeza das ribeiras que não aconteceram e de obras mal feitas e, no caso de Loures, da destruição de um dique que produzira bons resultados. 

Nada de anormal para um território cujo controle está repartido pelas mais variadas competências de organismos e secretarias que, normalmente, não têm dinheiros para darem conta do recado. 




Enquanto isto, em Tibilissi, capital da Geórgia, há manifestações em que se pede a demissão de Eduardo Chevarnadze da presidência da república, acusado pela oposição de manipular os resultados das eleições da última semana. 
Rota de vários destinos e palco de concorrências geo-estratégicas, aquela ex-república soviética exemplifica a falta de apoio com que os ocidentais têm abandonado estes povos que sete décadas de comunismo deixaram sem meios próprios para se afirmarem nos mercados e conveniências mundiais.
A consequência foi o regresso a uma idade média em que as máfias fazem o papel dos senhores da guerra sendo que o povo, todo ele, encarnou a condição dos servos da gleba. 

Aquelas são um dos cavaleiros do apocalipse da nossa civilização. 



E por cá continua a palhaçada, com uma manchete no “Correio da Manhã” em que Ferro Rodrigues era dado como acusado, pelo testemunho de três jovens, de também ele estar envolvido em casos de abuso sexual de menores. 

A quem interessa a circulação deste género de notícias? 
Às vítimas e à justiça é que não é com toda a certeza. 


Sobre isto, comentei, esta manhã, no jornal electrónico “Portugal Mais”, o papel de um certo jornalismo que ajuda a criar uma barreira informativa que só pode obstruir o apuramento da verdade. 
Ali lancei a ideia de poluição mental. 
Conto vir a desenvolvê-la no espaço deste diário. 



Yes! 
Tropas americanas prenderam Hassan Sallem, coronel do exército de Saddam Hussein e alegadamente o cérebro de muitos dos ataques que as forças aliadas têm sofrido no Iraque. 



Ouve-se e não se acredita. 

Um tal de Rui Santos, comentador da SIC Notícias, com o ar mais natural deste mundo, disse que a aliança entre João Loureiro e Pinto da Costa visa isolar o Presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, pois assim poderá imitar o clube concorrente que tirou grandes dividendos – só o clube? – do plano de pormenor das Antas, sendo um facto que ao Boavista falta um centro de estágio. 
Não contente e de alma desfraldada, o jornalistazinho acrescentou que o primeiro já percebeu que a sua equipa poderá “respirar melhor” (sic) se não estiver de costas voltadas para o segundo. 
E ainda teve o descaramento de defender que a ausência de convite ao Presidente da Assembleia da República para assistir à inauguração do Estádio do Dragão é um grave acontecimento que muito desprestigia a classe política uma vez que o presidente do Futebol Clube do Porto é uma espécie de contra poder. 

A perplexidade é tanta que somos atacados por uma afonia repentina. 


Se a sabujice tivesse um nobel… 



Hoje, a aula foi inteiramente dedicada à aprendizagem do número dois e não houve trabalho para casa. 

Amanhã é dia de magusto que decorrerá entre as nove e as doze horas. 
Rica escola, a das minhas filhas. 



A Matilde é uma criança engraçada. 

A mãe disse-lhe para arrumar uma quinta da Playmobil com a qual estivera a brincar no chão da sala.

E não é que a miúda organizou uma brincadeira em que os proprietários desmontaram a exploração e lá foram os tractores, os camiões e as máquinas agrícolas, em fila indiana, carregados de materiais, na direcção da caixa de arrumações? Depois fez da base da camilha uma garagem e ali estacionou os veículos. 

Como é que eu posso deixar de gozar a felicidade? 


Alhos Vedros 
  10/11/2003

segunda-feira, 30 de maio de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (205)

À Espera da Sopa, Nonell, 1899
Óleo sobre Tela, 50x66 cm

O viandante

Trago notícias da fome
que corre nos campos tristes:
soltou-se a fúria do vento
e tu, miséria, persistes.
Tristes notícias vos dou:
caíram espigas da haste,
foi-se o galope do vento
e tu, miséria, ficaste.
Foi-se a noite, foi-se o dia
fugiu a cor às estrelas:
e, estrela nos campos tristes,
só tu, miséria, nos velas.


CARLOS DE OLIVEIRA

Selecção de António Tapadinhas

quinta-feira, 26 de maio de 2016

"Ascenção", de Ana Pereira





Ascenção 
( Fernando Pessoa in Mensagem) 

100 x 100 

tec mista


imagem- João Martins



quarta-feira, 25 de maio de 2016

Etnografar a Arte de Rua (XXI)


GRAFFITAR A LITERATURA


Graffitis fotografados por Luís Souta, 2016
Largo Rodrigues de Lima, nº 2, Cascais.


«a beleza da ruína é a própria ruína»
(Ruben A., Páginas V, 1967)


«Já foi uma casa. Portuguesa, de certeza», palavras do graffiter Add Fuel (o cascalense Diogo Machado, 1980) numa intervenção no Muraliza 2014: uma casa em ruínas, já sem telhado; a vegetação apossou-se dela e verte na parede traseira, no Beco dos Inválidos. O artista reanimou-a, prolongou-lhe a vida, com uma decoração que faz lembrar azulejos, de simetria geométrica, a azul e branco (no Muraliza de 2015, Add Fuel viria a ‘reproduzir’ elementos decorativos análogos em quatro caixas cinzentas de electricidade, esses monos urbanos com que a EDP desfeia vilas e cidades).

Casa, lugar antropológico por excelência, isto é, um lugar com história, relacional e identitário (segundo critérios de Marc Augé, 1992). Vitorino Nemésio, num outro registo, diz «A minha casa é concha» (poema “A concha”). Casa, local de segurança, de aconchego, de intimidade; onde nos sentimos bem.

A frase que Add Fuel inscreveu na parede principal desta decrépita casa associamo-la, inevitavelmente, à canção de Amália Rodrigues “Uma Casa Portuguesa” (letra de Reinaldo Ferreira, música de Vasco M. Sequeira e Artur Fonseca; original editado pela Columbia/Valentim de Carvalho, em 1953). Um poema que espelhava bem a ideologia da época, a do Portugal ‘pobrete mas alegrete’ que Salazar preconizava. Esses versos chave – «quando à porta humildemente bate alguém, (…) a alegria da pobreza, (…) no conforto pobrezinho do meu lar, (…) uma existência singela… é só amor, pão e vinho… e um caldo verde, verdinho» – pretendem dar-nos a ideia de uma ‘tipicidade’ lusitana. Nada mais falso.

Podemos contrapor-lhe uma outra variante: A Casa da Malta, novela do ciclo rural de Fernando Namora (1919-1989), escrita, em 8 dias, no ano de 1945. Numa das edições, chegou a ser ilustrada pelo neo-realista Manuel Ribeiro de Pavia (1907-1957), que viria a morrer de fome! (por não ter batido «à porta humildemente» de alguém?). Infelizmente, não disponho dessa edição mas de uma outra, revista e prefaciada pelo autor, comemorativa dos seus 50 anos de vida literária, com fotografia de Adelino Lyon de Castro na capa (Publicações Europa-América, livros de bolso, nº 500). O médico e escritor prolífico (hoje bastante esquecido), viria a dar o nome ao Prémio literário que a Sociedade Estoril Sol atribuí desde 1989.

«Estavam agora no largo do saguão da malta, casa de todo o ambulante, quando um homem aciganado os olhou um por um e fez alto com a sua mão morena. O Alves parou contrafeito e o cigano disse que dentro do casarão tinha a mulher a parir. Que lhe ensinassem uma entendida do sítio. (…)
– Agora não é hora de estarem aqui fedelhos.
O cigano acudiu a empurrar o ganapo para a rua.
– Vai à praça pedir fruta.
«Pedir ou roubar», pensou o velho.
O garoto, amuado, rosnando vinganças, repuxou as calças e saiu quando a mãe gritava como se tivesse o Diabo no corpo:
– Ai, que eu estoiro!
Ele sabia que as mulheres berravam para ter a canalha. Vira uma, certa vez, num pinhal, a rebolar-se no chão, mas essa lembrança esfumava-se no tempo. Agora era um homem e precisava de saber ao certo como um ganapo saía de uma barriga inchada. O velho enxotara-o, mas ele iria espreitar pelas frinchas do portão. (…)
A rapariga saltou ao portão a face linda de rubor:
– Nasceu um menino! Que pretinho que ele é!
Os homens descolaram do muro, e esquecendo o cigarro apagado, emocionados.
Ela convidou-os a entrar. A cigana estava pálida, quieta, meio adormecida; tinha os braços caídos e gastos ao longo da manta. Os homens não sabiam palavras para dizer. A criança pertencia um pouco a todos eles. (pp. 51, 69-70, 98)

Um tempo em que se nascia em casa, com a ajuda de uma parteira (mais do que uma ‘curiosa’, era alguém com um ‘saber de experiência feito’). E era esse (arriscado) nascer em casa que a marcava, para sempre, como um espaço único de memórias. Nos dias da «sobremodernidade», vem-se ao mundo num «não-lugar», uma qualquer maternidade hospitalar de riscos controlados por profissionais diplomados, mas que nem por isso deixa de ser um sítio de passagem, onde todos se sentem ‘em trânsito’ e querendo regressar depressa a casa.

Luís Souta

terça-feira, 24 de maio de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

HISTÓRIAS DA TERRA ENCANTADA
14


A tua observação é pertinente e, com efeito, admito a dificuldade em compreender a compatibilização, para usar a tua expressão, entre as teorias da evolução com a visão criacionista que nos vê como filhos de Deus.
Escreveste tu que “(…) se não é difícil entender que a Fé e a racionalidade, uma vez que são fenómenos paralelos, possam coexistir numa dada pessoa individualmente considerada, o mesmo não se poderá sustentar para a explicação da origem das espécies, em geral e da humana, em particular, em que aquelas leituras se chocam mutuamente e se excluem, pois enquanto as ciências se apoiam em factos para estabelecerem a ideia de que evoluímos a partir de outros animais, a religião, especificamente na sua tradição judeo-cristã, pretende que o Homem foi criado por Ele à sua imagem e semelhança.”
Temos pois que, não sem uma certa ousadia natural em mente jovem, implícita no teu discurso reside a pergunta seguinte: como conciliar Darwin com o Livro, a Lucy com a Eva?
Ora bem, procuremos então resolver os problemas que levantas.
É claro que por motivos de Fé, para um qualquer judeu a Tora tem origem divina. No entanto, importa estabelecer que tal significa que aqueles textos foram redigidos sob inspiração Superior mas não são, propriamente dita, a palavra Dele.
Se compreendermos esta nuance, certamente não será difícil perceber esta observação comezinha e quase lapalliceana que, embora fruto do Amor que Ele nos oferece, foram aquelas palavras o resultado do labor de seres como nós, nessa condição igualmente limitados pelas contingências do momento em que viveram. A Revelação de Abraão aconteceu num momento em que o pensamento mágico era o único recurso da Humanidade; a racionalidade, como a entendemos, em parte por consequência dessa mesma Revelação que foi a génese do monoteísmo, apenas surgiu muito mais tarde.
Quer isto dizer que certos homens escreveram os livros componentes da Tora com os conhecimentos que então possuíam e dos quais, como é bom de ver, tiraram partido para interpretarem os Sinais com que o Altíssimo os inspirou para aquele trabalho.
Em conformidade, não é como mitos que devemos entender os textos em causa, mas sim como narrativas em que, no estado dos apetrechos de conhecimentos da época e lugar, se almejou explicar certos mistérios, mormente os da criação.
Gente de Fé, admitimos que o Universo foi uma obra divina. Mas só podemos entendê-la como derivando da sua infinita bondade de querer partilhar a Eternidade com a(s) inteligência(s) que aí pudesse(m) vir a revelar-se.
É isso que justifica que o Cosmos, uma vez espoletado, se desenrole por si e de acordo com leis próprias, no que se inclui a espécie humana que desse modo terá evoluído no nosso planeta.
A sarça ardente, de Moisés, Deus emite sinais que a nós compete saber identificar e entender e é só dessa forma que Ele nos faz chegar o seu Amor infinito.
É por isto que se pode negar que a Fé e a Ciência sejam, de algum modo, incompatíveis, pois o facto de sermos animais terrestres cuja História é explicável cientificamente, não nos autoriza a dizer que não foi Ele o Autor desta maravilha em que a Terra nada mais é que uma infinitude microscópica.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (204)


Albrecht Dürer


Pormenor da obra Melancolia



Quadrado Mágico é uma tabela quadrada de lado, onde a soma dos números das linhas, das colunas e das diagonais é constante, sendo que nenhum destes números se repete. (Wikipédia)
No estudo da obra Melancolia, do artista alemão Albert Dürer, vimos, no canto superior direito da gravura, próximo ao sino, o chamado Quadrado de Dürer. Vejamos o que representam os seus numerais:

  • A soma dos números de qualquer das linhas é sempre 34.
  • A soma dos números de qualquer das duas diagonais do quadro é também 34.
  • A soma dos 4 números que ficam nos cantos do quadrado é 34.
  • A soma dos 4 números que ficam nas 4 casas centrais é 34.
  • A soma dos 2 números centrais da linha do alto com os 2 centrais da linha de baixo é 34.
  • A soma dos 2 números centrais da coluna direita com os 2 centrais da coluna esquerda é 34.
  • A soma dos números dos dois quadrados contíguos à casa extrema esquerda, em cima, com aqueles dos dois contíguos à casa da extrema direita, em baixo é 34.
  • A soma dos números dos dois quadrados contíguos à casa, extrema direita, em cima, com aqueles dos dois contíguos à casa extrema esquerda, em baixo, é 34.

  • Selecção de António Tapadinhas

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Lugares de Portugal


Alhos Vedros - Uma Vila com História

por Lucas Rosa

quinta-feira, 19 de maio de 2016

“Pascualina Passagem Do Perdão Da “Pessach” Para A Libertação Física E Da Alma…”

Olhei para cima…
Como um meteorito
Caí-te dentro do olho
Agarrei-me firme às pálpebras
Para não me aprofundar mais ainda
Senti um arrepio esquisito espinha acima
Vi-me preso bem lá no fundo do teu olhar…

Pensei em liberdade
Muito como homem preso
Agarrado às barras pensante
Vendo o presente fugir-lhe futuro adentro
Muito mais rápido que esperado ou visualizado
Lá fora ouvia-se o som de um cão a ladrar em desafio
Corria a lâmina afiada da navalha pela linha da sombra

Meu coração batia
Corria em si palpitante
Rodava seu próprio espaço
Badalava como um sino a tocar
Soa a um dia de procissão em pleno adro
Mesmo não religioso seguia passos de muitos cristos
Percorria o longo deserto em pensamento nos pés dos hebreus…

Buscava na bruma os mistérios do perdão e procurava o maná da libertação…

Em Luanda, Angola, escrito a 25 de Marco de 2016, por Manuel (D’Angola) de Sousa, em Alusão à continuidade e ligação estreita das Culturas Judaico-Cristãs, onde há mais a unir estas duas tradições Religiosas que, a separá-las. Elas, no fundo, têm a crença de base principal sustentada com/nos mesmos princípios Teológicos, pois, para as duas, Deus ou o Criador, é precisamente o mesmo para uns e outros. Identicamente, os mesmos princípios aplicam-se também à Religião Maometana/Islâmica/Muçulmana, pelo que todas as lutas e guerras e iras que as sempre separaram, não têm uma causa plausível e justa ou justificada, pois, a única causa que divide estas Religiões consubstancia-se na intensa e profunda ignorância que existe à volta da verdadeira realidade das três Religiões, e que, as devia unir muito mais que as devia dividir, como tem sido apologia de muitos maus e super interesseiros Lideres Religiosos, que tudo têm feito para manter a desunião e desavença, em prol de interesses minimamente maquiavélicos, maléficos, pessoais egocêntricos e políticos e de poder próprios…



quarta-feira, 18 de maio de 2016

CONSELHOS

Disse ao filho: insista
em suas propostas e faça
o que entender melhor

o filho resistiu
fez
e o melhor foi pouco
no nada previsto
pelo pai
inquieto
em falsa magnitude

disse o filho: insisti e fiz
e refiz o feito refeito
de todo o nada investido
trouxe a não resolução dos fatos
e o fado apresentado em roto
caminho esfarrapado dos carinhos
trouxe minha volta

o pai ouviu e não insistiu
ao filho o retorno com que o pouco
se fez bastante: nada disse.

(Pedro Du Bois, inédito)

 ADVICES

Told to the son: insist
on your propositions and do
wathever you think is the best

the son resisted
did
and the best was not enough
for the father’s predicted
nothing
unquiet
in false magnitude

told the son: I insisted and I did
and redid the redone done
from all the invested nothing
brought the facts’ no resolution
and the doom presented in a shabby
path ragged from affection
brought my back

the father heard and did not insist
on the son’s return the little
was enough: said nothing.

(Marina Du Bois, English version)

Outros poemas:

terça-feira, 17 de maio de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

HÁ BRILHOS NO CÉU DA TARDE

Livros Escolares da Matilde, II
“Somos Amigos”, sob a coordenação do Secretariado Nacional da Educação Cristã, em décima sexta edição, do ano de dois mil e dois. Trata-se do manual de educação moral e religiosa católica para o primeiro de escolaridade e custou um euro e noventa cêntimos. 



Iluminadas pelo Sol que se fez sentir para cá de um horizonte acinzentado sobre as colinas da outra margem, as gaivotas de um bando parecem pedacinhos de papel brilhando, quais pirilampos prateados, voando sob uma montanha branca que alinda o céu. 

É tão profunda a troposfera, nestas tardes luminosas de Novembro. 



Assim como é profunda a alma humana que a Voyager transporta, agora que vai abandonar o sistema solar, em busca de aventuras nos espaços inter-estelares da galáxia. 



A piscina ao Sábado de manhã, é um momento de alegria para as minhas filhas. 
E dá gosto ver como elas evoluem no domínio da locomoção em meio aquático. 


E o pai aproveitou para quase acabar de ler um conjunto de histórias do Barreiro operário do pós-guerra, em que ficam bem claros os contornos das injustiças e das misérias que deram alimento à esperança das lutas por um mundo melhor, onde os ideais associados ao comunismo encontraram terreno fértil para vingarem e incendiarem os espíritos. (1) 
Trata-se do terceiro volume de uma narrativa da resistência anti-fascista naquela cidade industrial, diferentemente dos anteriores, com cariz mais monográfico, desta vez compilando histórias do povo, sob a forma de pequenas ficções realistas. 
Se bem que a pena não seja a de um literato, não é por isso que deixa de ser um trabalho interessante e necessário. 
Mas devo dizer que o Autor peca pela parcialidade com que constrói os quadros que nos apresenta. E nem dela precisaria para obter o efeito que pretende. A realidade que descreve era tão pungente que bastaria dizê-la; os comentários eram dispensáveis. 

No que pessoalmente me diz respeito, existe a dupla particularidade simpática de ter lido e registado os dois primeiros volumes aquando da execução do diário homónimo da Margarida e de esta última parte da obra me ter sido ofertada pelo senhor Mário Nunes que teve a gentileza de pedir ao Autor para me fazer uma dedicatória, gesto bonito que me sensibiliza. 



Portugal lá chegou a acordo com Espanha para que se estabeleça a nossa ligação à rede de alta velocidade europeia, o que contribuirá para diminuir a nossa condição de periféricos. 
Dado o traçado da malha espanhola, não serão de mais as extensões ao nosso país. 
Já as prioridades me parecem ser discutíveis. 
A primeira ligação entre Porto e Vigo? E só depois Lisboa e Madrid e Aveiro Salamanca que será o caminho mais curto para lá da Península? 

Os governos portugueses não podem com uma gata pelo rabo. São, de todo, incapazes de impor os interesses nacionais a quem quer que seja, muito menos ao governo de um país concorrente. 



Tudo indica que a partir desta semana serão as sextas-feiras um dia leve e de quinze em quinze dias direi mesmo, muito leve. 
Acontece que as aulas de música e de educação moral e religiosa acontecerão no espaço das manhãs em referência, pelo que a lição ficará reduzida a um terço, isto se contarmos com os intervalos que, obviamente, serão em número maior que o habitual. 
Foi ontem a apresentação para aquelas disciplinas e a Matilde já trouxe novidades no domínio das canções. 
Sobre uma e a outra escreverei em próxima oportunidade. 

Daí resultou que os alunos tiveram que fazer apenas exercícios com as palavras dadas e aquelas que a partir daí já construíram. 
Trouxeram trabalho para casa que a Matilde resolveu na tarde de ontem. 



E esta noite acontecerá um eclipse lunar total. 
Mas antes iremos assistir a uma noite de bailado, pela companhia nacional, no pavilhão municipal da Moita. 



Agora vou preparar as castanhas que farão o nosso jantar. 


Alhos Vedros 
  08/11/2003 


NOTA 

(1) Sousa Teixeira, Armando, A RUA DIREITA E OS MIÚDOS DO LADO DA PRAIA, BARREIRO UMA HISTÓRIA DE TRABALHO RESISTÊNCIA E LUTA – PARTE III, A DÉCADA DE CINQUENTA 


CITAÇÃO BIBLIOGRÁFICA 

Sousa Teixeira, Armando, A RUA DIREITA E OS MIÚDOS DO LADO DA PRAIA, BARREIRO UMA HISTÓRIA DE TRABALHO, RESISTÊNCIA E LUTA – PARTE III, A DÉCADA DE CINQUENTA, Prefácio de Artur Carvalho, Edições Avante, Lisboa, 2001

segunda-feira, 16 de maio de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (203)


Camões lendo Os Lusíadas a D. Sebastião
em litografia de 1893



 Camões e a Tença
 Irás ao Paço. Irás pedir que a tença
Seja paga na data combinada
Este país te mata lentamente
País que tu chamaste e não responde
País que tu nomeias e não nasce
Em tua perdição se conjuraram
Calúnias desamor inveja ardente
E sempre os inimigos sobejaram
A quem ousou seu ser inteiramente
E aqueles que invocaste não te viram
Porque estavam curvados e dobrados
Pela paciência cuja mão de cinza
Tinha apagado os olhos no seu rosto
Irás ao Paço irás pacientemente
Pois não te pedem canto mas paciência
Este país te mata lentamente

Sophia de Mello Breyner Andresen


Selecção de António Tapadinhas

sábado, 14 de maio de 2016

“Filosófica Fantasia Discreta Celular Embrionária Concreta “ Cacarejo que nem uma galinha aflita em tom de choco Gaguejo em extremo choque cultural com a hostilidade ambiente Gargarejo enquanto lavo a coroa dos dentes de um animal petrificado Carrego em mim e em minhas células unicelulares o código de uma vida antiga Sonho com lamentos que nada mais são que desilusões vis Iludo-me com miragens messiânicas prometidas à hora de telejornais Nada me impressiona jamais e tão pouco mensagens de puro ilusionismo Visiono algo que pouco tem de palpável e que nem sei como hei-de materializar Apego-me à realidade mais concreta e ao conteúdo ético Rezo a uma divindade que não vejo e nem sei se conheço mesmo Tento estar o mais concentrado possível para não perder o foco do destino Deixo que a corrente do futuro me leve apesar de tantas das incertezas à frente Abro a caixa descodificada de Pandora e deixo que brilhe Levo as mãos à cabeça em busca de um chapéu electrificado Deito-me de costas para tudo a pensar em algo que me alimente o ego Preciso e desejo sentir-me forte e energizado com o poder da inteligência cósmica Quero a todo o custo passar de besta animal a sensível embrião Aprimoro as habilidades mentais e embrenho-me em certas filosofias Vou de oito a oitenta a uma fantástica velocidade para além daquela da luz Indeciso jamais saberei se me atenho ao corpo e sigo por isso as tendências da evolução…
Escrito em Luanda, Angola, a 13 de Maio de 2016, por Manuel (D’Angola) de Sousa, em Homenagem às primeiríssimas Células Primordiais, ancestrais originais da grande maioria da Vida Física e dos Corpos Materiais de quase, senão de todos, os Seres Vivos que povoam a Terra e quiçá, outros Planetas espalhados por todo o Sistema Estelar e Galáctico Cósmico… Alegra aos nossos corações de aparentes Seres Evoluídos, os Humanos, de entre essa autentica cadeia evolutiva e ainda, realidade filosófica, também, que essas verdadeiras Maquinas Codificadas (por intermédio do misterioso e intrincado mecanismo a que chamamos ADN), as Células, tenham edificado um bem elaborado e supra inteligente Edifício Celular, no qual, surgiu o Involucro Físico-Material Corpóreo, que nos serviu de Concha ou Habitáculo ou ainda, de Veículo ou Sonda de Transportação (e Constatação/Observação/Aprendizagem), que nos permitiu evoluir para a poderosa combinação existencial da Vida e da essência do Espirito-Alma Cósmica!... Quando a data calha a uma sexta-feira 13, muitos consideram-na de azar e outros ainda, de sorte e de bons augúrios, e isto, sobretudo, para quem é virado paras crenças ou práticas supersticiosas, ou mesmo, religiosas, místicas e outras, o que não é com certeza, e dentro do devido respeito por crenças alheias, o caso do presente Autor…

quinta-feira, 12 de maio de 2016

Estudos Orientais


A Ética Budista e os 4 selos dos preceitos




No Budismo a libertação definitiva do samsara, do ciclo infinito dos renascimentos, só acontece quando a mente está livre das 8 preocupações mundanas, constituída por 4 pares: ganhar e perder, prazer e dor, elogio e censura, fama e insucesso. Para tal é preciso cultivar e desenvolver um conjunto de comportamentos em que assenta a ética budista e que se divide em três posturas:     
- Palavra Justa, não mentir, não maldizer, não injuriar, não matar, não roubar, ética sexual, não negociar com armas, não comerciar seres, carne, substâncias tóxicas, venenos.
- Esforço Justo, tempo dedicado à meditação – evitar emoções negativas, remover emoções negativas, gerar emoções positivas, fomentar emoções positivas que já existam.
- Pensamento Justo, coragem, sabedoria, renúncia à ignorância, generosidade, capacidade de partilha, não-violência, amor e compaixão desinteressadas.

Para além da contemplação destes comportamentos éticos para se ser budista é indispensável a adesão aos 4 selos dos preceitos, onde se diz que:
- Tudo acontece sob determinadas causas e condições. Tudo é impermanente e tudo é interdependente.
- Nada existe em si e por si. A expectativa de que exista alguma coisa gera insatisfação, porque se espera que as coisas posam ser uma coisa que de facto não são.
- Tudo é vacuidade. Nada tem existência intrínseca. Não há nada que exista como uma identidade separada, de tudo o que constitui alteridade.
- A vacuidade que permite o nirvana é a paz.

O conceito de paz, mais do que só uma referência ao fim dos conflitos bélicos, surge-nos aqui numa dimensão também interior. Como nos diz o Dalai Lama, “Devemos muito à paz de espírito. Nenhuma relação verdadeira pode ser estabelecida se não atingirmos a paz de espírito. Há que a encontrar e, com ela, o caminho do conhecimento verdadeiro. Há que reconhecê-la, alcançá-la, preservá-la. (…) Em geral, a precipitação, a competição, o stress, sucesso difícil, dinheiro enganador, nada valem para o nosso corpo, para o nosso organismo." (LAMA, Dalai e CARRIÉRE, Jean-Claude, A Força do Budismo. Lisboa: Difusão Cultural, 1995, pp. 98/99).

Os que vêm a verdade vêm aquilo que existe. Temos que nos libertar da ideia de ser e da ideia de não ser. Não há solução para o problema, porque o problema não existe. Constatar isso é a solução. A experiência do despertar é que não há quem desperte, não há sujeito. O nirvana é a paz.


Luís Santos


quarta-feira, 11 de maio de 2016

Como usas o teu tempo?


Dois ligeiros poemetos com verdades grandes. Pesadas. Que devem ser lidos, relidos, meditados.
Sempre que se recorda um amigo, um misto de amargura e sorriso d’alma nos aflora ao coração e à cabeça.
Estes dois poemetos, grandes no valor e nas mensagens, durante muitos anos foram-me sendo dados por um amigo que sempre considerei como um irmão mais velho, a quem chamava de meu “diretor espiritual”.
Já nos deixou, e no instante em que escrevo isto deve ele estar a sorrir, com aquele ar de grande paz, que transmitia, sobretudo de grande, simples, humilde, amigo. A sua simplicidade era uma das marcas da sua grandeza.
Chamou-se, enquanto por entre nós andou, António Oliveira Lima. Deixou uma família linda, e uma imensa porção de amigos que além de o estimarem muito ainda o admiram.
Um grande exemplo, o meu querido “diretor espiritual”.

ARRANJA TEMPO

Arranja tempo para pensar
É a fonte de todo o poder.
Arranja tempo para brincar
É o segredo da eterna juventude.
Arranja tempo para ler
É a fonte da sabedoria.
Arranja tempo para rezar
É o maior poder do mundo.
Arranja tempo para amar e ser amado
É um privilégio de Deus.
Arranja tempo para ser amigo
É o caminho para a felicidade.
Arranja tempo para rir
É a música da alma.
Arranja tempo para dar
O dia é muito curto para ser egoísta.
Arranja tempo para trabalhar
É o preço do sucesso.
Arranja tempo para a caridade
É a chave para o paraíso.

*    *    *

“Deus nos pede do tempo estreita conta!
E é forçoso dar conta a Deus do tempo!
Mas como dar, do tempo, tanta conta,
Se se perde, sem conta, tanto tempo?!

Para fazer, a tempo, a minha conta,
Dado me foi, por conta, muito tempo,
Mas não cuidei no tempo e foi-se a conta…
Eis-me agora sem conta…eis-me sem tempo…

Ó vós, que tendes tempo e tendes conta,
Não o gasteis sem conta em passatempo,
Cuidai, enquanto é tempo, em terdes conta.

Ah! se quem isto conta do seu tempo
Houvesse feito a tempo, preço e conta,
Não choraria sem conta o não ter tempo.”

Frei Castelo Branco, Séc. XVII/XVIII

“O tempo é a mais preciosa coisa da vida” – João de Barros

08/05/2016
Francisco Gomes Amorim

terça-feira, 10 de maio de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

HÁ DIAS ASSIM

O dia de hoje foi inteiramente dedicado ao treino das palavras dadas e aos jogos com as sílabas componentes. 
Os alunos fizeram cópias, estabeleceram as correspondências entre palavras e desenhos e entre sílabas e os desenhos das figuras de cujos nomes aquelas fazem parte, ilustraram e foram chamados ao quadro para aí identificarem sílabas através de cores. 

“-A mim calhou-me o mu.” –Disse a Matilde à mãe, enquanto se preparava para tomar banho. 

Não houve trabalho para casa. 



E é tudo por esta noite. 
Faltam poucos minutos para as zero horas e acabei de chegar a casa. 

Desde as nove da manhã, abandonei o escritório para as refeições e a meio da tarde para levar a Margarida a casa. 

Resta-me dar um beijinho nos meus amorzinhos que ali estão dormindo, quentinhas e tão cheias de encanto. 


Alhos Vedros 
  06/11/2003

segunda-feira, 9 de maio de 2016

REAL... IRREAL... SURREAL... (202)

Ai, Credo!Malhoa, 1923
Óleo sobre Tela
MARIA CAMPANIÇA

Debaixo do lenço azul com sua barra amarela
os lindos olhos que tem!
Mas o rosto macerado
de andar na ceifa e na monda
desde manhã ao sol-posto,
mas o jeito
de mãos torcendo o xaile nos dedos
é de mágoa e abandono...
Ai Maria Campaniça,
levanta os olhos do chão
que eu quero ver nascer o sol!

Manuel da Fonseca


Selecção de António Tapadinhas

sábado, 7 de maio de 2016

Conchelos




por Miguel Boieiro


Há tempos, a pedido do meu mestre de fitoterapia, compilei uma lista de plantas silvestres utilizáveis na alimentação humana: ervas espontâneas que crescem no campo e que podemos comer em saladas, em esparregados, em sopas, etc. Atualmente esta moda está a ser seguida por algumas correntes naturalistas de alimentação racional que pretendem libertar-se da padronização excessiva imposta pelas grandes cadeias de supermercados. Digamos que se trata duma reação natural ao consumismo desregrado que hoje comanda a nossa vida, tendo por único objetivo a obtenção de lucros. Portugal, país temperado com variados solos e microclimas, possibilita admiravelmente e cada vez mais, o aproveitamento de recursos vegetais selvagens, face ao estado de abandono caótico da nossa agricultura, refém dos ditames das corporações união-europeístas a que o nosso governo, sem peias, obedece. Sim, nos terrenos agrícolas abandonados é possível encontrar vegetais para a panela, salvo se houver por perto fontes poluidoras ou uso de herbicidas, infelizmente também muito em moda, induzidas pelo “marketing” abusivo das multinacionais do setor.

Tudo isto vem a propósito da troca de impressões que mantive com um companheiro, também amante destas lides, que me revelou que consumia conchelos com regularidade, misturados nas saladas de alface e de agrião.

Ora eu tenho conchelos no meu quintal, trepando pela vertente norte do tronco duma palmeira e acabei por experimentar, concluindo, com agrado, na mais-valia da referida plantinha, a qual, desde já, juntei à minha lista de comestíveis espontâneas.

Os conchelos, chapéus-dos-telhados, orelhas-de-monge ou umbigos-de-vénus, cuja designação científica é Umbilicus rupestris, da família das Crassuláceas, são ervas frágeis, mas perenes, que aparecem com frequência nas escarpas abruptas, muros e telhados antigos e cascas de árvores onde se concentra alguma humidade. O nome provém da configuração das suas folhas em forma de concha ou de umbigo, visto que surgem côncavas partindo duma base de pecíolo longo. O seu aspecto é deveras curioso. No início as folhas são verdes suculentas e tenras e podem ser, de facto, utilizadas em saladas, dando-lhes um sabor acidulado e uma textura gelatinosa muito original. Depois, em plena primavera, a planta torna-se avermelhada, brotando um caule ereto que chega a atingir, em condições modelares, 60 cm de altura, guarnecido de botões florais dispostos em cachos esbranquiçados. As flores, suspensas por um pequeno cálice, possuem cinco pétalas soldadas em forma de tubo. A raiz forma uma toiça espessa formando tubérculos que perpetuam a planta.

É considerada uma erva medicinal desde tempos imemoriais, quer por administração interna, quer externa. Na sua composição podemos encontrar mucilagens, açúcares, tanino, ferro, potássio, silício e vitaminas. Tem propriedades cicatrizantes, refrescantes, calmantes, diuréticas, anti-hemorrágicas e anti-sépticas.

O suco das folhas é utilizado para aumentar a emissão da urina, tomando-se uma colher de sopa em jejum, dissolvido num copo de água. As mesmas folhas esmagadas servem para fazer cataplasmas ou emplastros, eficientes para curar e cicatrizar feridas, aliviar queimaduras, eliminar borbulhas e frieiras. Aplicando diretamente as folhas sem a sua cutícula inferior, acalmam-se as dores e as inflamações, em especial,  devidas à gota e à ciática.

Registam-se também diversos preparados em homeopatia e em medicina asiática, exercida, quer por chineses, quer por ayurvédicos indianos.

Se com este breve apontamento conseguir suscitar a curiosidade dos leitores, amantes da botânica aplicada, fico recompensado pelo trabalho de investigação que efectuei sobre a umbilicus, que uns cientistas complementam com rupestris e outros com pendulinus, sendo basicamente a mesma planta.