IV
Os começos e os fins ou nem por isso
“(...)
A ideia de dia conseguido é, por conseguinte, para ti e por agora, válida enquanto quarto poder, após as ideias de instante conseguido, de vida eterna ou vida única conseguidas? E há algo que te impele a atribuir ao dia conseguido um perfume que não se evapore mas que, independentemente do que possa acontecer amanhã, permanece sob esta ou aquela forma? E é outra vez o momento de perguntar: Como é que imaginas em pormenor um tal dia?
(...)”
A ideia de dia conseguido é, por conseguinte, para ti e por agora, válida enquanto quarto poder, após as ideias de instante conseguido, de vida eterna ou vida única conseguidas? E há algo que te impele a atribuir ao dia conseguido um perfume que não se evapore mas que, independentemente do que possa acontecer amanhã, permanece sob esta ou aquela forma? E é outra vez o momento de perguntar: Como é que imaginas em pormenor um tal dia?
(...)”
HANDKE, Peter. Ensaio sobre o dia conseguido
Comecemos
pelos princípios. E estes podem estar no fim. Tal como os últimos são os
primeiros. Diz-se. Vale o que vale. Também se repete. Avancemos. Ou recuemos.
Até aos fins. Aos princípios. Há um livro extraordinário do Peter Handke que se
chama Ensaio sobre o dia conseguido. Peter Handke é também o autor dos
diálogos do filme Asas do Desejo. Eu adoro este autor, este filme e
adoro este livro, Ensaio sobre o dia conseguido. Para além de que é um
tema que toca a todos. Quem não teve já repetidamente a sensação de ter falhado
completamente o dia? De o seu dia ter sido uma sucessão de fracassos, fraquezas
e falhas irreparáveis cuja única solução só poderia ser o suicídio? E de onde
vem esse desespero, essa crença no irremediável? Vem de outra crença de que o
dia começa quando nos levantamos e termina quando nos deitamos. Ora tal não tem
de ser assim. Eu posso
Re
começar
o
parágrafo é propositado, senhores puristas J
o
meu dia a qualquer momento, as vezes que eu quiser. Não gostei disto que fiz,
disto que me aconteceu? Muito bem, faço de conta que foi um sonho,
na
verdade foi um sonho,
começo
agora o dia. As vezes que forem precisas. Posso ter de recomeçar muitas vezes,
mas depois os recomeços tornam-se mais espaçados.
-
Oh! Que pena! É tão divertido recomeçar!
Então,
recomecemos. Também este é um bom pretexto para começar o dia muitas vezes.
Assim se multiplica um dia em muitos dias, assim se transforma o tempo em
eternidade, assim me transformo realmente em criadora dos meus dias.
E
os fins? Que têm a ver com os princípios?
Por
causa dos meios.
Conto-vos
uma história real. Verdadeiramente Real, passe a aparente redundância.
Aqui
há tempos
existe
um vídeo na internet…
numa
corrida de atletismo, um dos atletas estava quase a cortar a meta, mas ia,
creio, em segundo lugar. Quando, o que ia à frente dele, caiu.
É
aqui que se coloca a questão da meta. Onde fica a meta, para este homem quase a
cortar a meta, não fosse o seu colega caído? Para ele foi claro que a meta era
ali. Parou, socorreu. Os fins, por muito sonhados, desejados e até justos,
podem não justificar os meios. Antes, ao lado, ou depois de uma meta visível
existem várias metas que apenas cada um consegue ver. Chegar à meta, custe o
que custar, contra tudo e contra todos, pode ser uma forma de a perder. Mesmo
que os louros dos homens nos coroem, mesmo que ninguém se aperceba. Mas
renunciar à meta em favor de uma meta maior que só eu vejo é ser coroado pelos
deuses. Com um louro invisível mas indelevelmente perfumado como aqueles
dispensadores de aromas que de vez em quando libertam um perfume de felicidade.
É
muito importante saber reconhecer onde está nossa meta. Mesmo que todos nos
apontem para um único ou diversificados lugares, só nós poderemos encontrá-la,
porque ela apenas se mostra aos olhos de cada um. Para os que queiram ver.
Risoleta Pinto Pedro
4 comentários:
Oh,
o Peter Handke e as Asas do Desejo... Obrigado pela referência do tal Ensaio. E que magníficos aqueles parágrafos. Todos.
Beijinhos.
Bem ..., se a escrita (a redacção)é maravilhosa e brilhante, extirpada de todo o supérfulo puro maná, a "aula" é para guardarmos e trazermos sempre connosco.
Há dias óptimos que começam assim.
Obrigado Risoleta. Beijo.
Manuel João
De como da humildade se chega ao essencial, a harmonia interior de agir segundo o primado da consciência. A alegria por ter sido agora melhor que ainda há pouco. Isto é tão complexo... E no entanto - salvo seja o paradoxo - tão simples de experienciarmos no dia a dia.
Luís Gomes
Abraço a todos, grata pelo coração com que leem.
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