sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

BOM ANO NOVO!

 Luís Santos


MEUS QUERIDOS AMIGOS

Estamos quase, quase, a terminar o período de isolamento obrigatório por termos apanhado o "corona" como graciosamente ouço dizer às jovens amigas da minha filha.

Apanhei eu, a São e os miúdos (ah, é verdade, já são adultos). A São e o Tomás tiveram mesmo de passar pelo Hospital, por mau estar físico, mas felizmente foi coisa que não se fez demorar. É verdade que não ganhámos para o susto e quase íamos abaixo. Ficámos entregues a nós próprios no nosso canto, com direito a um telefonema diário de uma mãe com mais de 80 anos, e uma ajuda ou outra de familiar próximo. Tivemos vários momentos muito, muito, difíceis, mas acreditámos sempre no melhor.

Agora que, creio, estamos à beira de voltar ao ritmo normal, digamos assim, não sei até quando, olho para os últimos seis meses deste ano e lembro-me que perdi o meu pai, uma tia, dois amigos irmãos, 2 amigos muito próximos, mais alguns que não eram tão próximos, mas que estavam perto, e um sem número de conterrâneos que vinhamos a fazer juntos a jornada da vida.

O que dizer de tudo isto?

Queridos amigos,

costumamos dizer repetidamente, incessantemente, sobretudo, aos nossos alunos, que a vida é uma dádiva mais que grandiosa, simultaneamente, rara e preciosa, como também nos ensinaram os budistas para que a desperdicemos e percamos tempo com coisas menores, ódios, invejas, mal querer, ainda que alguns, aparentemente, vivam luxuosamente e outros vivam sem nada. Mas, afinal, esta vida em que vamos caminhando, distraídos, como se vê, é curta e, no final logo se verá mais claro, muito mais claro, o que é melhor e o que é pior.

Fica um conselho do alto destes sessenta anos físicos, bem medidos: na medida do possível, aproveitemos o tempo de forma generosa, olhando para cada outro como se de si próprio se tratasse. Por tudo, sejamos gratos.

Posto isto, permitam-me que nestes desejos de BOM ANO NOVO PARA TODOS, deixe uma palavra de especial conforto para os que estão mais necessitados, porque mais sós, em maior sofrimento, mais afastados das alegrias e do champagne que em breve irão cruzar os ares.

Enfim, desejos de que o Ano de 2022 venha por bem para todos. 


segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Um poema de JOSÉ GIL


Sebastião


O CATIVO DE FEZ,

" Quando parto

morro

pensas sempre tu

por isso enxugo

o teu rosto

nu"

António Reis,

a Isabel Pinheiro

a Maria Simas atriz favorita das favoritas

a Sandra Cordeiro atriz paixão

a Giulia Alessandra Atzori

a Raissa Segantini

a atriz Sofia Vicente,

a atriz Bruna Manguito

aos atores

Óscar Martins e

Rodrigo Teixeira Lourenço

Caminho de Cascais a Lagos

na flor seca da aridez do mar

em dia de tempestade

 

na doçura das tuas ondas

tudo passa com o vento

 

o ar fica sereno e limpo

o mar inquieto do afago de dezembro

na zona de vibração

de um dia de névoa

na matéria-prima do teu olhar

dança comigo morena  corpo de árvore

onde o animal jamais descansa

sou o desconhecido

no nevoeiro da madrugada na praia

do Sado ou em Lagos um rei adolescente,

José Gil

09:08h

15-12-2021

sexta-feira, 17 de dezembro de 2021

O FIM

Crónica de Teatro de Maria Simas

Fotografia de Eugénia Matias

               “O Fim”, uma obra de António Patrício*, transformada num grande espetáculo de laboratório teatral com direção e encenação de José Gil, cedeu o palco a um conjunto de atores que já nos habituou à arte de bem representar, são eles José Caldeira Duarte, Lígia Cruz, Miká Nunes, Óscar Martins e Paula Reis. Luz, Fotografias e Som de Eugénia Matias - Grupo de Teatro do Politécnico De Setúbal.

 “Os dias últimos de um povo...”, “(...) com os navios estrangeiros à vista” em honra à receção do dia de aniversário da rainha, a esperança absurda no “Fado” em que a realidade é o impossível, rumo à queda da monarquia.

 É “O Fim”, uma obra simbólica de um clássico da Literatura Dramática Portuguesa do séc. XX,que conta a conturbada situação histórica e política do nosso país, no contexto europeu da época.

Uma narrativa cheia de metáforas e pormenores deliciosos da singularidade e riqueza da língua portuguesa.

É razão para aclamar bis

E assim aconteceu em duas sessões separadas por um curto intervalo, na Sala de Drama da Escola Superior de Educação de Setúbal.


 Maria Simas

 Setúbal 15 de Dezembro 2021


* António Patrício (1878-1930), escritor e diplomata português, dramaturgo e contista, dotadode uma escrita cheia de sensibilidade e ritmo poético, com uma linguagem cheia de simbolismo.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Literatura: o pão nosso de cada dia (II)

 Luís Souta 


O LIVRO: do papel ao digital

«Está acabada a cultura baseada em livros que era partilhada

pelas «pessoas intelectuais» de todo o Ocidente e das suas colónias»

(Passos Perdidos, Paulo Varela Gomes, 2016:58)

 

Muito se tem discutido sobre o futuro do livro na sociedade da informação (ou «educativa», como Carneiro a classificou em 2001). Debate algo estranho e aparentemente deslocado no tempo, pois seria natural que, num macro contexto deste tipo, o livro ganhasse um estatuto e uma divulgação como nunca conhecera no passado. Só que outros fenómenos emergiram pujantes, designadamente o multimédia. Concorrente fortíssimo o audiovisual – «civilização videológica» – onde a imagem não exige o esforço de concentração e descodificação que a leitura implica (Sartori, 2000). Num tempo de fugacidade, de que o spot e o vídeoclip são o paradigma, a leitura de um livro, que exige tempo e continuidade, corre sérias ameaças.

1. A perenidade do livro

No romance Para Sempre, Vergílio Ferreira remete o livro para um passado de que hoje só nos restam imagens, memórias ou artefactos de museu: «O tempo do livro é o tempo do artesanato. Coisa destinada a um indivíduo, fabricada com vagares, consumida com vagares. (…) O tempo do livro é o do candeeiro de petróleo, o das meias de algodão feitas em casa à agulha, o das papas de linhaça e do óleo de fígado de bacalhau. O das ceroulas compridas com atilhos. É o tempo dos botins e das cuias, dos palitos para palitar os dentes depois da sobremesa. O tempo das perucas, das lamparinas e dos penicos. (…) O tempo do livro é o do carro de bois» (1983:106,107,108).

Numa posição mais confiante na durabilidade do livro, independentemente dos novos aparatos comunicativos, Miguel de Sousa Tavares, numa entrevista concedida à revista semanal Pública (04/03/2001, pp. 28-32), aquando da edição do seu livro Não te deixarei morrer David Crockett, defende «que os grandes leitores têm uma relação física com os livros (…) o livro objecto é aquilo que desperta a vontade, o verdadeiro prazer de ler. Acho que as pessoas que lêem a internet nem sequer são leitores. Um leitor é uma pessoa que adormece com o livro ao colo, acorda, escreve no livro ou não escreve, marca as páginas (…). Eu não acredito numa civilização que não lê.»

Mais peremptório ainda é António Barreto quando afirma, com convicção: «O livro é eterno» (2002:343).

Muitos são aqueles que questionam a prática generalizada da leitura de um livro (e em especial de um romance) num ecrã de computador. Hoje, o acesso ao livro electrónico (e-book) 1 é extremamente facilitado (em termos técnicos, operacionais e até financeiros). Mas a relação física e afectiva (o toque, o cheiro, a memória de uma oferta…) que o leitor estabelece com o livro enquanto objecto não é substituível pelos meios informáticos, que remetem o texto para o campo da virtualização. As potencialidades que são reconhecidas ao «hiperlivro» (por exemplo, a rapidez na pesquisa de um elemento do texto, seja uma frase, uma expressão, o nome de um personagem ou de um lugar, os links possíveis com outros textos e autores), dirigem-no mais para uma utilização pragmática e parcelar, ligada a actividades de análise e estudo, do que ao processo normal de uma leitura sequenciada, capítulo a capítulo.

A leitura em livro tem a vantagem de ser feita em casa, na rua, nos transportes, praticamente em qualquer lugar; ainda que a miniaturização dos computadores aproxime o portátil, o tablet ou o iphone dessas virtualidades atribuídas ao livro, há limites e obstáculos a superar (por enquanto?) como a autonomia energética, o acesso à rede wireless ou a dimensão reduzida da mancha gráfica (ainda que atenuada com os ecrãs suaves que não cansam a vista). Coisas menores, poder-se-ia dizer, preconceitos de uma geração que, tem dificuldades de adaptação na passagem do táctil para o digital (do palpável ao virtual). Uma geração que entrou em contacto com todos estes equipamentos numa fase muito adiantada da sua formação, com uma maturidade já definida e estilos de vida pessoal e de aprendizagem consolidados. Seriam então os jovens, já socializados com a informática desde muito cedo, os “coveiros” do livro.

Mas tal parece ser contrariado, entre nós, pelos dados divulgados por diversos estudos e sondagens. Livreiros e bibliotecas públicas mostram como a compra e a leitura de livros, entre os estratos mais jovens, é das mais florescentes. O Observatório das Actividades Culturais constata, em 2001, a manutenção da «centralidade simbólica» do livro, ainda colocado pelos jovens no topo hierárquico dos bens culturais, apesar de no dia a dia privilegiarem os meios audiovisuais.

Estamos numa nova fase de transição, onde as certezas são abaladas e as dúvidas mais que muitas. Algo de semelhante deve ter ocorrido em outros momentos da História, por exemplo, quando o pergaminho foi substituído pelo papel (Vallejo, 2019). E o livro continuou, ainda com maior vigor. Agora, «o mundo digital não é o inimigo maior dos livros, mas o modo de vida», como defende Zivkovic (2016).

 2. Escritores sem caneta

Mas as consequências do desenvolvimento informático não se colocam apenas no patamar do consumo. A própria literatura, na área da produção, enfrenta fortes desafios decorrentes da escrita cibernética. Num tempo de «aceleração» (Hartmut Rosa, 2005), quando se potencializa a “imaterialização de conteúdos”, se expande a interactividade, se alargam as redes a limites  inimagináveis, e quando a regra é “falta de tempo”, novos horizontes se rasgam à gente da escrita (que a tem como profissão ou como hobby). Uma nova geração de escritores irá irromper em definitivo, a que já não usa a “caneta” pois funciona permanentemente no teclado (o que se vai tornando vulgar mesmo para os escritores ‘clássicos’) e desconhece o ‘papel’ uma vez que a escrita entra de imediato nos circuitos electrónicos e fica disponível on-line. Em regra, os autores electrónicos criam o seu site pessoal e nele disponibilizam as suas obras, criam mailing lists, newsletters, fóruns de discussão o que lhes permite um contacto constante com os seus leitores. Este tipo de escritor dispensa assim as tradicionais estruturas intermédias: ele não só anula os círculos editoriais de impressão, como se livra de editoras e distribuidoras, com a vantagem de encurtar, de forma vertiginosa, os circuitos de divulgação, alargando imensamente o acesso à sua obra. Deste modo, temos reunidas numa só pessoa as tarefas e funções que se encontravam pulverizadas numa teia empresarial a jusante do acto da escrita. Em regra, essa cadeia de produção e prestação de serviços escapava ao controlo do escritor, ficando excessivamente dependente dela. E no fim, era ele o que menos beneficiava (financeiramente) com a venda dos seus próprios livros. A expansão vertiginosa da internet, do print-on-demand, e do e-business abrem enormes perspectivas neste campo, em especial, no que respeita à democratização editorial (dando outra visibilidade aos “escritores de segunda linha”). Nesta área, ainda em profundas e rápidas mutações, muito está por definir, designadamente os direitos autorais (copyright). Será que as contrapartidas para o escritor (mormente as económicas) vão consolidar esta dinâmica? Ou estamos apenas perante formas mais simplificadas e alargadas de acesso e/ou divulgação à obra literária?

A comunidade académica, mais do que a literária, tem utilizado intensamente a internet e disponibilizado muitos dos seus produtos científicos (artigos, relatórios, monografias) no suporte virtual. Muitos livros e revistas científicos, em papel, têm vindo a ser substituído, progressivamente, pelo ciberlivro (o uso generalizado do inglês, como língua franca das diferentes comunidades científicas, tem facilitado este processo de expansão).

3. Antropólogos nas tribos electrónicas

O campo virtual tem vindo igualmente a interessar os antropólogos. Esse movimento faz-se em dois sentidos: (i) no conhecimento das novas «tribos electrónicas» (Ramos, 1999), com os cibernautas, numa partilha de intensa comunicação, “habitando” uma “sociedade virtual” onde floresce uma cultura específica, a cultura cibernética, também ela com os seus rituais, jargões, valores, códigos e marginalidades (hackers); (ii) no recurso sistemático à internet para a condução da pesquisa etnográfica.

Ambas as situações colocam problemas metodológicos novos, nomeadamente no que respeita ao trabalho de campo e à observação participante, e até quanto ao próprio objecto da disciplina. Neste caso, poderíamos configurar semelhanças e diferenças com o histórico percurso desta nossa ciência social. Se estes grupos – os internautas – podem incorporar as categorias do “exótico” e do “minoritário” (todavia, com tendência para se esbater à medida que se vai massificando o acesso à net), já se distanciariam quanto ao carácter “primitivo”; aqui, bem pelo contrário, está-se perante elites (knowledge workers), numa área de ponta e de vanguarda (high tech) nesta modernidade centrada num bem que elas dominam – a informação e o conhecimento (sofisticado e tecnológico). Sabendo que as clivagens e desigualdades passam, nas nossas sociedades pós-industriais, por estar on-line ou off-line (German, 2000), estes seriam grupos bem posicionados nesse contexto de acentuada globalização. Um outro problema, que se cola ao seu estudo, prende-se com o facto de estarmos perante grupos altamente dispersos, ao nível do planeta, sem um território nem fronteiras e em permanente mobilidade demográfica. Portanto, na ausência plena de um “lugar antropológico”, entendido como espaço delimitado, relacional, identitário e histórico que, como sabemos, é um dos elementos centrais na caracterização de qualquer grupo social. Por outro lado, os cibernautas, enquanto ‘grupo’, revelam uma elevada transitoriedade no tempo: fazem-se e desfazem-se a todo o momento. Este seria um exemplo extremo de desterritorialização, um dos fenómenos caracterizadores da sociedade globalizada. Por tudo isto, a entrada da antropologia nestes domínios do “virtual”, traz novos argumentos para a reconfiguração conceptual de base com que temos operado até agora. Ela ilustra, de forma paradigmática, a questão das «novas escalas na abordagem antropológica» de que falava Silvano (1998). Sendo assim, importa reelaborar conceitos como cultura, campo, território, etc. E rever os procedimentos associados à interacção entre investigador e sujeito (que aqui se faz num quadro de uma certa invisibilidade, onde o face-to-face é, quanto muito, mediado por uma câmara e um monitor, e portanto a entrada do investigador no ‘grupo’ e a sua aceitação, são encarados numa outra dimensão).

Neste domínio, é particularmente interessante a experiência de pesquisa realizada pela antropóloga brasileira Rita Amaral (2001), conducente à sua tese de doutoramento sobre a “Festa à Brasileira” em cinco regiões do país. Ela utilizou a internet não só como fonte de dados complementares à pesquisa tradicional, como principalmente, pelo uso que deu às conversas e entrevistas efectuadas em chats. O antropólogo que faz do contacto directo e personalizado com os sujeitos de estudo, num território concreto (onde permanece de forma continuada durante um certo período de tempo), uma das suas especificidades metodológicas, já a sua “inserção” num campo virtual, de intermitência temporal, levanta enormes desafios à forma tradicional de conduzir a pesquisa.

O futuro é mesmo amanhã.

Nota

Quando o livro de Stephen King – Riding the Bullet, em 2000, ficou disponível apenas na internet, a procura foi tal que os servidores de duas grandes livrarias (Amazon e Barnes & Nobles) ficaram bloqueados.

Referências

AMARAL, Rita (2001) “Antropologia e Internet. Pesquisa e campo no meio virtual”. Trabalhos de Antropologia e Etnologia, vol. 41, nº 3-4, pp. 31-44.

BARRETO, António (2002) Tempo de Incerteza. Lisboa: Relógio d’Água/ Antropos.

CARNEIRO, Roberto (coord.) (2001) “O Futuro da Educação em Portugal. Tendências e Oportunidades – Um Estudo de Reflexão e prospectiva”.

FERREIRA, Vergílio (1983) Para Sempre. Venda Nova: Bertrand Editora/ Obras de V. F., 10ª edição, 1996.

GERMAN, Christiano (2000) “On-line off-line: internet e democracia na sociedade de informação”. Sociologia – Problemas e Práticas, nº 323, pp. 101-116.

RAMOS, José Luís (1999) “Computadores, Internet e Aprendizagens. Novas Sociabilidades e Tribos Electrónicas”. Economia e Sociologia, Universidade de Évora, nº 68, pp. 97-119.

ROSA, Hartmut (2005) Aceleração: a transformação das estruturas temporais na Modernidade. Editora Unesp, 2019.

SARTORI, Giovanni (1997) Homo videns: Televisão e pós-pensamento. Lisboa: Terramar, 2000.

SILVANO, Filomena (1998) “As novas escalas na abordagem antropológica”. Revista da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, nº 11, pp. 59-71.

ZIVKOVIC, Zoran (2016) entrevista ao Ípsilon, 24/06/16, pp. 22-23.


terça-feira, 30 de novembro de 2021

A propósito do 28º aniversário da Biblioteca Municipal de Alhos Vedros

 

por Luís Santos


Caro vereador da CMM António Carlos Pereira

Caro Presidente da Junta de Freguesia de Alhos Vedros Artur Varandas

Cara Coordenadora da Biblioteca Municipal de Alhos Vedros Rosa Ribeiro

Todos os presentes.


Agradecer, antes de mais, o convite para participar nas comemorações do 28º aniversário da Biblioteca Municipal de Alhos Vedros, neste dia 28, um número que certamente se relaciona com a unidade, a amizade e o reencontro.

Estamos aqui para dar os Parabéns à Biblioteca de Alhos Vedros que se integra, como sabemos, na rede pública de bibliotecas do Concelho da Moita, um serviço que se enaltece, porque é de uma nossa casa comum que se trata. Um espaço de todos, que visa servir a todos, criado para nosso usufruto coletivo. E, sendo nós, ao longo dos anos, frequentadores assíduos desta rede pública de bibliotecas, sobretudo, desta em que aqui nos encontramos, devemos agradecer os significativos momentos que, amiúde, por aqui fomos passando, fosse para ler o jornal, para trabalhar, ou para aproveitar das inúmeras iniciativas culturais que por aqui foram acontecendo. Memórias de bons tempos passados que, reconhecidamente, foram ajudando ao nosso desenvolvimento pessoal e social.

Lembrar dos inúmeros concertos de música, das tertúlias poéticas, dos lançamentos de livros, das noites de lua cheia, das exposições, das leituras de livros para grupos de crianças vindas dos infantários e escolas locais, do belíssimo empenho da Anabela, do Jacinto e da Élia, só para lembrar, entre muitos outros, os que aqui têm trabalhado nos últimos anos.

Alguns desses momentos em que fomos também protagonistas diretos, fosse para ler uma história para crianças, para lançar um livro, fazer uma comunicação sobre história local, integrar tertúlias poéticas, ou até para um momento de participação em criativo encontro de literatura erótica, lendo um poema do sadino Bocage, no mesmo dia em que fomos presenteados com um extraordinário concerto dado pela banda “Penicos de Prata”.

Quando pensamos na nossa Biblioteca, e nas pessoas e associações que com ela mais se relacionam, logo nos vem à memória, a Academia, o CACAV, a Alius Vetus e, respetivamente, algumas das suas dinâmicas mais marcantes, como sejam a Feira do Livro, a Escola Aberta Agostinho da Silva, a Feira Medieval, entre outras múltiplas iniciativas. Todas elas, associações que de alguma forma se têm relacionado com a publicação literária, ou científica, em comunhão com a animação do livro e da leitura.

E aqui chegados, à reconhecida importância que o livro e a palavra escrita têm no desenvolvimento humano, nunca será demais recordar que temos uma Feira do Livro que é das mais antigas do país, com 48 edições realizadas, desde 1972, e que só a nefasta e preocupante pandemia que atravessamos conseguiu interromper a sua contínua realização, ao longo de todos estes anos.

Entre todas estas dinâmicas associativas, e não esquecendo que a palavra escrita se relaciona com as mais variadas áreas da cultura e das artes, seja na música, no teatro, na dança, e por aí fora, não deixaremos de salientar da existência, entre nós, de um movimento de significativa dimensão que vai editando e publicando livros, revistas, jornais, pasquins. E se nos centrarmos exclusivamente na nossa vila, onde se reconhecem existir algumas particularidades culturais, logo se pensa num número anormal de gente que se dedica à arte da escrita para uma terra relativamente pequena.

E da mesma forma que se refere a existência de vários escritores, podemos dar conta de múltiplas dinâmicas literárias que se foram desenvolvendo entre nós, algumas delas em que tivemos participação direta como foram, entre outras:

i) o grupo “Do Convento”, onde se fazia “uma escrita em grupo, com cada um em seu sítio, à mesma hora” que, depois, desaguava em animadas tertúlias de café;

ii) ou, “O Largo da Graça”, uma linha editorial alternativa numa iniciativa de amigos, dada a dificuldade de se chegar às grandes editoras nacionais e a dinâmicas mais comerciais, até pelas crescentes dificuldades de publicação na área do livro, mas também pelos frágeis apoios aos autores locais. Esta linha editorial “O Largo da Graça” é, de resto, o pequeno exemplo de um alargado movimento de “edições de autor” que por cá existe e pontua;

iii) ou, por fim, falar do blogue/revista “Estudo Geral”, uma revista digital, multimédia, que tem sido feita por alguns de nós, já com mais de 10 anos, editada a partir de Alhos Vedros, mas que se foi disseminando por uma vasta internacional comunidade lusófona.

O “Estudo Geral”, uma revista que explora as novas possibilidades das linguagens digitais, onde facilmente se mistura o texto, a imagem e a música, e que tem também insistido na divulgação de livros e autores locais, a que os apoios da autarquia, até agora, pouco têm chegado. Por isso, acreditamos na necessidade de novos desenvolvimentos nas políticas ligadas ao livro, que mais apoiem a edição e os autores da região, nomeadamente, a partir da criação de uma linha editorial pública, de um destaque próprio nas bibliotecas locais, e no apoio ao lançamento e à aquisição dos seus livros, o que será uma forma de ajudar e dar relevo à valiosa riqueza literária que caracteriza a nossa comunidade.

Obrigado pela atenção.

28.11.2021

sábado, 27 de novembro de 2021

Biblioteca Municipal de Alhos Vedros



Domingo, 28 de novembro, 15,30h

No dia em que se assinala o seu 28° Aniversário, a Biblioteca Municipal de Alhos Vedros, com os contributos da Junta de Freguesia de Alhos Vedros, convida associações de referência, autores locais e a população em geral para todos juntos, potenciando novas sinergias, assinalarmos a efeméride.

Assim, reconhecendo algumas dinâmicas literárias, mas não só, que ao longo dos anos, se têm desenvolvido na comunidade, convidamos Dores Nascimento, Luís Santos, Vítor Cabral e os Jograis do CACAV para, em jeito de roda coletiva e com a possível intervenção de todos os presentes, disso darem testemunho e animarem a nossa festa que contará com momento musical animado por Rui Pais.

 

domingo, 21 de novembro de 2021

ONDA DE LETRAS

 


"Quando me tiveres apagado, morto /ou só feito da matéria da memória, /dança uma dança por nada/e debruça em arco o teu corpo sobre o poço da morte/sobre o corpo dividido e espalhado pela última praia".

Manuel Gusmão

 

“ARTE” (Sem Medo) ÉS TU “

 “arte sem medo / arte para ser / arte verdadeira / movimento-amor.”

(Jorge Vicente)

 

A Isabel Pinheiro

A atores e atrizes favoritas

A Maria Simas a favorita das favoritas

Giulia Alessandra Atzori, a internacional e global como

Raissa Segantini

 

O mar revolto o corpo revoltado em ondas, o mar tem tantos

Rios como os dedos dos pés nos lábios

estou sob a Ponte 25 de Abril regresso de Setúbal Praias do Sado

Todos os dias ao fim da tarde, um rio largo e lindo

Prata azul para encantar os olhos até Cascais,

das janelas da Porta vê-se os olhos

Sonhadores o mais íntimo e coletivo que todos temos , à direita

a Tapada da Ajuda

Para continuar esta beleza arte sem medo,

arte para ser, arte ambiental, verdadeira

Movimento amor entre as ancas, para preparar

a ida amanhã de madrugada a Cascais

O cafezinho da Estação de S. João do Estoril

para acordar nos teus seios no correio em

Frente onde te envio as prendas de amor .

A dimensão infinita da tua excitação nos meus

Lábios, estou a aprender a correr na hidromassagem

para te apanhar nos momentos

Vulneráveis, tristes, temos que ser fortes todos

em versos de massinhas douradas

é no vazio que escrevo a tatuagem dos deuses com os lábios

voam as pernas na rua feliz de Stª Catarina em Lisboa, chegarei a Cascais, o Arco Íris sobre o mar e as rochas, não chove há uma semana

os carros lentos atravessam os jardins, quem faz as acácias florir

é o mundo amor entre os dedos como o leite de moça no peito de cerejas

da rocha da Praia da Conceição, avançaremos para dentro de

água 15º graus ninguém nos vê - é a bruma intensa da madrugada

depois vestimos os véus pretos em todo o corpo para abençoar oceano, viajaremos lindos

bebo demoradamente o cálice do namoro

um mamilo claro rosa

sem mexer o corpo, manhã cedo

depois do café leve e do duche

o hotel do Estoril já está barato

e tem vista para o oceano

aqui fico para escrever o livro

amor profundo, há que acertar

as palavras com os lábios e podemos

beber um no outro depois do mel

até ao mel amor, penetrar, a luz

as estrelas da canção e mais

ninguém saber a clementina doce

como um fado, Cascais,

tem fado e do melhor naquelas ruelas

onde nos beijamos noite adentro

podemos mergulhar de manhã e sonhar

amo-te os dedos

voamos como as grandes ondas

no oceano atlântico ou o mar mediterrânico

 

10:49h

12-11-2021

José Gil

sábado, 13 de novembro de 2021

Literatura: o pão nosso de cada dia (I)

 Luís Souta


«– A literatura é uma doença universal…

o sarampo das crianças e o reumático dos velhos…»

Uma Fábula (o Advogado e o Poeta), Teixeira de Pascoaes


I

O LIVRO E A ESCOLA

As sociedades letradas colocaram o livro como um bem único, central no combate ao esquecimento e na aquisição do saber. O livro é a memória. «O que não se escrever não consta» (Eduarda Dionísio in A Voz da Escrita de LS, p. 314), esvai-se, é como se não tivesse acontecido ou, como diz Italo Calvino, «todas as ‘realidades’ e ‘fantasias’ só podem tomar forma através da escrita» (1990:119). Ou ainda como Jack Goody (1986) demonstrou, a escrita acaba como elemento estruturador da organização social. Esta visão, chegaria ao limite quando Mallarmé, citado por Calvino (id.:166), afirma que «tudo no mundo, existe para acabar num livro». E como bem nos recorda Irene Vallejo (2019:38) «todo o livro é um passaporte sem data de caducidade.»

Quadro, em 3D, de Luana Costa (2021)

É evidente que os livros não são todos iguais, na importância que a sociedade lhes atribui. E que tal hierarquia se altera no curso histórico e no seio das diversas instituições. Numas – as igrejas – aprendia-se a ler para ter acesso aos livros sagrados. Noutras – as escolas – erigiu-se o livro como elemento primordial da sua acção. Era o ‘sagrado’ manual, instrumento básico de apropriação de conhecimentos e fonte de aprendizagem, e que já foi “livro único”, não permitindo outras alternativas, pelo menos no seu seio. Isso nos relembra, por exemplo, a escritora Ester de Lemos:

«Era proibido ler romances no Liceu» (1959:46).

Mas ainda hoje, mesmo nas aulas de Português e Literatura, e por paradoxal que isso pareça, o manual continua a ser “o Livro dos livros”1. Os princípios dominantes nas sociedades de mercado, uma econocracia que tudo transforma em mercadoria, e que procura satisfazer os “clientes” pondo à sua disposição opções credíveis de escolha, chegou também aos materiais escolares. Hoje a multiplicidade de manuais é tal (em formatos vários que vão da vetusta sebenta para decorar ao hodierno livro de fichas para exercitar, a que se juntou o «manual do professor»!) que, em torno dele, gira uma florescente actividade produtiva e comercial que, todos os anos lectivos, tem assegurada uma fatia certa e volumosa de compradores2 (quanto a genuínos leitores já é mais problemático, como o evidenciam as permanentes taxas de insucesso escolar). As editoras escolares são, no panorama editorial português, empresas que não sabem o que é a crise. Os estabelecimentos de ensino têm oficialmente que os adoptar, mesmo que alguns professores prescindam deles na sua actividade lectiva. A selecção de manuais é uma tarefa em que a pressão do marketing e as “contrapartidas” oferecidas pelas editoras acabam por constituir-se como factores condicionantes das opções pedagógicas de selecção3.

Agustina Bessa Luís, em entrevista ao Ensino Magazine (nº 43, Setembro 2001, pp. 1-3.), diz que «ler exige uma elevada concentração e um grande silêncio e não é uma criança qualquer que está em condições adequadas para o fazer.» Estamos cientes que os ambientes físicos, em casa, no trabalho, ou nos transportes públicos são pouco incentivadores a esse recolhimento. O ruído é um dos males das nossas modernas sociedades. Nos lares, os espaços reduzem-se em apartamentos claustrofóbicos, onde o televisor e o rádio, permanentemente ligados, são a ‘companhia’ possível. Mais recentemente, nos transportes públicos, passaram a “dar-nos música” (de fundo) e, para as viagens de longo curso, instalaram-se circuitos de vídeo interno, entrecortados por informações regulares sobre a estação que se segue. Ler, passou a ser uma tarefa cheia de obstáculos e distractores concorrenciais. Nas nossas escolas domina a “cultura do berro”, num barulho permanente (por vezes ensurdecedor) que já não se restringe aos espaços exteriores de recreio:

«O liceu era um inferno de barulho» (José Rodrigues Miguéis, 1973:100).

Dentro dos edifícios, nos corredores, e, pior um pouco, no interior das salas de aula, o ruído ou, na melhor das hipóteses, o burburinho de fundo é a tónica dominante na atmosfera escolar. Restam alguns nichos, onde o silêncio, propiciador de uma leitura concentrada e produtiva, reina – as bibliotecas (e mesmo muitas delas, têm-se vindo a transformar em locais de trabalho de grupo mais do que espaços íntimos e pessoais de pesquisa e leitura). Este clima institucional, reflexo mais uma vez do mundo circundante, denota também, neste domínio, o défice de cidadania. É em escolas onde a vertente de cidadania constitui preocupação constante da equipa docente e, em particular, de quem a dirige, porque inscrita como linha orientadora no seu projecto educativo e nas práticas quotidianas baseadas em metodologias fomentadoras da autonomia e responsabilidade, que se podem encontrar as excepções. Um desses raros exemplos foi-me dado presenciar na Escola da Ponte, em Vila das Aves, que o meu amigo José Pacheco pacientemente erigiu: uma escola de 1º ciclo onde o silêncio, o falar baixo, o tom moderado de voz nos constantes trabalhos em grupo, se impunham; mesmo após o fim das aulas, as tradicionais correrias na saída da escola, acompanhadas de um verbalismo esfuziante, ali não se verificavam. Isto quer dizer que não é assim tão utópico as escolas serem ‘oásis’ em muitas vertentes da sua vida organizacional (há quem prefira chamar-lhe “cultura de resistência”, os mais dados à ideologia, ao combate e à luta).

A mesma Agustina conta, numa outra entrevista, como ficou sem uma empregada doméstica quando esta identificou a sua potencial patroa: «Ai a senhora é a Dona Agustina! Pois fique a saber que para si não trabalho nem morta, porque fui obrigada a ler os seus livros na escola…» (DN, 15/07/00, p. 3, citado no editorial de Carlos Magno). Não se veja neste comportamento um mero caso pessoal, pois já o estudo realizado pelo Observatório das Actividades Culturais, em 1998-99 mas só publicado em 2001, chamava a atenção para o potencial efeito perverso na aquisição de práticas de leitura decorrentes da prescrição escolar da «leitura obrigatória». Para além da aversão e repulsa por essas obras literárias, quantas vezes dissecadas até à exaustão pelos “bisturis” estruturalista e didáctico, o Observatório alerta ainda para o risco que se corre de «diminuir drasticamente a disponibilidade dos jovens estudantes para outro tipo de referências literárias» (DN, 23/04/01, p. 39). Também aqui a diversidade cede ao cânone.

Vasco Graça Moura denunciava, de forma contundente (“Falhanços”, DN, 18/04/01, p. 9), o falhanço da escola no que respeita ao contacto com o livro e ao fomento da leitura: «continua a sair uma gente que já mal sabe falar a sua própria língua, a despreza manifestamente e não é capaz de pensar porque não a domina, uma gente que não conhece um só autor do passado, uma gente a quem não foi incutido o hábito da leitura, e muito menos o prazer da boa leitura, uma gente que nunca aprendeu para que é que serve um livro e quando muito sabe vagamente o que é uma fotocópia».

(continua)

Notas

1. Se era compreensível a importância do manual escolar em épocas de reduzida formação de docentes (por exemplo, aquando das regentes escolares), nos dias de hoje, em que o mestrado constitui a formação base de qualquer professor, já se torna difícil de entender (de acordo com critérios científico-pedagógicos) esta continuada dependência em relação ao manual.

2. No inquérito aos Hábitos de Leitura em Portugal (1997), os livros escolares surgiam em 2º lugar no género de livros mais lidos, com 17,3% (depois dos romances e a par com as enciclopédias/dicionários). Mas já quanto a «géneros de livros possuídos» os escolares (61,9%) e as enciclopédias/dicionários (56,8%) ultrapassam os próprios romances.

3. Só início do ano lectivo 2002-03, o ME decidiu limitar fortemente a acção no interior das escolas dos «promotores de livros escolares» (aparentados aos delegados de propaganda médica).

 

Referências 

CALVINO, Italo (1990) Seis Propostas para o Próximo Milénio (Lições Americanas). Lisboa: Teorema, 3ª edição, 1998.

GOODY, Jack (1986) A lógica da escrita e a organização da sociedade. Lisboa: Edições 70/ Perspectivas do Homem, nº 28, 1987.

LEMOS, Ester de (1959) Companheiros. Lisboa: Edições Ática, 2ª edição, 1962.

MIGUÉIS, José Rodrigues (1973) O Espelho Poliédrico. Lisboa: Estúdios Cor/ Obras de J.R.M., nº 5.

VALLEJO, Irene (2019) O Infinito num Junco. Lisboa: Bertrand Editora, 2020.

domingo, 31 de outubro de 2021

Animais híbridos, ou das mil e uma maneiras de não cozinhar bacalhau

Esta é uma história leve. Tão leve como ficam os pratos que inadvertidamente, por vezes, deixo sobre a pedra à altura de uma cadela.

Devem os leitores conhecer um livro de receitas que tem por título algo como as mil e uma maneiras de cozinhar bacalhau. Pois eu estou a preparar um intitulado as mil e uma maneiras de não cozinhar bacalhau.

Tenho uma cadela que é especialista em bacalhau. Não que tenha muitos conhecimentos técnicos, se não admitirmos a apreciação do sabor como um conhecimento técnico. Arranja sempre maneira de se aproximar do fiel amigo (esta expressão deve ter surgido por causa dela), e se tiver ocasião propícia, consegue ingerir vários lombos de uma assentada. Penso, até, que a receita de bacalhau espiritual poderia ter sido inspirada nela, porque ainda ontem quando ia desfiá-lo para misturar com os outros ingredientes, estava a tal ponto reduzido após uma sua passagem de reconhecimento pela cozinha, que o que ficara no prato só mesmo com visão remota seria possível ver o bacalhau, praticamente despojado de matéria, translúcido, como na visão dos clarividentes.

Como o leitor já percebeu não é bem uma cadela, é um exercício espiritual, um guru do despojamento (nosso), uma plataforma para o completo vegetarianismo, do qual já estivemos mais longe, um método de aprendermos a dispensar alimento sólido, como os yoguis que vivem do prana, ou do sol.

Mas nem com estes assaltos à cozinha consegue tirar-me do sério. Porque vejo nela e nos seus irmãos residentes: caninos, felinos e tartarugas, uma qualidade de amor urgente que encontro especialmente em alguns animais na rua acompanhados de pessoas visivelmente infelizes, das mais variadas formas, pelas mais variadas razões. Neles reconheço mansidão, entrega, silencioso afecto, sacrifício até ao limite. Já tem acontecido, quando o sol incide de particular forma sobre estes animais, principalmente nos cães, elevar-se do pêlo uma espécie de penugem que se assemelha, perturbadoramente, a asas.


Risoleta C Pinto Pedro

 

sábado, 30 de outubro de 2021

DAQUI até JÁ

Novo Livro, Novembro/2021. Clique em cima da imagem para ampliar e ver pormenores.



sexta-feira, 21 de maio de 2021

PENSAR COM AGOSTINHO DA SILVA


Conferência no 35º aniversário do Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros, em 9 de maio de 2021. 

(Ver Conferência no Zoom aqui:  https://www.facebook.com/CACAV.AlhosVedros/videos/944267693003703/ )

Luís Santos

O título desta comunicação “Pensar com Agostinho da Silva” deve-se à colaboração que temos vindo a manter em página do “Facebook” com o mesmo nome e que tem administração de Paulo Borges. Aproveitando algumas dessas recentes publicações, partilharemos aqui convosco três ideias particularmente interessantes de Agostinho: a primeira, sobre “uma nova teoria do nascer”; a segunda, um poema para não se morrer; a terceira, uma carta sobre a “missão de Portugal”. 

Assim, em primeiro lugar, digamos, antes de mais, que essa “nova teoria do nascer” foi publicada em livro intitulado “Caderno de Lembranças”, a partir de um manuscrito do Professor Agostinho, datado de 1986, livro que foi organizado por Amon Pinho Davi e Romana Valente Pinho. E já que estamos a comemorar aniversário, refira-se que foi, justamente, nesse mesmo ano que o Círculo de Animação Cultural de Alhos Vedros nasceu. 

Em síntese, nessa tal “teoria do nascer”, Agostinho da Silva, sobre o seu próprio nascimento, diz assim:

 1) "Lá por 1905, (e chama-se à atenção que Agostinho nasceu a 13 de fevereiro de 1906) mas nada há mais difícil do que relacionar tempo e eternidade, ou fixar-se simultâneo nos dois planos (…), comecei a tomar atenção no belo globo que rolava diante de nós, e a tentar descobrir lugar aonde me agradasse descer para principiar minha vida. A meu lado, outros faziam o mesmo, e até discutíamos os méritos de um e outro ponto, mas sem voz, tanto quanto me lembro, porque o nascer tira muito a memória como, depois, o vim a reconhecer, concluiu Platão (…) Quando, voluntária ou involuntariamente, quem o sabe, gostei de, a cada volta do globo, ver surgir de novo nossa península ibérica, deu-se o que se veio a chamar zoom: (…) Fixava-me, de facto, no que aprendi a chamar Portugal." (Agostinho da Silva, Caderno de Lembranças, Zéfiro, pp.15-16)

Eis, então, essa pergunta mágica tão significativa e indissociável da vida de todos, mas que tão pouco entra nas agendas políticas. Esse lugar, ou dimensão, donde se vem para nascer, onde tempo e eternidade se interligam e que, afinal, nos permitem perguntar o que é o presente, o que é o futuro. Entre-tanto, enquanto o globo terrestre diante de si girava, em conversa sem palavras com Platão, entre outros, Agostinho decidiu que o sítio que mais lhe convinha para nascer, aprendeu depois, chamava-se Portugal. E aqui, sem que nós saibamos se será mais correto dizer nascer ou renascer, pois que o nascer tira muito memória. Citando o Professor, “Nascer não é uma fatalidade, mas uma escolha pré-consciente, daquela consciência que se perde quando se voa do céu para a Terra, como dizia Platão.” (Agostinho da Silva, Vida Conversável, Assírio e Alvim, p.14) 2) 

Em segundo lugar, gostaríamos de chamar a vossa atenção para “um poema ressurecto” do Professor, composto por três quadras, sem título, do seu livro “uns poemas de agostinho”. Ora vejamos:

Se eu chegar a ser dum Outro 
mas de mim não me perdendo 
e esse Outro todos os outros 
que comigo estão vivendo 

não só homens mas também 
os animais e as plantas 
e os minerais ou os ares 
e as estrelas tais e tantas 

terei decerto cumprido 
meu destino e com que sorte 
para gozar de uma vida 
já ressurecta da morte

(Agostinho da Silva, uns poemas de agostinho, Ulmeiro, p.107) 

Sintetizando, diz Agostinho que “se chegar a ser dum Outro”, um “Outro” que aparece grafado com letra maiúscula e que integra tudo o que existe –homens, animais, plantas, minerais e estrelas, tais e tantas, conseguirá aceder a uma libertação plena. Então, com alguma legitimidade poderá perguntar-se quem é esse “Outro”, e se Agostinho terá conseguido lá chegar? Se acedermos positivamente às respostas, certamente que ganharemos aí uma extraordinária fonte de inspiração para o caminho. 3)

 Para terminar, partilho convosco uma Carta de um conjunto de doze que Agostinho da Silva enviou para um grupo de amigos com quem estava em contacto, entre eles, a Cooperativa de Animação Cultural de Alhos Vedros, como então se designava, cartas essas que, de resto, foram aqui publicadas com o título de “As Últimas Cartas do Agostinho”. 

 Desse conjunto de Cartas, a primeira foi enviada no mês de dezembro de 1992 e a última em setembro de 1993, o que significa dizer que estas cartas foram escritas, praticamente, ao longo do último ano da vida do Professor, pois que em meados de outubro, mês seguinte ao da última destas cartas, um súbito problema de saúde haveria de o guindar ao seu desaparecimento físico que, como sabemos, ocorreu no dia 3 de abril de 1994, num triste mas revelador Domingo de Páscoa. 

E é, justamente, a primeira dessas cartas que aqui partilho: 

“Resumo da ideologia do Povo Português nos séculos XIII e XIV, transmitida ao Brasil por seus adeptos que ali se foram acolher, passada ao futuro e, por ele, à criativa Eternidade para os que emigrem para o mais íntimo de si próprios e aí se firmem para sempre. 

Missão de Portugal: Sacralizar o Universo, tornando Divina a Vida e Deus real. 

Meios: Desenvolvimento dos Povos pela inteira aplicação da Ciência e da Técnica, inclusive nos sectores da Economia, da Política, da Administração Pública e da Filosofia. Conversão da pessoa à adoração da Vida. 

Características do que houver no Sagrado: Criança como a melhor manifestação da poesia pura e como inspiradora e suporte, e incitadora a ser criança de todos os que existam. O gratuito da vida. A plena liberdade de todo o ser.” 

(Luís Santos (org.), As Últimas Cartas do Agostinho, Cooperativa de Animação Cultural de Alhos Vedros, p.1)

Certamente que, quando Agostinho da Silva se refere aos séculos XIII e XIV está a pensar, desde logo, no reinado de D. Dinis e de Isabel de Aragão, um período áureo da História de Portugal cujas raízes se estendem, de alguma forma, até à atualidade. “Ora vejam só, um rei poeta e uma rainha santa”, dizia o Professor. 

D. Dinis, o plantador das naus a haver, como diz Fernando Pessoa na “Mensagem”. Na história de Portugal diz-se dele que foi o fundador da marinha, da primeira Universidade com o seu “Estudo Geral”, de quem protegeu os Templários e criou a Ordem de Cristo e que, entre outras medidas de significativa importância para a afirmação do jovem país, desenha definitivamente as suas fronteiras e institui a Língua Portuguesa que é hoje a quarta língua mais falada do mundo. Por fim, é também durante o seu reinado que, por ação da Rainha Isabel, se iniciam as festas do culto popular do Espírito Santo e que, embora não tenhamos tempo para desenvolver aqui, são para Agostinho da Silva um dos acontecimentos matriciais a partir do qual se desenvolvem os poemas da “Ilha dos Amores”, de Camões, ou das propostas de “Quinto Império” do Padre António Vieira e de Fernando Pessoa. De resto, tem sido tal a longevidade do referido culto que setecentos anos depois, ainda se comemora na atualidade em muitíssimos lugares da Língua Portuguesa, como acontece nos Açores, no Brasil, nalgumas comunidades de emigrantes dos EUA, mas também em Portugal continental como são, por exemplo, os casos de Setúbal e Alenquer, com Festa marcada este ano já no próximo dia 23 de maio.

 Bem hajam. 

Luís Santos 
Professor Adjunto Departamento de Ciências Sociais e Pedagogia 
Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal

Referências Bibliográficas 

SANTOS, Luís, Agostinho da Silva: Filosofia e Espiritualidade, Educação e Pedagogia, Euedito, 2015

 SILVA, Agostinho da, Caderno de Lembranças, Zéfiro, 2006 (fixação do texto e notas de Amon Pinho Davi e Romana Valente Pinho) 

Idem, Vida Conversável, Assírio e Alvim, 1994 (organização de Henryk Siewierski) 

Idem, uns poemas de agostinho, Ulmeiro, 1990, 2ª edição