segunda-feira, 2 de setembro de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (44)

Convento de Jesus - Setúbal, António TapadinhasÓleo sobre Tela, 60x100cm

Como fiz o Convento

Fui contactado por um amigo para me encontrar com um casal que me queria fazer um pedido para a execução dum trabalho. No encontro que tivemos, fiquei a conhecer o jovem e simpático par e o que pretendiam. Moravam na cidade de Setúbal, em frente do Convento de Jesus, um dos marcos do estilo manuelino, datado de 1490. Queriam ter uma tela com o monumento que fazia parte das suas vidas. Concordei quase de imediato, com a condição de colaborarem na sua execução, como modelos.
Já devem ter visto nas séries policiais, que os fotógrafos ao registar um indício encontrado no local do crime, colocam ao seu lado uma régua e, na sua falta, um objecto com uma dimensão perfeitamente definida, normalmente uma moeda, para se ficar com a noção exacta do tamanho da prova. Da mesma forma, os pintores quando consideram importante realçar a imponência do motivo, servem-se de alguns truques que os ajudam a conseguir esse objectivo.
No dia e hora combinados, montei o cavalete em frente da porta do convento e esperei pela chegada dos modelos. Tinha pedido ao elemento feminino que vestisse uma blusa vermelha, com saia ou calças escuras, e para o elemento masculino uma camisa clara e blue jeans. Cuidei desse pormenor (?) da cor das roupas para dar os contrastes, às grandes extensões quase monocromáticas do largo. Todas as figuras estrategicamente colocadas em diversos planos são os actuais donos da obra, que se prestaram, com muita paciência, a percorrer diversas vezes o espaço entre mim e o convento. O lindíssimo cruzeiro que se vê no lado esquerdo da tela, foi executado em mármore vermelho da serra da Arrábida, por ordem de D. Jorge de Lencastre. Para além da sua beleza é um elemento essencial para forçar o olhar do espectador, a voltar ao lado esquerdo da tela que é um local observado com apenas um relance de olhos, na apreciação duma pintura. Utilizei o método pontilhista, com bastante matéria, para sugerir as protuberâncias e reentrâncias que a provecta idade do monumento, aliada à maciez do mármore, propiciam, num interessante jogo de luz e sombras.
Normalmente não coloco nenhuma figura no centro e nunca tão frontal para o observador. É contra as regras. As regras são feitas para ser quebradas – é uma regra! Neste caso, foi plenamente justificado pela alegria com que se reconheceram e são reconhecidos pelos amigos a passear num sítio tão emblemático.

António Tapadinhas

Sem comentários: