segunda-feira, 30 de setembro de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (48)

O Emigrante, Malhoa, 1918
Óleo sobre Tela, 57x49 cm


Com uma lágrima na partida
E com duas ao regressar
Se assim tu me quiseres
Prometo nunca mais chorar.

António Tapadinhas

domingo, 29 de setembro de 2013




 
 

CONTRA O AVANÇO DO DESERTO

 

Das sombras conseguir elevar-se

Dos medos conseguir emergir

Ao querer fazê-lo ousar-se

Para fazer o que falta e construir.

                                                                                                    
 
 
                                                                                                              Manuel João Croca
 
 
 


Pintura: Luís da Silva Delgado (óleo sobre tela)

sábado, 28 de setembro de 2013

ESTUDO DO RIO E DO CÉU E DAS OUTRAS COISAS GERAIS QUE ENTRE ELES SE ENCONTRAM



IV

Os começos e os fins ou nem por isso
“(...)
A ideia de dia conseguido é, por conseguinte, para ti e por agora, válida enquanto quarto poder, após as ideias de instante conseguido, de vida eterna ou vida única conseguidas? E há algo que te impele a atribuir ao dia conseguido um perfume que não se evapore mas que, independentemente do que possa acontecer amanhã, permanece sob esta ou aquela forma? E é outra vez o momento de perguntar: Como é que imaginas em pormenor um tal dia?
(...)”
 HANDKE, Peter. Ensaio sobre o dia conseguido

Comecemos pelos princípios. E estes podem estar no fim. Tal como os últimos são os primeiros. Diz-se. Vale o que vale. Também se repete. Avancemos. Ou recuemos. Até aos fins. Aos princípios. Há um livro extraordinário do Peter Handke que se chama Ensaio sobre o dia conseguido. Peter Handke é também o autor dos diálogos do filme Asas do Desejo. Eu adoro este autor, este filme e adoro este livro, Ensaio sobre o dia conseguido. Para além de que é um tema que toca a todos. Quem não teve já repetidamente a sensação de ter falhado completamente o dia? De o seu dia ter sido uma sucessão de fracassos, fraquezas e falhas irreparáveis cuja única solução só poderia ser o suicídio? E de onde vem esse desespero, essa crença no irremediável? Vem de outra crença de que o dia começa quando nos levantamos e termina quando nos deitamos. Ora tal não tem de ser assim. Eu posso
Re
começar
o parágrafo é propositado, senhores puristas J
o meu dia a qualquer momento, as vezes que eu quiser. Não gostei disto que fiz, disto que me aconteceu? Muito bem, faço de conta que foi um sonho,
na verdade foi um sonho,
começo agora o dia. As vezes que forem precisas. Posso ter de recomeçar muitas vezes, mas depois os recomeços tornam-se mais espaçados.
- Oh! Que pena! É tão divertido recomeçar!
Então, recomecemos. Também este é um bom pretexto para começar o dia muitas vezes. Assim se multiplica um dia em muitos dias, assim se transforma o tempo em eternidade, assim me transformo realmente em criadora dos meus dias.
E os fins? Que têm a ver com os princípios?
Por causa dos meios.
Conto-vos uma história real. Verdadeiramente Real, passe a aparente redundância.
Aqui há tempos
existe um vídeo na internet…
 numa corrida de atletismo, um dos atletas estava quase a cortar a meta, mas ia, creio, em segundo lugar. Quando, o que ia à frente dele, caiu.
É aqui que se coloca a questão da meta. Onde fica a meta, para este homem quase a cortar a meta, não fosse o seu colega caído? Para ele foi claro que a meta era ali. Parou, socorreu. Os fins, por muito sonhados, desejados e até justos, podem não justificar os meios. Antes, ao lado, ou depois de uma meta visível existem várias metas que apenas cada um consegue ver. Chegar à meta, custe o que custar, contra tudo e contra todos, pode ser uma forma de a perder. Mesmo que os louros dos homens nos coroem, mesmo que ninguém se aperceba. Mas renunciar à meta em favor de uma meta maior que só eu vejo é ser coroado pelos deuses. Com um louro invisível mas indelevelmente perfumado como aqueles dispensadores de aromas que de vez em quando libertam um perfume de felicidade.
É muito importante saber reconhecer onde está nossa meta. Mesmo que todos nos apontem para um único ou diversificados lugares, só nós poderemos encontrá-la, porque ela apenas se mostra aos olhos de cada um. Para os que queiram ver.


Risoleta Pinto Pedro


sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Livros d'África




                        INÁCIO REBELO DE ANDRADE  

Nasceu no Huambo, Angola, em 1935. Em 1950 parte para Portugal para terminar o Curso de Regentes Agrícolas, em Santarém. Regressa a Angola em 1956 para trabalhar na Junta de Exportação de Cereais e posteriormente no Instituto de Investigação Agronómica da Chianga, Huambo. Retoma os estudos em 1965 e licencia-se em Agronomia iniciando a carreira docente na Universidade de Luanda. Viria a doutorar-se em Engenharia Agronómica, já em Lisboa, prosseguindo a carreira na Universidade de Évora onde atinge o topo da carreira como Presidente do Conselho Científico da Universidade a partir de 1993.
Com Ernesto Lara Filho, irmão da poetisa Alda Lara, fundou no Huambo a “Colecção Bailundo”, no rasto e à imagem do que faziam já Leonel Cosme e Garibaldino de Andrade com a “Colecção Imbondeiro”, no Lubango.
Da sua amizade com o cronista e poeta Ernesto Lara Filho nasceu uma das mais belas obras que tenho lido sobre a saudade: “SAUDADES DO HUAMBO”, publicado pela Pendor em 1994.
“Dói mexer no passado. Mas dói não apenas por se sentir saudades e guardar lembranças (umas boas, outras más), mas sobretudo por se não estar realmente lá, por se não se poderem aproveitar as oportunidades perdidas, por se não ter já a ingenuidade de acreditar no que não haveria de vir.

A obra é um relato emotivo sobre as peripécias e dificuldades (financeiras e políticas) dos primeiros lançamentos das obras de autores como Alda Lara, o próprio Ernesto Lara Filho ou o poeta cabo-verdiano Onésimo da Silveira. Mas é sobretudo sobre a personalidade de Ernesto Lara Filho, cujo génio rimava com boémio, simbiose que o transformou no maior cronista angolano de sempre, é em nome de uma profunda e recíproca amizade que o Autor se debruça.
No final, para além da pungente saudade expressa em todo o livro, fica, talvez, o mais belo epitáfio que a um amigo se pode dedicar:
“Como gostava de poder contar com pormenor como o meu Amigo passou os últimos anos da sua existência, como vibrou com a independência da sua Pátria, que sentimentos de exaltação (ou, se calhar, de desilusão) experimentou no seu coração, que madrugadas de esperanças esperou ver surgir um dia. Como gostava de poder contar tudo isso! Mas não posso, porque eu não estive lá, porque quis mesmo não estar lá, porque não voltei para tirar tudo a limpo…
Soube por alguém que o fim chegou numa noite de 1977, na Avenida da Granja, em Nova Lisboa: não quando o catuítuí cantava nas pitangueiras, nas mangueiras ou nas papaeiras, mas quando a má sina o vitimou, lhe cortou o bico e lhe quebrou as asas. Foi então que a ave ferida deixou de voar e se enrolou a “morrer de dor”.
No seu enterro não tocou o N’Gola Ritmos; o seu caixão não foi levado no maximbombo da linha do Cemitério; ninguém tocou a Cidralha nem convidou a Marcha dos Invejados; ninguém declamou versos até enrouquecer – e tudo isso talvez porque a guerra rondava perto e a morte de um poeta era igual a tantas outras…”

E não há maneira de não me comover quando releio isto, porque o poeta “deixou de voar”…

Catuituí – pequena ave canora
N’Gola Ritmos – grupo musical angolano em voga nos anos 50/60
Machimbombo – autocarro
Cidralha – canção carnavalesca
Marcha dos Invejados – grupo carnavalesco de Luanda


Tomás Lima Coelho


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

FRUTEIRA COM GARRAFA E CADEIRA
 


LUÍS DELGADO

Óleo sobre Tela, 50 x 61
 

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

POEMA DA SEMANA


VAIDADE

É um simplicíssimo poema que versa sobre um comportamento humano
que infelizmente ainda se faz notar nas nossas sociedades.

Veja-o aqui neste link:
http://www.euclidescavaco.com/Poemas_Ilustrados/Vaidade/index.htm

Euclides Cavaco
cavaco@sympatico.ca

Venha tomar comigo um cálice de poesia.
Entre por aqui na minha sala de visitas e saboreie da que mais gostar...
www.euclidescavaco.com


terça-feira, 24 de setembro de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Estamos a viver os dias de graça deste novo poder, como se estivéssemos a assistir a uma lua-de-mel entre os portugueses e a vivência em democracia. Como é bom de ver, o povo, esse, continua alegre e sorridente e pela primeira vez na minha vida, coisa impensável há um mês atrás, vejo o lugar que o futebol sempre ocupou à mesa do café ser substituído pelos temas mais improváveis do que tem a ver com a organização da vida em sociedade. É incrível mas é verdade, neste últimos dias, quando entro no café ou no bar da associação, o que vejo e ouço são as pessoas a discutirem ideias sobre tudo e mais alguma coisa e da mesma maneira que antes era vulgar qualquer homem ter opinião sobre os lances, os golos, o desenrolar e o desfecho de um jogo da bola, todos têm agora a sua própria leitura e as mais variadas propostas a respeito dos mais intrincados problemas que afectam o país. Por sua vez, a política estatelou-se pelas praças e açambarcou o centro de todas as atenções. É certo e sabido que há nuvens negras no nosso horizonte e nas montanhas que teremos que escalar e vencer adivinham-se longos e espinhosos caminhos que deveremos ultrapassar para nos desenvencilharmos dos piores obstáculos a uma vida livre e começarmos a consolidar os alicerces da democracia, mas até isso conflui para que eu ache tudo isto um espectáculo maravilhoso e tenho a certeza de como os meus queridos pais se alegrariam com a oportunidade de assistirem a tamanha ventura. Os partidos políticos começam a organizar-se, uns surgindo da noite da clandestinidade, outros recentemente fundados nas possibilidades que esta abertura deu aos cidadãos e os militares, de acordo com o previsto, através da Junta de Salvação Nacional, decidiram entregar a chefia do governo a um civil, o Professor Adelino da Palma Carlos, conhecida figura das lutas da oposição ao salazarismo que, na qualidade de Primeiro-Ministro, constituiu uma equipa que reúne representantes dos vários quadrantes e sensibilidades que, pelo menos por enquanto, manifestaram maior expressão e visibilidade no panorama nacional e dentro de dias tomará posse para dar início à estabilidade governativa que garantirá a consolidação da legalidade e, com ela, do novo regime que se pretende democrático. A ser cumprido o programa do Movimento das Forças Armadas, dentro de alguns meses teremos eleições livres para uma assembleia que irá elaborar e aprovar uma nova constituição, a partir da qual os portugueses passarão a escolher aqueles que querem ter por governantes e, dessa forma, a viverem aquilo que poderemos designar pela normalidade de um regime democrático. Para já, toda a gente sabe o que é pior ou melhor para Portugal e não há cão nem gato que não esteja seguro que um certo nome seja preferível numa determinada pasta. A dar ouvidos às vozes que se vão fazendo escutar e avaliando apenas pela pequena amostra que decorre do quotidiano das minhas relações, os problemas são mais que muitos, às vezes até parece que está tudo por fazer o que também não é bem assim e vão desde aqueles que se queixam porque a electricidade ainda não chegou às suas ruas e casas ou que lhes faltam os esgotos devidos e apropriados a uma habitação saudável, até às lonjuras de escolas para os mais novinhos e a miséria de salários que só o rol dos merceeiros impede muitas e muitas famílias de terminarem o mês sem comida no prato. E tudo leva a crer que todos se sentem como que na obrigação de dizer qualquer coisa e tantas são as opiniões que quase se poderia afirmar ser esta uma daquelas situações em que temos tantas sentenças quantas as cabeças. Felizmente, aqui, nesta nossa comunidade que já conta perto de duas centenas de habitantes pois, enquanto povoado, já não podemos contabilizar apenas os núcleos familiares dos membros da cooperativa, seja como for, ainda bem que aqui no Vale da Esperança, todos os adultos são alfabetizados e, na sua larguíssima maioria, por via do trabalho que tanto a escola como a associação cultural desenvolveram, quer em conjunto e coordenadamente, quer cada uma por si, devido a isso temos homens e mulheres que não só sabem ler e escrever, como igualmente estão capacitados para lerem e compreenderem os textos mais diversos. Talvez por isso a consciência do que importa aprender seja mais aguçada e não espanta que tenham surgido pedidos e sugestões para que através da associação se organizem cursos de iniciação à política para quem queira conhecer mais de perto essas matérias, coisa que a comissão cultural começou já a tratar e que na direcção da nossa escola, por simpatia, gerou a ideia de, no próximo ano lectivo, transformar a disciplina de organização política e administrativa da nação, dos cursos complementares, num verdadeiro curriculum de introdução aos conhecimentos e teorias políticas, bem como do funcionamento e características dos diversos tipos de regimes políticos e sociais. É a gestação da vida democrática e, tal como em todos os períodos em que a gravidez é desejada, é um real encanto de se ver. Mas como é de se esperar em cada parto, é natural que venha a dar dores que só não sabemos quão fortes poderão ser. Há pois um vulcão que se alimenta desta sede de expor e participar, há toda uma caldeira que vai inchando e pressionando a chaminé e certamente explodirá e dessa corrente de lava sairá muito do que poderá vir a influenciar os contornos de um amanhã que, pessoalmente, é o meu mais profundo desejo, espero venha a ser o mais justo possível, o mesmo é dizer, onde os filhos dos mais pobres, pelo mérito do seu esforço de aprendizagem e empreendimento, possam aspirar a algo mais que a repetição da pobreza que tiveram nas casas em que foram criados.

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (47)

           Jardim com Girassóis, Gustav Klimt,1906

                      Óleo sobre tela, 110 × 110 cm


Tenho umas flores no meu jardim, das quais não sei o nome, que se abrem logo que o sol desaparece. Ao observá-las, cheguei à conclusão que elas abrem as pétalas para recolher a humidade da noite, e a guardam ciosamente, em pequenas gotas de vida, protegidas dos raios solares, durante o dia. Fazem o contrário do girassol que volta o pescoço olhando sempre o sol de frente!

 


Concluo: Cada um tem a sua fórmula para chegar ao Criador...

domingo, 22 de setembro de 2013


 
 



Pintura de Luís Delgado (óleo sobre tela)



PELO SONHO QUE FICOU, VOU.

No sonho tinha tudo do que precisava. Tudo tão deslumbrante e intenso que acordado o sonhado ainda lembrava. Não lembrava de tudo mas tudo o que precisava estaria lá já que o estado de felicidade era total.

Havia uma fogueira e tinha uma roda de gente que cantava e dançava. O riso brincava nos rostos e os olhares encontravam-se. Iluminavam-se em milagres de luz de espelhos frente a espelhos. No sonho, o projectado misturava-se com o vivenciado. O sonho tornava-se real e o real tornava-se sonho.

Foi assim que se entoou em coro a ária popular que escutara no Alvito e que, por sobre o dedilhar das violas campaniças, cantava assim.

 

“Venho da ilha dos vidros

da praia dos diamantes

ando no mundo perdido

pelos teus olhos brilhantes

pelos teus olhos brilhantes

pelo teu rosto de prata

ter amores não me custa

deixá-los é que me mata.

 

Quero cantar ser alegre

que a tristeza nada tem

ainda não vi a tristeza

dar de comer a ninguém.

 

O sol é que alegra o dia

pela manhã quando nasce

ai de nós o que seria

se o sol um dia faltasse.

 

Venho da ilha dos vidros

da praia dos diamantes

ando no mundo perdido

pelos teus olhos brilhantes

pelos teus olhos brilhantes

pelo teu rosto de prata

ter amores não me custa

deixá-los é que me mata.“(*)

 

(*) – do cancioneiro popular.

 

Não havia medos. Isso sentia-se. Nos olhares serenos, nos gestos confiantes. E a paisagem,… Deus meu. Havia planícies que se elevavam até formarem montanhas, que a seguir desciam para sombras frescas de vales. Ouviam-se sons de água correndo. E por todos esses caminhos pessoas caminhavam. Em grupo ou sozinhas. Havia muita cor. Havia paz, harmonia e de toda essa (i) realidade os propósitos nasciam.

Não sei, ou não consigo contar, tudo o que ali havia, o que sei e pretendo partilhar é que nada está perdido e, acredito, caminhamos, mesmo se através da noite, para ver nascer esse dia.


Manuel João Croca

 
Foto: Edgar Cantante

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Agostinho da Silva no Brasil


Agostinho da Silva passou 25 anos no Brasil num auto exílio forçado pelo governo de Salazar. Foi para o Brasil em 1944 com 38 anos de idade. Ali ganhou dupla nacionalidade, ali construiu parte da imensa obra que nos legou.

Agostinho foi Professor em várias Faculdades do Brasil, de norte a sul do país  (Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraíba, Bahia, Brasília...), participou na fundação de várias Universidades (Universidade da Paraíba, de Santa Catarina e de Brasília) e criou alguns Centros de Estudos (Centro de Estudos Afro Orientais, na Universidade Federal da Bahia, o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, na Universidade de Brasília, e o Centro de Estudos Brasileiros, na Universidade de Goiás...); e foi até assessor do Presidente da República do Brasil Jânio Quadros, na altura em que estava na Bahia.

Em livro de António Risério, intitulado “Avant Garde na Bahia”, uma tese de Mestrado em Sociologia que fala da intensa dinâmica cultural que se viveu ao redor da Universidade Federal da Bahia na transição da década de 50 para a década de 60 do século passado, justamente no período em que Agostinho esteve nesta Universidade, onde muito se fala do reconhecido magnífico Reitor Edgard Santos, como uma pessoa de vistas largas que soube juntar um grupo de intelectuais que transformaram de forma radical o panorama educativo e cultural da Bahia e do Brasil. Agostinho da Silva ali esteve, com outros, no fervilhar desse caldeirão cultural que acabariam por dar lugar, por exemplo, ao Tropicalismo (de Caetano Veloso, Gilberto Gil...), ao Cinema Novo (Glauber Rocha), mas como também a uma imensa criação artística em várias área como a arquitetura, a antropologia, o teatro, a música, a fotografia...

Neste livro, há um interessante depoimento de Caetano Veloso que diz assim: "Certa vez, tive uma conversa fascinante sobre a canção Tropicália, num castelo medieval em Sesimbra, com Roberto Pinho e um senhor português que era tido como alquimista. O ponto de ligação entre eles era o professor Agostinho da Silva, um intelectual português que foi perseguido por Salazar e veio para o Brasil (...) Em Salvador disseminou uma forma de sebastianismo erudito de inspiração pessoana que atraiu algumas pessoas que me pareciam atraentes. Não foi sem pensar neles que eu incluí a declamação de um poema de Mensagem, de Fernando Pessoa, no happening que foi a apresentação da canção É Proibido Proibir num concurso de música popular na televisão em 1968. Mas eu não tinha embarcado na viagem desses sebastianistas nem como estudioso nem como militante. Apenas me parecera interessante que houvesse gente falando no Reino do Espírito Santo e numa futura civilização do Atlântico Sul, numa época em que todo mundo falava em mais-valia e nas teses científicas de transformar o mundo através da classe operária. E, sobretudo, foi por causa disso que eu entrei em contacto com o livro Mensagem, que revelou para mim a grandeza da poesia de Fernando Pessoa. Não me parecia possível que se demonstrasse mais fundo conhecimento do ser da língua portuguesa do que nesses poemas, por causa de cada sílaba, cada som, cada sugestão de idéia como se aqueles poemas fossem fundadores da língua ou sua justificação final. O fato de Mensagem ter como tema o mito da volta de Dom Sebastião e da grandiosidade de uma adiado destino português, enobrecia, a meus olhos, os interesses daquele grupo de pessoas que cultivavam tais mitos. De modo que, em Sesimbra, comecei a ver Tropicália - e a pensar o tropicalismo - também à luz do sebastianismo, que consistia em adivinhações do que fosse o sebastianismo deles. Eu, no entanto, sempre fui muito cético". E continua o autor do livro, António Risério, "Mais nitidamente, o sebastianismo esteve sempre entre as preocupações de Glauber Rocha, artista-ideólogo marcadamente messiânico. E Agostinho deixou ao menos um discípulo brilhante no Brasil, o antropólogo Roberto Pinho." (António Risério, avant-garde na bahia, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, Brasil, pp.82-83)

Luís Santos

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

SEM TÍTULO
 


CAROLA JUSTO

Acrílico 40 x 30
 

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

M.F.I. (MOVIMENTO DAS FORÇAS INTERROGATIVAS)



Por PEDRO VARGAS

Para que serve o Estado?

Antes de responder, convém responder à pergunta original: o que é o Estado? O Estado é o conjunto das Instituições que “servem” (e o termo é mesmo este #) os cidadãos (sociedade civil), em troca de impostos e/ou taxas. As Escolas, os Hospitais, os Tribunais e outros serviços que existem para o bem comum, constituem o Estado.
Se o Estado não serve para servir os cidadãos, para que pode servir?

No tempo da primeira democracia, Platão escreveu na República (obra conceituada) que os Guardiões do Estado (vulgo, Governantes e Militares) deveriam ser formados ao longo da vida para que aos cinquenta anos de idade (idade madura e sem necessidades materiais) pudessem assumir a governação. Depois de uma formação em música, matemática, filosofia e educação física, estariam aptos a governar. Apenas os melhores poderiam governar.

Estava assim lançada a matriz da democracia moderna. Cabia ao governante zelar, proteger, organizar e acompanhar a vida na “cidade” (sociedade). Cada cidadão seria da sua responsabilidade. Reuniam no monte mais alto de Atenas e em Assembleia decidiam o que fazer para garantir a boa organização da vida social, económica e política. O Estado tinha a missão de proteger o cidadão.

Como conceber um Estado que está longe (cada vez mais afastado) e em rota de colisão com o cidadão? Como aceitar um Estado que “enfrenta o cidadão”, que “se pensa” à parte “que o ataca”, como se as Instituições não tivessem o dever de o proteger?

Para mim, é difícil pensar que o Estado esteja contra mim, quando eu sou parte do Estado.
Porque é que as Instituições parecem estar em confronto com a cidadania?
Afinal para que serve o Estado?
E para que pago Impostos, se o Estado não assegura o funcionamento gratuito e de qualidade dos serviços públicos?
Caminharemos para uma sociedade sem Estado?

Ironicamente, o socialismo científico doutrinado pelo marxismo (de Marx do Século XIX) prognosticava uma sociedade sem Estado depois do processo de proletarização (ditadura do proletariado) parece, agora, plasmado e/ ou replicado numa sociedade capitalista sujeita a um processo de mercado livre, sem Estado, “à solta”.
Onde está a “res publica”? Que lugar terá se é que tem a República que Platão antecipou?
Fará sentido hoje em dia?
Para onde caminharemos?

Se a “coisa pública” (República) não faz sentido, o Estado também não. Sendo assim caminharemos para uma sociedade sem impostos nem taxas. Porque as taxas e impostos fazem sentido para manter a vida pública. Caso contrário, que sociedade e Estado queremos? E para que serve o Estado?

(o MFI pergunta. Responda quem souber)



# As Intuições existem para servir a Sociedade Civil e não o contrário.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Portugal saiu literalmente à rua como nunca antes se viu, pelo menos, como não há memória que alguma vez assim o tenha feito. A verdade é que tanto quanto se pode avaliar pela leitura dos jornais e as notícias da rádio bem como pelas imagens que a televisão mostrou, de Caminha a Vila Real de Santo António, por todas essas cidades e vilas mais importantes, o povo veio para a luz do dia e inundou as praças e entupiu as vias, entre casarios, simplesmente para mostrar a alegria que se lhe colou na alma pela mera possibilidade de finalmente poder gozar em paz um feriado que celebra o trabalho e, com isso, a força criativa e criadora que é a sua. E cantou-se, cantou-se o hino nacional e cantaram-se hinos a todos os que não viraram a cara e mantiveram acesa a chama da liberdade que hoje, com um civismo que dá grande lição ao mundo, consagra com a exemplaridade de um gesto que por isso se afirma como a determinação de não mais querer permitir que a mesma se apague nas múltiplas veredas do quotidiano. E as pessoas passearam-se, entre umas e as outras, sorridentes, dando largas ao gozo de não terem que esconder a incrível felicidade por já não terem de se preocupar com os ouvidos das paredes e os olhos nas sombras esconsas, cumprimentando-se e felicitando-se pela taluda de serem testemunhas de um momento único e inolvidável, abraçando-se e dançando sobre o asfalto, cravos vermelhos na lapela e vivas aos libertadores nas gargantas com que, no apoio às oratórias de ocasião e das que rompiam feitas papoilas nos campos, entoaram slogans de incentivo à estrada que agora se abriu plena de possibilidades que ainda haveremos de descobrir. Foi lindo, lindo de se ver, maravilhoso de se viver e foi tão bom cruzarmo-nos com os outros rostos e ao fazê-lo passarmos por um sentimento de orgulho num país que as tragédias das injustiças pintaram de cinzento e esta primavera de esperança alindou com as cores, as lindas cores de quem acredita num futuro melhor, de quem finalmente pode acreditar num futuro melhor. Nesta última semana tenho reparado que as gentes caminham com outra leveza, se expressam com outra confiança e até me parece que mais respeitosamente, mais amistosas para o semelhante, como que a provar que os portugueses estão prontos para viverem numa sociedade livre, onde os mais simples escolhem aqueles que tomam por mais capazes para tratarem de assuntos que dizem respeito à vida colectiva e ao bem comum. É tão curioso ver como os cumprimentos fluem entre os desconhecidos e todos querem manifestar ao outro a consciência de cada lugar. É uma espécie de inebriamento geral, chegando a parecer que há um qualquer vírus no ar a que ninguém escapa e a qualquer um induz este estado de euforia. No entanto, nada disso se pode comparar com a explosão deste dia em que os portugueses vieram para a rua cantar e dançar, só para mostrar que é possível viver em liberdade e em paz e, com a vontade de cada um de nós, construir uma sociedade mais justa, onde ninguém venha a ser impedido de encontrar um caminho só pela fatalidade de ter nascido pobre. Portugal está nas capas e noticiários do planeta e os portugueses, feitos aqueles que há séculos uniram as rotas marítimas e interligaram os diversos continentes, mais uma vez souberam dar um exemplo de grandeza até aí inalcançada, desta vez ensinando como a tirania pode ser derrubada sem guerra e sem que o caos se instale sobre as ruínas e as cinzas da ditadura que caiu. E foi desse modo que esta nação se sentiu, valente e imortal, por novamente ter levantado o esplendor de quem fala e sonha na língua portuguesa. Por mil anos que vivesse, jamais esqueceria a festa deste dia e o orgulho que sinto pela minha nacionalidade. Como seria de esperar, nós decidimos comemorar na Vila em cuja praça principal, a partir da varanda da sociedade filarmónica, estavam previstas algumas comunicações de personalidades envolvidas na resistência ao salazarismo e, entre elas, a do nosso representante que, por motivos óbvios pois até é o presidente da cooperativa, todos decidimos fosse o José Pedro. Gostei bastante do seu discurso de apelo à responsabilidade individual em que, para ser natural e viva, a liberdade se fundamenta. Mas daqui haveria sempre de partir uma comitiva do lugar pois, através do passa a palavra, os habitantes decidiram concentrar-se na praça do casarão pela manhã e munidos de algumas bandeiras vermelhas e muitas nacionais que nem sei de onde possam ter surgido e de dísticos com vivas ao vinte e cinco de Abril e ao movimento das forças armadas, em manifestação a pé, velhos, adultos e crianças, cantando em uníssono “Grândola Vila Morena” de José Afonso que foi a senha do golpe e a população elegeu tacitamente como o hino do movimento e que aqui e ali intercalaram com a “Portuguesa” e outras canções, estas de protesto a que os mais novos deram as letras que os outros se limitavam a trautear, lá foram todos por essa estrada fora, acenando a quem estava e a quem ia passando, com os dedos no v da vitória, vitória, vitória com que todos se saudaram, fazendo da entrada na Vila um acontecimento notado justamente pela multidão que ia desfilando pelas ruas em direcção ao epicentro dos festejos. Eu fui com eles, uma vez que o Manuel teve que seguir mais cedo para ajudar na organização do comício que ali ocorreu. Como poderia eu alguma vez imaginar que um dia haveria de caminhar naquelas ruelas estreitas sob os aplausos e vivas dos passeios e janelas? Mas foi isso que aconteceu e quando no regresso que fiz antes de todos, aproveitando uma boleia da Graziela que se esqueceu de levar uns medicamentos que não pode deixar de tomar, tive oportunidade de ver que o Vale da Esperança ficou deserto, completamente deserto, entregue ao silêncio do vento e das aves, pois nem os cães sentiram que tivessem alguma coisa para dizer perante a ausência dos donos e o sossego de ninguém passar por ali. Ainda nunca tinha visto o povoado em tão absorta quietude e com as portas todas fechadas, incluindo as do café e da papelaria e as da loja de electrodomésticos que se avistam da minha casa. E foi aí que percebi que certas mães mais novas levaram os filhos nos carrinhos, porque não houve quem quisesse perder a oportunidade de dizer estou aqui, para mais tarde ter como dizer, estive lá, naquele dia em que importou deixar clara a mensagem de não querermos voltar ao antigamente.
Tenho pena que os meus filhos e netos não estejam aqui para partilharmos esta alegria tão grande e tão intensa.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (46)


Sunset at Montmajour, Vincent van Gogh,1888, 

Óleo sobre Tela, 73,3 x 93,3cm

O Museu Van Gogh, em Amesterdão, reconheceu um novo quadro do meu pintor preferido, depois de um trabalho de identificação que durou dois anos e em que foram utilizadas as mais modernas técnicas de pesquisa.
Na investigação efectuada sobre o quadro, os peritos confirmaram a similitude dos pigmentos com os que foram utilizados pelo pintor noutras pinturas da mesma época feitas em Arles.
Escrevendo em The Burlington Magazine, o perito, Meedendorp disse que quase todos os pigmentos usados na obra foram os que " habitualmente tinha em sua paleta na altura", incluindo um azul-cobalto que ele começou a usar a partir do Verão de 1887.
A peça pode ser datada para o dia exato em que foi pintada porque o artista, numa carta para seu irmão, Theo, diz que a pintou no dia anterior - em 4 de Julho 1888, descrevendo-a pormenorizadamente. Os detalhes da carta já haviam sido atribuídos erradamente a outra obra de Van Gogh, intitulada The Rocks, apesar de faltar ao trabalho alguns dos elementos que ele descreve.
O quadro representa uma paisagem de carvalhos nos arredores da cidade de Arles, no sul de França, e a descoberta é “um acontecimento único na história do Museu Van Gogh”, congratulou-se Rueger, o director do Museu, citado pela agência France Presse.
Comprado em 1908 por um colecionador privado, a pintura estava há anos no seu sótão, porque o proprietário pensava que se tratava de uma cópia.
Pôr-do-sol em Mont Majour vai agora ser mostrado ao público a partir de 24 de Setembro, integrado na exposição Van Gogh at Work, que o Museu de Amesterdão tem patente ao público até 12 de Janeiro de 2014.


Boa viagem!

domingo, 15 de setembro de 2013



Fim-de-semana de vindimas.

O despertar bem cedo, a azáfama do dia, o calor intenso, chega-se à noite com o corpo um pouco amassado e cansado.
Um ciclo aproxima-se do fim e, a seu tempo, merecerá ser celebrado com o néctar que se serve à mesa.
Depois do podar, do adubar, do sulfatar, do vindimar chega a altura do fermentar.
Quando o processo se concluir e o vinho “estiver cozido”, virá o disfrutar.
Lá para meados de Novembro.

Na natureza é quase sempre assim.
Para se colher é preciso semear, cuidar, acompanhar, desvelar, …
Há os que sabem cuidar melhor e colhem mais, há os que sabem cuidar menos bem e colhem menos.

Depois, recomeça o ciclo outra vez.
E pronto.




Pintura de Luís Delgado; Texto: M.J.Croca




sábado, 14 de setembro de 2013

Clínica para Mulheres mutiladas no Sexo


Uma Esperança no Desespero

António Justo

Foi inaugurada em Berlim (dia12.09) uma clínica para mulheres genitalmente mutiladas. É o primeiro hospital na Europa dedicado a mulheres a quem foi decepado o clítoris (ablação).

Na Europa há milhares de mulheres vítimas desta conduta desumana. São mulheres oriundas de África e de países islâmicos. A criação da clínica deve-se à iniciativa “Desert Flower Center” da activista dos direitos humanos Waris Dirie, a quem, aos cinco anos, extirpam o clitóris e os pequenos lábios da vagina. Waris Dirie ficou internacionalmente conhecida devido ao seu famoso livro “Flor do Deserto”.

Foi nomeada Embaixadora da ONU contra a mutilação genital feminina. Já conseguiu que 15 países africanos penalizassem a mutilação feminina.

Waris Dirie sente-se a “defensora das seis mil meninas que, dia a dia são mutiladas. Nada é pior que urinar e menstruar por uma abertura do tamanho de uma ervilha.” Oriunda da Somália, com 13 anos fugiu através do deserto para escapar ao casamento com um homem de 60 anos, com quem o pai a queria obrigar a casar como quarta esposa, em troca de 5 camelos.
 
Em nome dos costumes culturais, a opressão da mulher continua a ser aceite. Os homens querem-na submissa e pura! Costumes, como o da ablação, são usados como preventivo contra qualquer possível tentação. Opta-se por ter sexo com mulheres a sofrer do que lhes permitir a liberdade do gozo. As mulheres são transformadas em terra cativa à disposição do homem, preparadas para serem vitimadas no altar da liberdade masculina. Parece poder constatar-se que na barbaridade sadista a honra do homem brilha mais quando polida pela dor da mulher.

O desamparo a que o mundo secular e religioso continua a votar a mulher conduz todo o ser consciente ao abandono, a um estado de angústia. Necessitamos uma ética humanista que coloque a mulher e o homem no centro do humano sem privilegiar nenhum dos seus polos.


António da Cunha Duarte Justo



sexta-feira, 13 de setembro de 2013



TOMÁS JORGE (Tomás Jorge Vieira da Cruz) (1928, Luanda – 2009, Lisboa)

“Filho de peixe sabe nadar…”. Provérbio apropriado não só porque o seu pai foi Tomaz Vieira da Cruz, mas também. Dedicado ao pai poeta, o filho escreveu assim: “Na posteridade basta que digam / Autor de… / Sem mais qualquer fantasia. / Depois quem quiser / que procure a Obra e leia e releia. / Esta maneira simples / é a homenagem maior / por não haver maior.”.

Luandense, nascido em 1928, Tomás Jorge dividiu o seu tempo entre Angola e Portugal desde 1970. Integrou em 1950 o movimento literário lançado por Viriato da Cruz “Vamos Descobrir Angola!” motivo pelo qual foi detido várias vezes pela PIDE. É membro fundador da UEA/União de Escritores Angolanos. Tendo publicado apenas um livro de poesia (“Areal”, 1961) foi juntando o que escrevia ao longo dos anos. É assim que aparece uma segunda obra: “TALAMUNGONGO!... “OLHA O MUNDO!...” – 50 ANOS DE POESIA (ANTOLOGIA)”, publicado pela editora angolana Kilombelombe, numa edição comemorativa do 30º aniversário da República Popular de Angola, com belíssimas ilustrações de Carlos Ferreira.

Das dezenas de poemas que constituem este livro retive um que me parece muito belo e evocativo para todos os que amam Angola e, muito particularmente, Luanda. Foi publicado em 1953 no jornal “Diário de Luanda”.

GAJAJA

Fruto pálido, empaludado…
Cereja dos trópicos
de cor desmaiada.
Luanda:
- onde estão as tuas gajajeiras
que a troco dos seus frutos
pedradas eu lançava,
pedradas que magoavam
- pedradas de criança!
Por certo que foram destroçadas,
sepultadas
em teus alicerces
da Brito Godins
e de todas as Ingombotas,
tal como os frondosos cajueiros.
Vi hoje uma gajajeira já quase morta.
Havia pedras a seu lado,
areia e cimento
e um buraco longo, rodopiando,
fazendo quadrados,
rectângulos, quadrados…
Se a minha fortuna não fosse feita de sonhos,
compraria aquele terreno.
A copa da gajajeira
seria o meu chapéu,
a umbela dos dias quentes
e das noites de luar e de cacimbo.
Luanda:
- onde é que estão as nossas gajajeiras?
Essas gajajeiras que me davam
as gajajas da minha infância
os frutos da minha vadiagem!
Eu atirei pedradas!
Mas tu, Luanda,
o que fizeste delas?


Tomás Lima Coelho


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

A ESPERA
 


CELESTE BEIRÃO

Acrílico sobre Tela 100 x 120
 

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

PRIMEIRA VIAGEM


Faço as malas: papéis amassados
                         papéis rasgados
                        cópia autenticada
                       da certidão de ir embora
                      atestado de carreira
                     contra recaídas
                    tampões de orelhas
                   tesoura de unhas
                  o bigode raspado
                 no disfarce

estrago o papel da bala no fazer
o desenho inimaginável do barco

                   embarco e saio
                    atrás de mim
                     as malas estalam
                      em primeira viagem.


(Pedro Du Bois, inédito)



terça-feira, 10 de setembro de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Agora já posso falar, pois tudo indica que o sentido das coisas não é aquele que pessoalmente temia e independentemente das contra-ofensivas que eventualmente sucedam e dos revezes e reviravoltas que ainda venham a verificar-se, pelo menos por enquanto, todos os sinais são de efectiva mudança e em termos da realidade que se procura consolidar, é um facto observável que o regime caiu e, como dizia alguém a propósito de um resultado de futebol, haja o que houver, essa alegria ninguém nos tira. E é de alegria que se trata, uma alegria tremenda que nem o medo face ao que possa estar para vir consegue conter e beliscar, mesmo ao de leve, a intensidade com que nos avassala. É caso para dizer que o sonho se materializou e que o dia, mais, muito mais que esperado, o dia tão desejado chegou finalmente e, apesar das mortes e aflições do parto, logo na forma de festa que, vejam só, coroou a expressão com o vermelho dos cravos com que as pessoas brindaram e ofereceram aos soldados que, em ritual de vitória, das espingardas para eles fizeram jarras. Nunca senti tanto orgulho por ter nascido portuguesa. Portugal vai ficar na História pelo feito de um povo que veio à rua apoiar a queda do tirano e a festejar sem o caldo cultural da vingança, só pelo gozo do júbilo da afirmação da conquista da liberdade e que ordeiramente seguiu a vida com a única diferença do contentamento por este ponto final à injustiça em que tem sido forçado a viver. Nem sei por onde começar, tal não é o deslumbramento pela dádiva de assistir a um daqueles episódios que ficam como marcos históricos e, não fosse isso suficiente, num trilho que, no mínimo dos mínimos, num aspecto crucial, o do fim da ditadura, foi de encontro aos meus anseios mais antigos e a mais bonita das minhas quimeras. Inicialmente não descartei a hipótese de estarmos perante um levantamento por parte da ala dura do salazarismo, interessada em manter essa posição de força e a guerra e que tem adeptos entre as figuras mais gradas da situação e os mais altos dignitários militares que, justamente por isso, provavelmente também teriam como colocar as tropas em posição de combate e tomar o controlo do estado e assumir a governação do país. Eu dei conta que algo de estranho se passava pouco depois de me levantar, quando, cumprida a higiene pessoal diária, cheguei à cozinha para efeitos do rotineiro pequeno almoço que, desde as idades em que os miúdos deixaram de precisar que os pais lhes preparassem todo o processo da comida até ao prato colocado diante das suas boquinhas comilonas, gosto de tomar sentada à mesa, repousadamente, com disponibilidade para atentar no que se vai passando por aí. É uma das consequências dos avanços tecnológicos. Desde que existem os rádios mais pequenos, os transístores, acho eu que assim se chamam, ganhámos o hábito de aproveitarmos a hora desta primeira refeição para escutarmos as primeiras notícias pelo Rádio Clube Português que, apesar de tudo, sempre é um pouco mais arejado que a oficiosa e oficial Emissora Nacional, para o que temos um pequeno aparelho numa das pontas do balcão, ao lado do frigorífico. Pelo primeiro comunicado que ouvimos e continuava a ser repetido a meio da manhã, todos ficámos a saber que uma parte das forças armadas se rebelara e estavam em curso operações em vários pontos do país e particularmente em Lisboa, com o objectivo de derrubar o governo e alegadamente alterar o poder e o estado das coisas em Portugal. Como não se identificava qualquer rosto, não era líquido que os propósitos fossem diversos de uma espécie de continuidade deste status quo sob outros mandos e comandos. Por precaução, até por não estarmos muito longe de uma das mais fortes regiões militares do nosso território continental, suspendemos as aulas e incentivámos a que todos regressassem a casa e assim passei todo o dia no lar, primeiro atenta aos noticiários radiofónicos, depois, ao fim da tarde, com o televisor ligado. Um pormenor que tomei por indicador foi a música que após a série de marchas em tons castrenses passou, ao longo da tarde, para o registo dos cantores portugueses bem conhecidos pelas suas canções de protesto e, com toda a sinceridade, senti um misto de espanto e euforia quando escutei os versos de um tema do Sérgio Godinho que prima justamente por ser um apelo explícito à revolta, a força que só serve para obedecer aos que nos obrigam a viver na injustiça. Aí formou-se-me a esperança no interior do peito e ainda mais inquieta fiquei quando o Manuel trouxe o jornal da papelaria do Hilário que hoje recebeu duas tiragens e mais exemplares tivesse mais teria vendido, o “República” com uma frase significativa no cabeçalho, “este jornal não foi visado por qualquer comissão de censura.” Dificilmente uma clique interessada e empenhada em continuar a ditadura por outros meios permitiria este género de manifestações, sem qualquer dúvida associadas à liberdade e ao quotidiano de uma sociedade democrática. E pelo que os jornalistas nos davam a entender, o Movimento das Forças Armadas, como se auto-intitularam os revoltosos, era composto por um grupo de patentes intermédias, capitães e majores que, descontentes com o destino da pátria e a direcção dos acontecimentos nos teatros bélicos em que estamos envolvidos com tantos e tão dolorosos custos humanos e materiais, convencidos de não haver a possibilidade de nenhuma outra saída, tinham decidido organizar um golpe de estado para alterar o regime político em Portugal. Motivos de justificada esperança e não há muito, há menos de um ano, em Setembro passado, no Chile, vimos como a fúria opressora se abateu sobre a população desde o primeiro momento e como uma conquista da linha dura se traduziu num mar de sangue e violência que rapidamente subjugou o povo com a ferocidade de uma ditadura implacável. À noite ainda vacilei um pouco ao ver as caras sisudas da nomeada Junta de Salvação Nacional a quem competirá as responsabilidades governativas, até que seja reposta a legalidade e empossado um novo conselho de ministros com legitimidade para o exercício dos respectivos cargos. Pelo que fui capaz de perceber da prosa nem sempre clara do General, dos excertos que li do seu livro, não é para mim transparente que Spínola esteja do lado de um projecto democrático para esta terra e só não avanço que nada ali nos pode fazer pensar nesse sentido porque não fiz uma leitura integral e portanto admito que a tal questão me possa ter passado despercebida. Vê-lo como o homem forte do novo poder não me daria qualquer garantia de estarmos a caminhar para a desejável abertura democrática e nessa noite ainda disse ao Manuel que o povo saía para as praças em festejo, embora não fosse seguro que viéssemos a alcançar a almejada e mais que merecida democracia. Creio que aí, o ponto de vista mais inteligente foi o do José Pedro que em alternativa à posição analítica de pretender escrutinar a rota destes dias subitamente invulgares, avançou com a importância dessas manifestações de regozijo que tomaram conta das vilas e das cidades, pois será por essa pressão que o povo português conseguirá obter a sua carta de alforria e criar condições para que possa viver livremente, sem tutelas que só o menorizam e infantilizam. E se os portugueses têm dado uma lição de civismo ao mundo. Onde está a razão daqueles que justificavam a autoridade com o argumento de que o povo não sabe tomar conta de si, ao ponto de chegarmos à mesquinhez de termos que comunicar às entidades policiais cada sessão de cinema que apresentamos na nossa associação? Então essa mesma gente não se portou à altura numa situação tão extrema e perigosa como foi aquela que se viveu no largo do Carmo aquando do assalto ao quartel da guarda onde se refugiara o Professor Marcelo Caetano que se deveria render e entregar o poder? E não podemos esquecer que a canalha da PIDE ainda matou três ou quatro populares que assistiam e davam apoio aos soldados que cercavam a sede, na António Maria Cardoso. Mas o que decisivamente me fez crer estar perante o fim do pesadelo foi o que ocorreu ao fim do dia de ontem, quando libertaram todos os presos políticos, incluindo aqueles que são acusados de crimes comuns e que à partida não estava previsto virem a ser soltos como os outros. Aí acreditei verdadeiramente que Portugal mudou e depois de tantas décadas de amargura e repressão, vamos também nós ter a possibilidade de viver livremente e esperemos que também em paz. E já estão autorizadas as manifestações do primeiro de Maio que se avizinha, para as quais se fala no regresso das mais destacadas figuras da oposição, entre os quais o chefe dos comunistas, o Dr. Álvaro Cunhal. Aliás, foi abolida a censura e dada a permissão para todos os que se viram forçados a abandonar o país por motivos políticos e ideológicos possam retomar os seus lugares e vidas junto daqueles que lhes são queridos. É por isto que digo que agora já posso falar e sem receios bradar ao vento o quanto estou contente, por estar a testemunhar um sonho antigo ganhar realidade. Foi preciso que passassem três anos sobre o meu cinquentenário e trinta e três desde que iniciei estas linhas para que, sem qualquer preocupação, possa deixar este caderno sobre a secretária e tirar os outros do esconderijo onde até aqui os tenho mantido ao abrigo de qualquer rusga indesejada.
 Pelo menos esta alegria, nenhum bandido a conseguirá tirar.