segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Literatura: o pão nosso de cada dia (XVII)

 Luís Souta (texto e fotos)


LITERATURA COMO FONTE DE MÚLTIPLOS CORPUS TEMÁTICOS

«desconfiança com que é encarada toda a narrativa
que pretenda ser mais qualquer coisa que divertimento.»
(The Art of Fiction, Henry James, 1888)

A partir da literatura, nos seus diversos géneros, vários corpus temáticos se têm constituído. Os textos literários tornaram-se fontes atractivas para neles encontrar os objectos de estudo que mobilizam o interesse de cada um. Ainda que normalmente esses projectos prossigam fins editoriais e antológicos não deixa de os haver também com propósitos de investigação académica. As temáticas são as mais díspares. No caso português, podemos ilustrar com alguns exemplos, tendo em conta principalmente a edição em livro (e sem pretensões de exaustividade). Assim, nos romances, novelas, contos, poesia e peças de teatro têm-se indagado referências várias:

Júlio Conrado 06/06/2001

(i) a localidades: vila da Ericeira (de Sebastião de Sousa Diniz, 1997, com 30 excertos de 19 escritores), vila de Cascais (de Júlio Conrado, 1995, com 26 autores seleccionados, a que acrescentou mais 7 na 2ª edição); lugares alentejanos (com 17 escritores antologiados, 2009); (ii) ao desporto: Manuel Sérgio e Noronha Feio (1979) haviam publicado uma antologia de textos desportivos em torno do, por eles denominado, homo ludicus; José do Carmo Francisco (1989), a partir apenas da poesia, de 71 autores, organiza-a de acordo com as modalidades desportivas; o desporto e as letras de autores vários (1975); (iii) ao povo: antologia do pedagogo João de Barros (s/d) com textos de 36 autores dos séculos XV a XIX; (iv) às mulheres: Luís Souta (1989) colectânea de extractos de contos e romances portugueses de 25 autores dos séculos XIX e XX (para além dos 648 provérbios e ditados populares); (v) à guerra: Rui de Azevedo Teixeira tem-se afirmado com uma obra importante em torno deste tema, ainda que privilegiando a Guerra Colonial, de que foi o organizador do I e II Congressos Internacionais. Na sua tese de doutoramento (1998), aborda a guerra tendo por base oito romances. Posteriormente, no ensaio de 2001, assinala duas tendências – a «pró-imperial» e a «torcida leitura ficcional» – na «transfiguração literária deste real histórico». Também Jacinto Prado Coelho (1983) tem uma entrada, no seu Dicionário de Literatura, sobre a guerra como tema literário; (vi) ao toureio: Urbano Tavares Rodrigues (1966) organizou uma antologia com 43 textos de 32 autores, seguindo uma mera apresentação por ordem cronológica; (vii) à morte: Urbano Tavares Rodrigues publicou, em 1957, um ensaio sobre a morte na poesia portuguesa; Rui Feijó, Hermínio Martins e João Pina Cabral (1985) procuraram uma abordagem multidisciplinar ao tema a partir de perspectivas sociológicas, históricas e literárias, embora apareça um só texto sobre literatura (“Morte e imaginação no Eurico de Alexandre Herculano” de T. F. Earle, pp. 47-63); (viii) aos ciganos: Luís Souta & Elisa Costa (2000) levaram a cabo um projecto de investigação, financiado pela FCT, e intitulado «Caminhos dos Ciganos na Literatura Portuguesa»(1), em que pesquisaram, seleccionaram e organizaram textos literários de escritores nacionais, desde o século XVI até aos nossos dias, com referências a essa ancestral minoria étnica existente no nosso país (o corpus reuniu cerca de 170 obras de 115 escritores); (ix) outros temas, como a saudade na poesia portuguesa de Urbano Tavares Rodrigues (1967), jazz e literatura (internacional e nacional) de Miguel Martins (1998)…

Literatura como fonte de corpus sobre Educação

No campo da Educação, é de realçar o sentido precursor de Matilde Rosa Araújo em organizações antológicas centradas na criança e onde os textos sobre o mundo escolar ocupam lugar de relevo. No seu livro As Crianças Todas as Crianças (1979), uma antologia de autores portugueses, inclui um capítulo intitulado «Escola que a vida não sabe» (pp. 85-116) com treze textos. Mais tarde, em 1986, publica nova antologia – A Infância Lembrada – que inclui 9 textos sobre a escola, da autoria de Antero de Quental, Antunes da Silva, Aquilino Ribeiro, João dos Santos, José Rodrigues Miguéis, Natália Nunes, Romeu Correia e Trindade Coelho.

Matilde Rosa Araújo 16/05/2002

Os Serviços de Educação da FCG editam A Escola na Literatura, uma antologia de 40 textos de autores portugueses, datada de 1997 mas lançada publicamente por altura da “Semana daEducação”(2), em meados de Janeiro de 1998, promovida pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio, que redigiu o prefácio do livro.

Outras iniciativas se fizeram, de forma mais esporádica e pontual, com carácter menos ambicioso e menos sistematizado. Refiro-me, concretamente, a duas promovidas por periódicos educativos, um sediado em Lisboa e outro Porto – a revista O Professor e o jornal Correio Pedagógico. A primeira, manteve uma secção intitulada «Nos bancos da escola», aproximadamente entre Setembro de 1984 e Maio de 1985, onde se divulgavam textos de conhecidos autores portugueses. E solicitava-se a colaboração activa dos leitores com o envio de originais. Mas o acolhimento não foi o esperado: «não obtivemos (…) grande número de participações», acabariam por reconhecer os responsáveis pela revista. Por sua vez, o Correio Pedagógico, foi publicando, mas com alguma irregularidade, desde o nº 54, Julho de 1991, até à data da sua extinção, na secção «Memórias da escola», extractos de livros de escritores nacionais(3).

Num outro tipo de registo, se enquadra o trabalho de duas investigadoras bem conhecidas. Filomena Mónica (1978), ao longo do texto que resulta da sua tese de doutoramento – Educação e Sociedade no Portugal de Salazar: a Escola Primária Salazarista 1926-1939 –, cita 23 obras portuguesas de ficção literária, apresentando pequenos extractos de algumas delas. Numa outra dissertação (mestrado), As Fadas não foram à Escola, Maria Augusta Seabra Diniz (1994) segue processo muito semelhante. Ambas, não ousaram ir além da citação ilustrativa, não fazendo desse mesmo conteúdo textual objecto de análise.

Notas

1. Luís Souta & Elisa Costa, Caminhos Ciganos na Literatura Portuguesa. Relatório final, FCT, Novembro de 2000 (policopiado).

2. Um dos organizadores da antologia era assessor da Presidência da República para a área da Educação.

3. Eu próprio colaborei nesta rubrica com excertos de José Gomes Ferreira, Coleccionador de Absurdos e Cristóvão de Aguiar, Ciclone de Setembro, e que viriam a ser publicados no nº 76, Junho/Julho 1993, p. 6.

Referências

AA.VV. (1975) O Desporto e as Letras. Lisboa: MEC-DGD/ Cultura e Desporto, nº 23.

AA.VV. (2009) Lugares Alentejanos na Literatura Portuguesa. Mora: Estação Imagem.

ARAÚJO, Matilde Rosa (1979) As Crianças Todas as Crianças. Lisboa: Livros Horizonte.

ARAÚJO, Matilde Rosa (1986) A Infância Lembrada. Lisboa: Livros Horizonte.

BARROS, João de (org.) (s/d) O Povo na Literatura Portuguesa. Lisboa: Guimarães & Cª Editores.

CONRADO, Júlio (1995) Lugares de Cascais na Literatura. Hugin, 2ª edição, 2001.

DINIZ, Mª Augusta Seabra (1994) As Fadas não foram à Escola: a literatura de expressão oral em manuais escolares do ensino primário (1901-1975). Porto: Edições Asa/ Perspectivas Actuais – Educação.

FEIJÓ, Rui; MARTINS, Hermínio e CABRAL, João Pina (1985) A morte no Portugal Contemporâneo: aproximações sociológicas, literárias e históricas. Lisboa: Querco/ Conhecer Portugal, nº 4.

FRANCISCO, José do Carmo (org.) (1989) O Desporto na Poesia Portuguesa. Lisboa: Sindicato dos Bancários

do Sul e Ilhas.

MARTINS, Miguel (1998) Jazz e Literatura. Porto: Campo das Letras/ Campo da Música, nº 4.

MÓNICA, Mª Filomena (1978) Educação e Sociedade no Portugal de Salazar: a Escola Primária Salazarista 1926-1939. Lisboa: Editorial Presença/ Análise Social, nº 5.

NÓVOA, António e RAMOS DO Ó, Jorge (orgs.) (1998) A Escola na Literatura. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Serviços de Educação/ Textos de Educação.

RODRIGUES, Urbano Tavares (org.) (1957) O Tema da Morte na Moderna Poesia. Lisboa: [s.n.] Sep. Graal, nº4.

RODRIGUES, Urbano Tavares (org.) (1966) O Mundo do Toureio na Literatura de Língua Portuguesa. Lisboa: Portugália Editora/ Antologias Universais – Vária II.

RODRIGUES, Urbano Tavares (org.) (1967) A Saudade na Poesia Portuguesa. Lisboa: Portugália Editora/Antologias Universais.

SÉRGIO, Manuel e FEIO, José Maria Noronha (org.) (1979) Homo Ludicus: Antologia de Textos Desportivos da Cultura Portuguesa. Lisboa: Compendium/ Educação Física e Desporto, 2 vols.

SOUTA, Luís (org.) (1989) A Mulher nas Bocas do Povo e na Pena dos Escritores. Setúbal: ESE de Setúbal – CEE.

TEIXEIRA, Rui Azevedo (1998) A Guerra Colonial e o Romance Português. Lisboa: Editorial Notícias.

quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Oliveira Bimilenar

Luís Santos

Com mais de 2 mil anos de vida, segundo datação arqueológica assinada, e catalogada como o ser vivo mais antigo de Portugal,

se conseguirem, já que a fotografia não é muito favorável, poderão ver um tronco de largo perímetro, onde dá para entrar dentro, sentar e, quiçá, meditar envolto em aura muito resistente a temporal desgaste,

e, sem esperar, numa visita habitual que se vai repetindo, lá estava ela anunciando-se em super amistosa e doce misteriosofia, sagrada natureza, onde por companheira tem uma oculta alfarrobeira que também faz por chamar a atenção.