sábado, 28 de setembro de 2013

ESTUDO DO RIO E DO CÉU E DAS OUTRAS COISAS GERAIS QUE ENTRE ELES SE ENCONTRAM



IV

Os começos e os fins ou nem por isso
“(...)
A ideia de dia conseguido é, por conseguinte, para ti e por agora, válida enquanto quarto poder, após as ideias de instante conseguido, de vida eterna ou vida única conseguidas? E há algo que te impele a atribuir ao dia conseguido um perfume que não se evapore mas que, independentemente do que possa acontecer amanhã, permanece sob esta ou aquela forma? E é outra vez o momento de perguntar: Como é que imaginas em pormenor um tal dia?
(...)”
 HANDKE, Peter. Ensaio sobre o dia conseguido

Comecemos pelos princípios. E estes podem estar no fim. Tal como os últimos são os primeiros. Diz-se. Vale o que vale. Também se repete. Avancemos. Ou recuemos. Até aos fins. Aos princípios. Há um livro extraordinário do Peter Handke que se chama Ensaio sobre o dia conseguido. Peter Handke é também o autor dos diálogos do filme Asas do Desejo. Eu adoro este autor, este filme e adoro este livro, Ensaio sobre o dia conseguido. Para além de que é um tema que toca a todos. Quem não teve já repetidamente a sensação de ter falhado completamente o dia? De o seu dia ter sido uma sucessão de fracassos, fraquezas e falhas irreparáveis cuja única solução só poderia ser o suicídio? E de onde vem esse desespero, essa crença no irremediável? Vem de outra crença de que o dia começa quando nos levantamos e termina quando nos deitamos. Ora tal não tem de ser assim. Eu posso
Re
começar
o parágrafo é propositado, senhores puristas J
o meu dia a qualquer momento, as vezes que eu quiser. Não gostei disto que fiz, disto que me aconteceu? Muito bem, faço de conta que foi um sonho,
na verdade foi um sonho,
começo agora o dia. As vezes que forem precisas. Posso ter de recomeçar muitas vezes, mas depois os recomeços tornam-se mais espaçados.
- Oh! Que pena! É tão divertido recomeçar!
Então, recomecemos. Também este é um bom pretexto para começar o dia muitas vezes. Assim se multiplica um dia em muitos dias, assim se transforma o tempo em eternidade, assim me transformo realmente em criadora dos meus dias.
E os fins? Que têm a ver com os princípios?
Por causa dos meios.
Conto-vos uma história real. Verdadeiramente Real, passe a aparente redundância.
Aqui há tempos
existe um vídeo na internet…
 numa corrida de atletismo, um dos atletas estava quase a cortar a meta, mas ia, creio, em segundo lugar. Quando, o que ia à frente dele, caiu.
É aqui que se coloca a questão da meta. Onde fica a meta, para este homem quase a cortar a meta, não fosse o seu colega caído? Para ele foi claro que a meta era ali. Parou, socorreu. Os fins, por muito sonhados, desejados e até justos, podem não justificar os meios. Antes, ao lado, ou depois de uma meta visível existem várias metas que apenas cada um consegue ver. Chegar à meta, custe o que custar, contra tudo e contra todos, pode ser uma forma de a perder. Mesmo que os louros dos homens nos coroem, mesmo que ninguém se aperceba. Mas renunciar à meta em favor de uma meta maior que só eu vejo é ser coroado pelos deuses. Com um louro invisível mas indelevelmente perfumado como aqueles dispensadores de aromas que de vez em quando libertam um perfume de felicidade.
É muito importante saber reconhecer onde está nossa meta. Mesmo que todos nos apontem para um único ou diversificados lugares, só nós poderemos encontrá-la, porque ela apenas se mostra aos olhos de cada um. Para os que queiram ver.


Risoleta Pinto Pedro


4 comentários:

luis santos disse...


Oh,
o Peter Handke e as Asas do Desejo... Obrigado pela referência do tal Ensaio. E que magníficos aqueles parágrafos. Todos.
Beijinhos.

MJC disse...

Bem ..., se a escrita (a redacção)é maravilhosa e brilhante, extirpada de todo o supérfulo puro maná, a "aula" é para guardarmos e trazermos sempre connosco.
Há dias óptimos que começam assim.
Obrigado Risoleta. Beijo.

Manuel João

Luís F. de A. Gomes disse...

De como da humildade se chega ao essencial, a harmonia interior de agir segundo o primado da consciência. A alegria por ter sido agora melhor que ainda há pouco. Isto é tão complexo... E no entanto - salvo seja o paradoxo - tão simples de experienciarmos no dia a dia.

Luís Gomes

aluzdascasas disse...

Abraço a todos, grata pelo coração com que leem.