quinta-feira, 31 de maio de 2012

d´Arte - Conversas na Galeria XCI



Barcos em Alburrica Autor António Tapadinhas
Óleo sobre Tela 80x100 cm

Já falei algumas vezes da importância histórica dos moinhos de Alburrica, para a cidade do Barreiro. Da última vez que por lá passei, estavam cheios de andaimes, significando que estavam a fazer as obras necessárias à sua preservação.
Duvido que tenham tomado algumas medidas para evitar as modificações ambientais no estuário do Tejo, ou tenham alterado a rota dos catamarãs para que a ondulação deixe de minar os seus alicerces...
Mas, o que estão a fazer já denota alguma preocupação com a conservação do património.

As árvores morrem de pé.

Os moinhos devem viver de pé, como os homens...

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Açorianos em terras brasileiras


Rugendas,  Brasil séc. XIX
Seja por vocação ou necessidade,  a emigração sempre foi uma sina na vida dos ilhéus açorianos.
 Arquipélago oficialmente descoberto pelos portugueses, por volta de 1440, os Açores tiveram suas nove ilhas desabitadas paulatinamente ocupadas por portugueses do continente, madeirenses, flamengos (Brum, Bulcão, Silveiras, Dutra, Terra, Gularte ou Goulart, Rosa, Grotas) espanhóis (Bom-Dias, Arriagas,) alguns franceses (Berquós, Bettencourt, Labat), ingleses (Currys, Streets, Whytons), judeus (Bemsaúde) e africanos (escravos), emigrados de outras partes do antigo Império Português, ou de terras que com Ele tinham relações políticas de comercio, ou parentesco.  
O ar salutar, o solo fértil, vulcânico, porém sujeito aos caprichos da natureza, e a paz reinante, longe dos movimentos geopolíticos que abalavam o mundo, proporcionavam ao longo do tempo um crescimento populacional gradativo que em momentos de crise frumentária e sísmica sofria com a falta de alimentos.  Essas situações periódicas associadas à má política dos donatários (em geral gente da nobreza portuguesa de segunda linha), onde as melhores parcelas de terra eram doadas aos parentes e amigos, restando aos colonos, que com eles aportavam às  ilhas, os piores nacos de terra, levavam a dificuldades de subsistência e a um desequilíbrio social deplorável, principalmente nas ilhas mais populosas.  A emigração foi a solução encontrada e adotada todos esses anos  de existência ilhoa.
Para os governantes portugueses as ilhas açorianas foram uma fonte de recursos humanos que supriram as necessidades da pátria. Ocuparam espaços , desbravaram e patrulharam caminhos, defenderam fronteiras, fundaram e povoaram vilas, lutaram em frentes de guerra, foram mão de obra barata, silo de grãos nas boas épocas de colheita. 
Pelas histórias contadas de riqueza e beleza, pela facilidade da língua, pelos amigos e parentes que lhes antecederam, os locais de eleição para imigração foram, nos séculos XVI, XVII, XVIII, XIX, as terras brasileiras, embora o Alentejo, em grande escala, e América do Norte, em menor proporção, também tivessem sido a opção de muitos açorianos.
 Nos últimos dois séculos os Estados Unidos da América e Canadá tornaram-se, pela prosperidade e oportunidades que ofereciam,  os países de primeira escolha para a imigração dos ilhéus. No Havaí e em outros países menos procurados (Venezuela, Uruguai e Argentina) a passagem açoriana ficou marcada nas comunidades que fundou e nos descendentes que guardaram as suas raízes.
No Brasil chegaram com os portugueses do Continente e da Madeira como desbravadores e colonizadores para cultivar a terra, rastrear e explorar riquezas, abrir e patrulhar picadas, resguardar espaços, fundar vilas que se tornariam as futuras cidades brasileiras. Com os índios locais e negros trazidos das possessões africanas,  miscigenaram-se.  Na insana lida da conquista, os mais simples esqueceram raízes, porém, perseveraram na fé e nas crenças, mantiveram hábitos e costumes, legaram sua língua e cultura aos seus descendentes, participaram efetivamente na formação do povo brasileiro.
A emigração oficial sempre se dava com o apoio financeiro e material dos governos e contratantes de mão de obra que aguardavam no desembarque. Mas como tudo tem um preço, eles haveriam de trabalhar por muito tempo para pagar o investimento dos patrões, antes de conseguir a independência ou... a morte. Paralelamente à emigração regulamentada, havia também a clandestina, bastante numerosa, facilitada pela dificuldade de controle das autoridades em policiar o entorno marítimo das ilhas, pelo isolamento do arquipélago, pela escuridão oportuna da noite, e pela ajuda de comandantes de navios que faziam vista grossa no intuito de auferir lucros mais adiante. Era a saída mais aventureira, onde à chegada não haveria nenhuma ajuda, só riscos e canseiras.
Nos primeiros tempos vinham poucos, esparsamente. Depois em levas mais ou menos importantes para experimentos colonizadores determinados, como em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Amapá, e finalmente em pequenos grupos familiares ou mesmo isolados para encontrar parentes ou amigos já assentados ou estabelecidos.  Saídos das ilhas em barcos contratados, chegavam ao país pelos portos coloniais (Recife, Salvador, Rio de Janeiro). Em terra, migravam em diáspora, pulverizados, para os locais que lhes chamavam ou para onde eram encaminhados pelo governo.  Norte (Amapá, Maranhão e Pará),  nordeste (Pernambuco e Bahia), Espírito Santo, Rio, Regiões auríferas, interior paulista e mineiro, sul do Goiás, minas de Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, ... Iam para onde a sorte lhes acenava. Esperava-os a aventura da incerteza e aqueles compatriotas que lhes antecederam e que poderiam lhes dar apoio na difícil empresa de sobreviver numa terra estranha.   
Oficialmente, a primeira entrada de um grupo de açorianos em solo brasileiro se deu em 1619. Foram 300 casais que vinham para se estabelecer no Maranhão após a expulsão dos franceses. Mais tarde em 1675 saíam 50 casais do Faial, vitimas do vulcão de 1672(Praia do Norte), e que foram mantidas pela bondade do governador da ilha, Jorge Gularte Pimentel, até 1675, quando partiram para o Brasil. Chegaram ao Grão-Pará em 1676 para servir como colonos e mão de obra nas plantações daquele espaço amazônico.
Em 1679, na Graciosa, e em 1719, no Pico,  novas erupções vulcânicas obrigaram os ilhéus sinistrados a emigrar para a América Portuguesa, desta vez para a Colônia de Sacramento.  Embora não haja a certeza da chegada desses ilhéus, o certo é que há conhecida descendência açoriana em  terras uruguaias.  Em 1740, um destacamento militar formado com homens das ilhas açorianas se instalou no Amapá e fundou  Macapá, sua capital.   Em 1770 a fundação do Município de Mazagão se deu na origem de Mazagão Velho, quando a Coroa portuguesa mandou para lá 163 famílias de colonos portugueses cristãos, oriundos do Castelo de Mazagran, (El Djadidá) Marrocos, que se conflitaram com os mouros islamitas.
  • Em 1723, no sudeste,  são conhecidos alguns açorianos que marcaram a região (Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo, e interior de Minas), através da sua descendência. Eram ilhéus migrantes de outras partes do território brasileiro que chegavam em busca de terras e riqueza.
  • O enorme afluxo de gente que a descoberta do ouro e as disputas para a exploração do metal(Guerra dos Emboabas- luta  entre os paulistas, descobridores das minas,  e os portugueses e brasileiros vindos de todos os lados) proporcionou,  tornou  o comercio de carne e alimentos  uma  ocupação muito rentável.   Mesmo com o declínio da produção aurífera e diamantífera, com a situação mais apaziguada, os migrantes passaram a procurar terras para o cultivo e criação de gado, era uma nova e atrativa possibilidade para conseguir uma vida mais digna e estável. O sertão estava à espera de quem tivesse força e coragem para conquistá-lo. O governo através de seus representantes políticos e militares apoiava-os, montando troços militares pelos caminhos, distribuindo terras (sesmarias) a quem se dispusesse a ocupá-las.  Assim é que os migrantes brasileiros e portugueses foram empurrando os negros dos quilombos e os índios cada vez mais para o interior, destruindo-os ou assimilando-os, tomando-lhes o espaço.
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  •  Segundo o genealogista e historiador, José Guimarães, em São João Del Rei, por volta de 1723, é conhecida a presença das três ilhoas faialenses (Antonia da Graça, Julia Maria da Caridade e Helena Maria de Jesus) que vinham para se encontrar com Diogo Garcia, seu conterrâneo aparentado e futuro marido de Julia Maria. Dos casamentos dessas açorianas, com patrícios, se originaram os troncos de várias e importantes famílias mineiras.
  • Fato semelhante ocorreu no século XIX, no atual Espírito Santo, quando entre 1813 e 1814 chegaram quatro levas de açorianos (200 indivíduos) para fundar a colônia de Santo Agostinho (hoje Viana). Conta a história que, quando o governador, Francisco Alberto Rubim da Fonseca e Sá Pereira (1795-1890) recebia um grupo de ilhéus (da Horta-Faial), viu um dos guardas do palácio do governo, Antonio de Freitas Lira, encantado com a beleza de uma das seis irmãs faialenes (Luiza Aurélia da Conceição), tocar os cabelos da jovem, irritado, como desagravo, declarou no ato o noivado deles. Verdade ou não, o fato é que três meses depois casaram.  Em breve, todas elas se transformariam em matriarcas de destacadas famílias capixabas . 

  • Entre os primeiros povoadores de arraiais e vilas de Minas, Mato Grosso do Sul  e sul goiano, não é difícil encontrar a presença  açoriana. Pamplonas  em Formiga,  Botelhos em Araxá ,  Borges, Vilelas, no Prata.  Junqueiras, Rodrigues da Cunha, Terras, Goulart, em Uberaba...
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  • Mas sem dúvida alguma a maior e mais marcante leva ilhoa ocorreu no sul do país. Pode-se dizer que grande parte dos portugueses que para lá foram são das ilhas, o que se pode verificar nos arquivos legais e  histórias familiares dos seus descendentes.
  •  Foi um processo estimulado pela Coroa (D. João V) que por razões políticas e estratégicas visava à solução de dois problemas.   Aliviar o arquipélago de gente, e ocupar e defender o sul brasileiro das investidas estrangeiras. Só para Santa Catarina, entre 1748 a 1752 foram, principalmente, das ilhas centrais do arquipélago dos Açores (Terceira, Faial, Pico, São Jorge, Graciosa) cerca de 6000 pessoas. Para a época, quando o sul era pouco povoado, pode-se dizer que foi quase a translação  de uma população.   
  • Santa Catarina e Rio Grande do Sul são os estados brasileiros onde mais se encontram sinais desses emigrantes, seja na genética, na arquitetura, na religiosidade ou na cultura popular.  Os manezinhos, descendentes dos antigos povoadores açorianos, ainda conservam alguns dos seus hábitos e costumes.  Não é sem motivo que chamam a ilha de Santa Catarina (onde está a Capital Florianópolis) a décima ilha açoriana.
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  • A cada situação de fome ou desequilíbrio social, a emigração era a solução. Em 1771 e 1774 saíram da Terceira, Faial, Pico, São Jorge, Flores e Corvo 301 pessoas. Destino Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Pernambuco.
  • Em 1779 e 1785 outras levas ( 900 casais), principalmente de São Miguel, e em menor escala do  Faial,  dirigiram-se para o Alentejo, desta vez com patrocínio particular (Intendente Pina Manique), porém com o assentimento da Coroa. Deixaram o arquipélago desfalcado de braços para as lavouras. Em 1800, 1807 e 1813 dá-se noticia de mais casais açorianos na Bahia. Facilitava a transferência da Coroa Portuguesa para o Brasil.
  • Mas foi após a Revolução Liberal Portuguesa, em 1820, que a emigração deixou de ser limitada pelo governo.  A crescente procura de gente para a lavoura de café, e de jovens açorianas para serviços domésticos (eram solicitadas com preferências; morenas de olhos negros, claras de olhos azuis,...) pelos fazendeiros, estimulava a levas cada vez maiores de açorianos.  Ao chegar, sem condições vantajosas de negociação, muitas dessas pessoas tornaram-se verdadeiras escravas brancas.  As jovens rejeitadas, sem ter como se sustentar, terminavam desgraçadamente na prostituição. Inúmeras viviam em prostíbulos, morriam à míngua.
A mobilização militar também trouxe para o Brasil gente açoriana, principalmente a partir do século XVII, sob a dominação filipina. A Holanda era a maior inimiga. Em 1766 seguiram de S. Miguel para o Rio de Janeiro 400 recrutas e em 1774 a Coroa requisitava mais 600. Em 1776, foram 890.  Esvaziavam  as ruas de São Miguel e das outras ilhas de vadios, as cadeias de prisioneiros, de gente à toa.  Ao termino do tempo de serviço os soldados podiam optar por voltar ou ficar como paisanos no Brasil, com reforma. Os recrutamentos continuaram até que o decréscimo  populacional quase paralisou as ilhas, em especial São Miguel, que viu em 20 anos diminuir a população em mais de 10 mil pessoas. 
Fugindo do serviço militar, da miséria ou por índole aventureira, a emigração açoriana foi uma epopeia que deixou rastro por onde passou. Mesmo na atualidade, em que a emigração/imigração é um fato corriqueiro num mundo globalizado, como emigrante açoriana que sou, deixo, no país que adotei para viver, geração luso-brasileira que há de continuar no sangue e no viver as marcas que trago do meu povo.

Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 28/05/12

Dados e referências bibliográficas:
. Emigração Açoriana (Luís Mendonça e José Ávila)
. Anais do Município da Horta ( Marcelino Lima)
. Famílias Faialenses (Marcelino Lima)
. Memória genealógica das famílias faialenses (Francisco Garcia do Rosário)
. A Oeste das Minas. Escravos, Índios, homens livres numa fronteira oitocentista. Triangulo Mineiro (Luis Augusto Bustamante Lourenço)
. WWW. Potyguar.com.br/Amapá/primeiros colonos
. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do espírito Santo (n.o 66. 211).
. As Famílias Portuguesas Radicadas no Espírito Santo (Artigo de Paulo Struck de Moraes Vice-presidente do IHGES)
. Povoadores do Sertão do Rio da Prata ( Benedito Antônio Miranda Tiradentes Borges),

terça-feira, 29 de maio de 2012

FRESCOS

1
Do ponto de vista literário e no que concerne à obra que em tal âmbito tenho vindo a lavrar, o ano de dois mil e onze foi uma verdadeira viagem no tempo. Havendo escrito os últimos contos da trilogia dedicada à Margem Sul, passei então à compilação desse terceiro volume, o que me levou a ter que rever e transcrever histórias que no limite iam à distância de uma vintena de anos. Pois a esse mergulho no passado, seguiu-se outro ainda mais profundo. Decidido a levar em frente, neste bonito espaço de liberdade, aquilo que considero a minha apresentação enquanto escritor, tomei por boa a ideia de dar a conhecer a primeira vertente desse meu labor que consistiu num projecto que vim a assinar como Luciano França e que elaborei no decurso da minha licenciatura que terminei no princípio da juventude. Trata-se de material que ficara adormecido nas caixas de arquivo e que, praticamente desde a sua conclusão e, logo então, de uma primeira tentativa de ordenamento, abandonara sem qualquer ponderação séria. Três décadas mais tarde em relação aos primeiros textos e um bom quarto de século após esse arquivamento, é natural que a memória do que tinha feito se tivesse esvaído e que ao tentar escolher o material que mais se adequasse a ser dado à estampa neste sítio, eu me tivesse deparado com a impossibilidade de efectuar uma opção criteriosa sem que antes me desse ao esforço de rever todas aquelas folhas soltas em que registara todo aquele conjunto de peças. Assim, estando então disponível por ter concluído um volume de contos e, com ele, o próprio projecto Sebastião Sorumenho de que faz parte, lancei-me nesta tarefa de trabalhar aqueles papéis e de lhes oferecer o olhar analítico que nunca lhes dispensara para, com isso, finalmente os distribuir pelas unidades em que se dividem. Sem o esperar, vi-me dessa maneira transposto para o pretérito dos começos da minha vida de adulto e desta minha solitária aventura pelos meandros das letras e do pensamento. A este respeito, devo confessar o muito que me agradou ter ido ao encontro de todo esse vivido distante.

2
Comecei a escrever por graça, depois ganhei-lhe o gosto. Tinha onze anos de idade quando, por influência de alguém que não mais voltei a ver e de quem não mais tive notícias, me saiu um poema que naturalmente partilhei e pelo qual recebi elogios e incentivos que me levaram a repetir a gracinha e novamente me proporcionaram a satisfação pela curiosidade de me ver lido e compreendido pelos adultos do núcleo familiar e de amigos que comigo conversavam a esse respeito. Por isso fui lavrando o domínio da poesia nos anos seguintes, ao ponto de compilar um volume que ofertei a meu pai, no Natal de setenta e três, estava então próximo de completar as quinze Primaveras, no mês seguinte. Nesse entrementes percebera o quanto gostava de me sentar perante uma folha em branco e deixar que o pensamento aí desenhasse as letras e as palavras que davam corpo às peças em que expressava o que pretendia dizer, até que percebi ter-se instalado esse hábito, verificação que me levou a pensar em aventurar-me em outros campos, a meu ver mais difíceis, de que o romance foi a primeira experiência. Obviamente, jamais passei de pastiches, tanto em esse como nos trabalhos que seguiram, mas a verdade é que ao momento de me decidir por um caminho para a vida de adulto, dei por mim a verificar ser a escrita a única actividade que regularmente repetira desde a puberdade meã. A perplexidade instalou-se ao perceber que era a única coisa que fazia por gosto. De parte estava a ideia ou vontade de vir a procurar transformar-me em profissional em tal área. Antes de tudo por sentir não ter a coragem suficiente para o tentar. Não estava certo de aí reunir os meios que me permitissem manter a vida abastada e culturalmente rica que os meus pais me haviam propiciado e tinha fundamentados receios de não me mostrar à altura das circunstâncias que essa opção implicaria e vir-me a sentir frustrado e infeliz, com isso correndo o risco de me ver bloqueado em termos criativos. No entanto assaltava-me a intuição que iria escrever ao longo da minha vida, pois a inquietação esmagava-me sempre que o não fazia e, cumulativamente, por compreender que era essa a forma que melhor dominava para ir construindo o meu entendimento do mundo. Era pois a esse monólogo interior que eu não queria resistir, muito pelo contrário, era ele que eu sabia que, de uma maneira ou outra, queria continuar e aprofundar na alternativa de passar pelo sofrimento da confusão perante o mundo envolvente e a vida que levava. Ricos são aqueles que nos seus dias encontram um amigo e eu posso dizer que tive essa sorte. Foram aquelas dúvidas e preocupações que eu fui formulando nas longas conversas que mantive com a Anabela Diogo e no decurso das quais fui aclareando as minhas ideias e amadurecendo decisões. Mais ainda, foi a ela que escutei opiniões que não só me pareceram avisadas, como cheias de potencialidades para o futuro do que pudesse vir a ser o meu percurso literário. Era sua leitura que eu necessitava de um bom capital de vivências, preferencialmente para lá da redoma socialmente protegida em que sempre tinha vivido. Muito mais que pelas personagens e até mesmo pelas histórias que por essa via poderia vir a conceber, a importância estava no que seguramente me habilitaria para olhar o humano e com ele ficcionar. Por consequência disso, ambos concluímos o quanto seria bom o avolumar dos conhecimentos para saber ordenar tais experiências e delas tirar partido e rapidamente concluímos que, para tanto, nada mais profícuo que uma boa passagem por estudos universitários. Ora como tinha médias que o permitiam, foi assim que decidi começar por estudar Antropologia o que levei muitíssimo a sério.

3
Foi pois no contexto da minha licenciatura em Antropologia que surgiu este projecto que assinei como Luciano França. Houve uma outra decisão que eu tomei por essa altura, a de abandonar tudo o que escrevera até essa data. Sentindo o apelo da escrita, para mim era evidente que seria um desperdício se não lhe desse uma resposta séria, isto é, se não me propusesse a escrever algo sólido que, muito prosaicamente, não viesse a envergonhar-me. Afinal, era para isso que me candidatara a seguir estudos superiores e teria que ser para isso que, também a partir daí, eu me iria preparar. Seria esse o trabalho que me interessaria e, para o almejar, não me queria sentir condicionado pelo que anteriormente escrevera. Mas a entrada na Universidade colocava-me perante um dilema; levar o curso a peito e procurar preparar-me o melhor possível e por consequência adquirir o máximo de conhecimentos ou, durante esses anos, lançar-me de corpo e alma na criação literária. Pesando as alternativas, se num primeiro passo estabeleci que muito dificilmente conseguiria bons resultados se a ambas me dedicasse com igual afinco e, sobretudo, em igualdade no plano das prioridades, logo me ficou claro que poderia muito bem compatibilizá-las entre si, respeitando, inclusivamente, o maior grau de importância que à primeira deveria atribuir. Por outras palavras, seria perfeitamente plausível que eu viesse a obter bons resultados com os estudos, ao mesmo tempo que poderia dar início ao trilho da criação literária. Assim surgiu o projecto Luciano França. Eu sabia que no quinquénio que tinha pela frente, não encontraria disponibilidade mental para me largar em águas mais profundas, como o são, por exemplo, aquelas que um romance requer. Nem isso me pareceu uma desvantagem impeditiva, na medida em que nem sentia então o traquejo para o tentar dentro dos novos critérios de exigência que me impusera, ainda que nas férias grandes de oitenta e três me tenha saído espontaneamente um esboço que vim a usar mais tarde para um dos romances de Sebastião Sorumenho. Fosse como fosse, no princípio do Verão em que matriculei no Instituto Superior, percebi que se não iria ter espaço para esses trabalhos que seguramente requereriam mais tempo e um acompanhamento mais cuidado, não era por isso que deixava de ser incontornável a necessidade de continuar a escrever, até pela simples razão de manter e reforçar o hábito de o fazer. Surgiu-me então a ideia que poderia harmonizar as pretensões em causa, se me limitasse a obrigar-me à disciplina de escrever todos os dias, mesmo se acabasse por me cingir à mais modesta das frases. Daí a minha decisão de elaborar um projecto de escrita automática, de acordo com o qual, chegasse a que horas chegasse e como chegasse a casa, eu me sentaria à secretária e botaria para o papel o que viesse à cabeça nesse momento. Desde logo me pareceu ser esse o melhor modo de atingir os meus objectivos, com a certeza de estar a fazer algo que se enquadraria numa das tradições literárias que é o surrealismo.

4
Da aplicação desses princípios produzi tudo aquilo que é o espólio de Luciano França. Foram anos intensos esses, em que dediquei o melhor das minhas forças e capacidades aos estudos antropológicos e durante os quais percorri alguns empregos que me asseguraram a subsistência e me pagaram as despesas académicas, mas durante os quais também fiz algumas viagens e até campanhas de trabalhos nos campos, à época no âmbito das colheitas. E nunca me esqueci de andar apetrechado com papel e lápis bastantes para continuar o exercício auto-imposto de registar as ideias que me ocorriam, surgissem elas sob a forma dos toscos poemas que fui escrevendo, ou apenas na de sequência de palavras que ia articulando sem quaisquer preocupações de sentido ou significado. Quando em Agosto de oitenta e cinco escrevi uma novela – “A Angústia de Laura” – com que decidi inaugurar o projecto Sebastião Sorumenho e, com ele, a actividade ficcional que me interessava vir a fazer e em que, de facto, pretendia vir a navegar no mar da literatura, não só dei por findo Luciano França, como simultaneamente dei conta do quanto este era vasto em número e diversificado nas temáticas que aí poderia encontrar. Passados todos estes anos e tomando o conjunto no seu todo, independentemente da reduzida qualidade que certamente terá, tenho que vê-lo e classifica-lo como uma obra à parte de tudo aquilo que vim a produzir posteriormente. Antes de mais, por ser a minha passagem pela complexidade do universo poético, pois não mais voltei ao género com um carácter sistemático e metódico e qualquer das poesias que desde então me aconteceram, em nada obedeceram aos requisitos e propósitos de um projecto de escrita automática. Mais importante que isso, tudo o que se lhe seguiu foi elaborado exactamente ao contrário de tais pressupostos, na medida em que se trataram de construções que partiram de reflexões e escolhas profundas sobre aquilo que queria fazer. Contudo, não deixa de ser por isso que Luciano França continuará a marcar o princípio da minha vida de escritor e, a não haver outra razão, por essa, jamais poderá deixar de ser considerado se quisermos entender todo o caminho que tenho vindo a palmilhar na literatura ao longo de toda a minha vida de adulto. Será então uma das catorze compilações que reuni em tal projecto que lhes apresentarei a partir daqui. Não porque a tome como a mais representativa ou a melhor do conjunto, mas apenas por a ver como a que mais se adequa a ser publicada num espaço como este. Olhando agora para trás e avaliando Luciano França no global da minha produção, não tenho como reivindicar para ela valias de qualidade e muito menos de inovação, ainda que o tenha colocado na sequência de uma tradição criativa, o surrealismo e dele possa dizer que, do ponto de vista formal, se insere no que de mais moderno se tem feito na poesia contemporânea. No patamar do interesse para a obra que tenho produzido, vejo-o essencialmente como um período de treino, aprendizagem e experimentação. Na verdade, foi aí que ganhei hábitos e disciplina de escrita e, paralelamente, não apenas avolumei conhecimentos, como desenvolvi a criatividade no plano da linguagem metafórica e de outras técnicas de expressão escrita. Sem prejuízo do que acabei de escrever, interessa que o querido Leitor possa dispor dos materiais relevantes para que lhe seja dada a possibilidade de avaliar o meu trabalho e, em concomitância, traçar uma primeira ideia do que tem sido o meu percurso nesta ousadia de querer elaborar uma obra literária. Contudo, como não lhe reconheço uma qualidade bastante que justificasse, só por si, a sua publicação neste espaço e para que ao querido Leitor não defraude, no tempo que tão generosamente me concede, acompanharei esta apresentação poética com a do meu último romance, acabado em dois mil e dez e que titulei “A Comunidade do Vale da Esperança – Uma Crónica”. Assim e até que o primeiro deles termine, oferecer-lhes-ei estes dois trabalhos ao longo das muitas terças-feiras que, a partir de hoje, se seguirão pelo que, desde já, deixo o voto para que sejam do vosso agrado. Bem hajam todos aqueles que façam a crítica do que os meus parcos talentos têm conseguido.

Luís F. de A. Gomes
Tavira/Alhos Vedros, 17 e 24 de Fevereiro e 4 de Março de 2012

segunda-feira, 28 de maio de 2012

PENTECOSTES – O PRINCÍPIO DA DEMOCRACIA ESPIRITUAL. Liberdade e Inovação são Qualidades do Espírito



António Justo

 No Natal Deus desce à terra, torna-se carne/terra. Depois vem a Páscoa a apontar para a vida como via-sacra em que a Cruz se torna símbolo da existência que é feita de morte e de ressurreição. No Pentecostes completa-se o ciclo vital em que a natureza através da pessoa humana ergue os olhos da terra para o alto, para o céu, no reconhecimento de que o Homem é feito de terra e céu. Proximidade e distância são partes integrantes da pessoa. As fronteiras do homem e do seu biótopo não se deixam definir pelo horizonte que o nosso olhar permite. Há o longe, o distante que chama e tudo move para lá dos nossos limites sensoriais. O longe só é perceptível aos olhos do coração.

O Pentecostes inicia a capacidade de respirar um ar invisível que tudo suporta. A experiência da luz (línguas de fogo que vêm do alto) afasta o medo e possibilita a aventura criativa e criadora. Cada ser fica cheio de luz, grávido de Deus. O problema é a crusta, o limite (identificador) que o envolve e leva a afirmar o limite contra o universal integrador. O Paráclito é a essência comum ao particular e ao todo; ele é o nós do eu e do tu, à imagem do eu (Pai) e do tu (Filho JC) que, em relação íntima, cria o terceiro, o nós (Espírito). Por isso a celebração do Pentecostes anda ligada à festa da Trindade. Ireneu de Lyon condensou a Trindade na frase seguinte: «O Pai é complacente e ordena, o filho obra e forma, o Espírito nutre e incrementa». Segundo a filosofia cristã o ser humano está chamado a ser parceiro divino da criação à imagem do JC na filiação divina. A relação criador-criatura faz do cristianismo um monoteísmo mitigado.

Assim, não chega correr com os outros; cristianismo é mais que compromisso, é ser margem e rio ao mesmo tempo, espírito e matéria em reconciliação. Na metáfora da realidade que a natureza oferece, no ciclo da água que na sua essência inclui, ao mesmo tempo, os estados sólido, líquido e gasoso, pode pressentir-se a essência do nosso ser: mudança e permanência, espírito e matéria, igual e diferente. O mesmo somos nós a nível de indivíduo e de eclésia. O Paráclito é um desafio à solidariedade e conciliação dos elementos, à capacidade de adaptação contínua ao novo, porque só assim permanecemos nós, não podendo ser reduzidos a mero leito onde a vida passa.

O espírito tem uma relação céptica perante o leito mas sem ele faltar-lhe-ia o seu fundamento para poder ser fluxo. A existência é feita de perguntas e respostas em contínua interacção. Parar numa pergunta ou numa resposta seria negar a vida; por isso o Espírito fala em várias línguas, também a tua e a minha. O espírito flui onde e como quer. Importante é a abertura e não a incrustação de vida em preconceitos teorias ou dogmas, como se a verdade e a realidade fosse apenas sólida. Se a afirmarmos como sólida ela é líquida e se a afirmarmos líquida ela é gasosa, sim porque a questão está na nossa visão de perspectiva que é selectiva e não inclusiva.

Pentecostes é também celebrado como o aniversário do nascimento da Igreja como comunidade com a missão de viver e levar a Boa Nova à humanidade e de a viver em comunhão com a natureza. Pentecostes vem do grego e significa o “quinquagésimo dia depois” da Páscoa; o Espírito germina na pessoa e na comunidade fazendo deles agentes com a capacidade de falar muitas línguas, a linguagem do amor que é percebida nas mais diversas paragens independentemente de raças e culturas.

Cinquenta dias após a “perda” do JC, a tristeza dos discípulos é compensada pela descoberta dele na pessoa e na comunidade na vivência do Espírito; agora a presença de Deus na Humanidade passa a ser cada pessoa, cada cristão que aja no espírito e consciência do JC que resume o espírito e a matéria.

A Comunidade eclesial é aberta a todos os povos (idiomas) não se impondo uma cultura sobre a outra sendo seu característico distintivo a ágape, a caritas, o amor. O que a torre de Babel dispersou antes, congrega agora o Paráclito envolvendo tudo no fogo do amor. O característico cristão é a relação e inter-relação pessoal expressa na relação do JC com a natureza-Pai e Espírito. Ao contrário doutras religiões, aqui, a norma é uma pessoa e não um livro e a ética não se reduz a uma subjugação, ao cumprimento de letras (leis) mas ao amor soberano que tudo diviniza. O ser humano na qualidade de filho de Deus pertence por natureza à família mais nobre, tornando anti-humana e ilegítima toda a prepotência, subserviência e opressão; estas constituiriam um atentado à dignidade humano-divina inerente a cada pessoa. Por isso, os ministérios públicos, as autoridades públicas, ministros, etc., deveriam exercer actividades de serviço às pessoas porque toda a dignidade vem e acaba nela em comunhão com o toso.

A festa do Pentecostes é celebrada em toda a Igreja desde o Concílio de Elvira do ano 305. Com a descida do Espírito Santo, o dia eterno do Pentecostes torna-se o domingo dos domingos, o sábado dos sábados em que a acção divina se manifesta e realiza no e com o povo no mundo. A participação no Espírito Santo confere o dom das línguas e os dons do espírito. O ciclo litúrgico quer apontar para a realidade profunda que é o mistério da vida que é toda ela relação.

Ultrapassa-se a visão grega da vida da relação de sujeito-objecto passando toda a relação humana-divina-natural a ser uma relação de sujeitos entre sujeitos; isto é passa-se duma  consciência de relação sujeito-objecto para uma relação sujeito-sujeito que tudo personaliza e dignifica. A verdade passa a ser um acontecer e não um mero constructo abstracto ou anónimo. Como no ciclo da vida, a palavra de Deus (o Verbo) está na origem da vida tal como o fruto, a flor, a árvore e se encontram já na semente.

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e publicista

domingo, 27 de maio de 2012

Neoplatonismo

Plotino (205-270) é geralmente considerado o fundador do chamado neoplatonismo, corrente que baseia os seus ensinamentos nas ideias de Platão e dos platónicos. É um dos mais influentes filósofos da Antiguidade, depois de Platão e Aristóteles.


Plotino refere-se a três instâncias constituintes do Universo: o Uno, Deus, como indivisível e, não tendo definição possível, indizível; Nous, a mente, ou a parte racional da alma; e a Alma, o elo entre o Espírito e o corpo do homem.

O Uno, na medida em que produz a vida, cria também a Alma do mundo (psyshé) que contém todas as almas.

 A alma não existe no mundo, é-lhe anterior e responsável pelo mundo em que vive. As almas ocupam-se tanto dos corpos (do mundo sensível) que se esquecem das realidades superiores. Neste sentido, a ligação da alma às realidades inferiores constitui uma perca, em si mesma.

De acordo com Platão, a partir da contemplação das belezas sensíveis e do desejo de contacto com a Unidade, a alma tem reminiscências da sua origem e a união é possível.

Plotino compara, de forma grosseira, a fusão com o Uno com a fusão dos amantes, embora o nível daquela fusão não tenha comparação possível. Para ele, o corpo não é um obstáculo para o reencontro do Uno, mas o intelecto (ciência) pode ser.

O Uno está sempre presente. Quando nos conseguimos afastar das coisas que prendem a nossa atenção, o Uno manifesta-se. É possível uma preparação espiritual para lhe aceder, mas a iniciação do discípulo não é possível através da forma escrita, só podem ser passados por via oral. Plotino, tal como Platão, não confiavam em absoluto na palavra escrita.

No entanto, a palavra e a escrita ainda são consideradas positivas, porque correspondem ao desejo desse reencontro, todavia, é necessária uma transcendência face a essa forma de expressão.

Enquanto não somos contemplados com a experiência do Uno existe uma ânsia constante de desejos.

Carlos Rodrigues


sábado, 26 de maio de 2012

sexta-feira, 25 de maio de 2012

OBRA

Prefácio: apresento
               a obra
               na delicadeza
               da palavra
               escrita

a obra: fechada em si
            lamenta a entonação
            cortante nos desvios
            sobrepostos ao texto

glossário: alego insanidade
                 em sorrisos e nada explico
                  além dos signos traduzidos.

(Pedro Du Bois, inédito)


Brevidades também pode ser encontrado na:
Livraria Nobel, Rua Gal. Osório (entre Gal. Neto e Cel. Chicuta), Passo Fundo
Livraria Café e Leitura, Shopping Atlântico, Balneário Camboriú

quinta-feira, 24 de maio de 2012

d´Arte - Conversas na Galeria XC


Moinhos de Alburrica Autor António Tapadinhas
Óleo sobre tela 70x100cm


Quando apresentei um trabalho com os moinhos de Alburrica, falei do interesse para o património do Moinho Grande. Disse na altura:

Apesar da sua reconhecida importância histórica, por causa das modificações ambientais no estuário do Tejo, ou da ondulação provocada pelos catamarãs, ou pelo conjunto destes dois factores, pois como se sabe, um mal nunca vem só, se não forem tomadas medidas para evitar o ataque aos seus alicerces, estes três moinhos estão em risco de ruir, principalmente o Moinho Grande, único no país, segundo alguns historiadores.

Não estava muito visível nesse trabalho, o risco em que eles se encontravam por estar na baixa-mar. Nesta tela, dá para imaginar as ondas a retirar a areia dos alicerces dos moinhos de Alburrica.

Disse La Fontaine: Trabalhai, fazei alguma coisa: é o alicerce mais seguro.

Ele não se referia a moinhos: eu sim!

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Ainda a Primavera

Nas zonas temperadas do hemisfério norte é tempo de Primavera, neste caso com Moinho da Encharroqueira em fundo, Alhos Vedros.

Foto de Lucas Rosa

terça-feira, 22 de maio de 2012

Muçulmanos Radicais à Conquista da Europa. Salafistas pregam a sua Hegemonia.


António Justo
Muçulmanos salafistas usam uma estratégia de infiltração eficiente em diversos meios, especialmente, na arte, Internet e juventude para uma islamização sistemática na região dos “incrédulos” (“Kuffar). Com a sua guerra santa pretendem fomentar o Islão com a Sharia (direito muçulmano) na Europa, querendo que a Europa volte à idade Média. Querem, distribuir gratuitamente na Alemanha, Áustria e Suíça, alegadamente 25 milhões de livros do Corão. Esta inventiva Árabe visa radicalizar especialmente muçulmanos moderados (na Alemanha há um número superior a 4 milhões de muçulmanos) e recrutar principalmente jovens europeus desorientados.

Em acções de dois fins-de-semana, em Zonas de peões da Alemanha, já distribuíram 300.000 livros. Os resultados da agressão ideológica já se fazem sentir no radicalismo de manifestações na rua.

Emigram para um mundo que consideram inimigo e vêem-no como sua zona de combate. “Lutam por uma espécie de califado europeu, onde não se deve aplicar o direito ocidental mas sim o da Sharia”(in Der Spiegel n° 17/23.4.12); organizam-se em redes como a “Millatu-Ibrahim” (Comunidade de Ibrahin) na Alemanha, fundada por Mahmoud e pelo ex-rapper Cuspert; tornam-se muito eficientes através da infiltração em mesquitas moderadas. Com os seus songs, Cuspert consegue atingir os sentimentos da juventude em textos como “O teu nome corre no nosso sangue” referentes a seus ídolos, entre eles, Bin Laden. Muitos vivem da ajuda assistência social do estado como refere o Jornal Stuttgarter Nachriten no caso do pregador salafista Ibrahim Abou-Nagie que receberá para ele e família entre 2.300 e 2.500 euros por mês. Ele terá sido, segundo afirmou, o iniciador da acção da distribuição dos livros do Corão.

Os Salafistas usam o âmbito da liberdade europeia para missionar uma sociedade que consideram incompatível com a sua e em que a sua fronte de guerra é o mundo cristão. “A nossa arma é a Internet” afirmam salafistas que se consideram a elite da religião maometana. Na Alemanha há entre 3.000 e 5.000 salafistas, recrutados geralmente da segunda e terceira geração de emigrantes. Têm figuras ideais como o ex-pugilista Pierre Vogel e personalidades ligadas à Al-Qaida. Tal como os extremistas nazis encontram-se sob observação do Estado.

O Estado sente-se de mãos atadas perante adversários da sociedade ocidental, como os salafistas. Desde que saibam empacotar a sua mensagem de maneira a não apelar directamente à violência, as autoridades não podem fazer nada, embora conheçam a cena de extremistas que preparam atentados como o de Frankfurt em que dois soldados americanos foram mortos por um companheiro de Mahmoud. Der Spiegel cita Mahmoud, o qual afirma que a diferença entre os seus inimigos e e os muçulmanos crentes, é: “Eles amam a vida e nós a morte”.

Os salafistas são a ponta de lança dos Wahabis da Arábia Saudita. Por toda a parte se observa o aumento da radicalização de grupos islâmicos que antes eram mais tolerantes.

O povo indonésio que antes tinha uma tradição pacífica tem sido influenciado por forças muçulmanas radicais árabes. Tem-se observado, nas últimas décadas, uma radicalização da sociedade indonésia em que muçulmanos que tinham nomes hindus abdicam do seu nome de tradição hindu para assumirem nomes árabes, e aniquilam indígenas de Papua, transplantando muçulmanos para esta região, seguindo a política de colonos como faz a China no Tibet. É preocupante observar como tradições culturais de zonas geográficas amenas abdicam da sua alma afável para adquirirem a aspereza cultural nómada do deserto. Por todo o mundo muçulmano se tem observado uma contínua radicalização. A Arábia Saudita, o Irão, o Paquistão e o Afeganistão têm sido os maiores incrementadores do extremismo árabe.

São tendências que a História corrige mas a custo de grande tributo. Segundo previsões do CBN, no ano 2030, a maioria da população de Bruxelas será muçulmana. Aber Imran, chefe do grupo “Sharia 4 Belgium” afirma: “Democracia é contrária ao Islão” e Allah é quem diz “o que é proibido e o que é permitido”.

Grupos moderados muçulmanos não se levantam contra os salafistas nem contra terroristas muçulmanos porque estes se fundamentam no Corão e para os contradizerem entrariam em contradição com o Corão.

Os salafistas no Egipto (“Partido da Luz”) conseguiram 30% dos votos. Todo o norte de África se encontra a caminho duma radicalização nunca vista.

As diferentes civilizações ainda se encontram muito subdesenvolvidas e primitivas no que toca ao seu estádio espiritual. Só uma atitude de respeito de todo o Homem e de toda a cultura para com o Homem e para com a natureza poderão levar à paz. De momento, o extremismo ideológico político-religioso e o extremismo económico dominam os povos.

António da cunha Duarte Justo

segunda-feira, 21 de maio de 2012

XXII FESTA DO ESPÍRITO SANTO


XXII
F E S T A D O E S P Í R I T O S A N T O
DOMINGO DE PENTECOSTES
27 de MAIO de 2012
ARRÁBIDA
11.00 h - Encontro junto ao Convento da Arrábida -Fundação Oriente
Subida ao Convento Velho
11.30 h - SAUDAÇÃO - Capela da Memória de Nossa Senhora da Arrábida
CELEBRAÇÃO
O Culto Popular do Espírito Santo
textos de: Agostinho da Silva, António Quadros,
Dalila Pereira da Costa (in Memoriam)
COROAÇÃO DAS CRIANÇAS
Evocação / Música - Cânticos
Trovas para o Menino Imperador, de António Quadros
Divino Espírito Santo, quadras de Agostinho da Silva
BODO
13.30 h - Junto ao caminho de Alportuche. Será oferecido o bodo.
Durante a tarde - 
CONFRATERNIZAÇÃO
Convite à livre participação das pessoas presentes.
Participação de: Associação Agostinho da Silva
Fundação António Quadros
Círculo António Telmo
Escola Aberta Agostinho da Silva /CACAV
L. UniVerso

“Festas proféticas de uma Idade de Amor e de Fraternidade Universais”
António Quadros, 1991

“O que o mundo afinal precisa é homem novo que seja, a um só
tempo, a um só impulso e a uma só obra, artista, sábio e santo.”
Agostinho da Silva, Estudos e Obras Literárias

”cruzada sob o signo do amor; pela fraternidade ecuménica entre os homens.”
Dalila Pereira da Costa, A Ladainha de Setúbal

C O N V E N T O S O N H O / A S S O C I A Ç Ã O A G O S T I N H O D A S I L V A
Apoio: Convento da Arrábida - Fundação Oriente

domingo, 20 de maio de 2012

Era uma vez...


Era uma vez um menino que tinha um vovô e uma vovó. Um dia o menino virou Papai Noel e o vovô virou o homem de gelo, tinham começado o sonho e a brincadeira.

- Vovó, eu preciso de duas cadeiras da cozinha, uma pra mim e outra pro vovô homem de gelo, pra fazer o meu trenó.
- Está bem, pode pegar.
- Leva pra mim, eu sou Papai Noel e sou velhinho...
- Então o “senhor” me ajuda levando uma enquanto levo a outra. Certo?

Montado o trenó na varanda, eis que de lá vem um novo chamado:
- Vovó, eu preciso de mais “cadeira” porque o trenó tem que ser grandão pra caber tudo, senão as criancinhas não vão ter “ brinquedo”.
- Tudo bem Papai Noel, vamos buscar as outras.

E assim as cadeiras da cozinha, os banquinhos, tudo foi sendo transferido para a varanda, montando o grande trenó da fantasia infantil.
Espichado o trenó surge, de imediato, uma nova questão “dificílima” de resolver.
- Vovó, eu não tenho “arrena” e o Kamba  não quer puxar o trenó.
- Tudo bem Papai Noel, vamos buscar as coleiras.

Com as coleiras e as guias nas mãos, em dois tempos, muito contra a vontade deles, Lady, uma cocker de sete anos, Joe, um vira-latas amarelinho que já conta dezoito para dezenove anos, e Kamba, um labrador de nove anos, transformaram-se em renas mágicas para puxar o trenó. Pronto, fazendo de conta que as renas de Papai Noel eram apenas três, lá se foram voando na imaginação aguçada o menino Papai Noel e o vovô homem de gelo distribuindo alegria, aventura, brinquedos imaginários pelo mundo todo e muita felicidade pela casa. Uma noite mágica como mágicos eram todos os encontros entre o menino de quatro anos e seu vovô.

Não demorou muito tempo, apenas um mês, o menino voltou sorrindo procurando o vovô para brincar mas ele não estava mais lá.
- Vovó, onde está o vovô, ele vai demorar ?
- Vovô, meu amor, está no céu. Papai do céu precisou de um vovô bonzinho para ajudar a Ele e levou o seu para morar lá. Ele não volta mais. Vai ficar vendo você lá de cima das nuvens...
- Mas não tinha outro vovô pra Ele levar?
- Papai do céu sempre chama aqueles que Ele gosta mais pra ficarem pertinho Dele. Quando Ele chama, a gente não pode desobedecer.  
- Por quê ?
- Você pode desobedecer ao seu papai?
- Não, mas vovô já é grande, até dói o joelhinho...
- É, mas Papai do céu é muito maior e mais velho. Vamos falar de outra coisa?
Vamos, mas me conta, como é que vovô foi pro céu?

E a vovó, abraçada ao menino e contendo as lágrimas, começou:
- Lembra que você e vovô plantaram feijões mágicos? Pois bem. Era uma vez um vovô.....

                                                                            Nádia P.Chaia (Sidewí)
Maricá, maio de 2012.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Povos & Culturas da Hispânia/Espanhas/Ibéria: A História de Moisés de Leon (1238-1305)


Busto em Guadalajara (Espanha) de Moses de León, filósofo e rabino judeu do século XIII, auteur del Zohar, realizado por Luis Sanguino.

O judaísmo passou por um renascimento na Hispânia medieval. Os governantes islâmicos toleravam a prática da fé judaica e os judeus trabalhavam como comerciantes, banqueiros, artistas e até diplomatas. Enquanto alguns judeus mantinham a visão bíblica de Deus, outros tentavam dar a Ele uma interpretação mais mística e simbólica. Uma forma especial de misticismo era conhecida como cabala, ou ”tradição herdada” e um dos místicos judeus mais importantes foi Moisés de Leon (cerca de 1240-1305).

Moisés nasceu na Hispânia,  quando jovem estudou a teologia de Maimônides, mas gradualmente começou a sentir a vocação para o misticismo. Na Hispânia, estudou com vários cabalistas, até finalmente se estabelecer em Ávila.
Em 1275 aproximadamente, escreveu o Zohar (O Livro do Esplendor), um romance místico que apresenta o rabino do século III Shimon bar Yohai vagando pela Palestina e falando com seus discípulos sobre Deus, a natureza e a vida humana. O livro não tinha estrutura nem desenvolvimento de tema e apresentava a idéia de que Deus resiste a qualquer sistema de pensamento – em vez disso. Deus dá a cada místico uma revelação única e pessoal.

Moisés de Leon formulou a hipótese de que Ein Sof (Deus) somente poderia se tornar uma personalidade, de uma maneira que os humanos poderiam conhecer, através de um meticuloso processo de dez etapas. Kether (Suprema Coroa ou ”chama escura”) era o primeiro passo, seguido por Hokhmah (Sabedoria) e Binah (Conhecimento). Ao descer de Kether para Binah, Deus ficou conhecido como ”Ele”, uma presença masculina.

Segundo Moisés de Leon, duas coisas haviam interferido no processo divino. Em primeiro lugar, Adão escolhera venerar apenas o Shekinah, distanciando assim a vida do conhecimento. Em segundo, Hesed (Misericórdia) e Din (Julgamento Severo) haviam se separado um do outro. Sem o efeito equilibrador da misericórdia, o julgamento havia investido furiosamente, causando caos no mundo.

Pouco sabemos sobre o resto da vida de Moisés de Leon. Entretanto, ele deixou uma teoria que atraiu a atenção dos judeus de todo o mundo. O que escreveu parecia sugerir que os atos e orações do homem tinham significado cósmico, uma vez que eram necessários para que o espírito divino se restaurasse e se unisse novamente consigo mesmo. Além disso, a idéia de que Deus precisava (ou queria) se tornar humano conferia uma nova importância à humanidade.

Margarida Castro

Fontes consultadas  : 
Mapa Interativo da Hispânia que identifica os reinos conforme marcamos as datas  e um bom texto sobre o Al-Andalus e a Reconquista da Hispânia Islâmica    http://explorethemed.com/ReconquistaPt.asp?c=1 
O último cabalista de Lisboa (ficção), de Richard Zimler, Companhia das Letras, 1999  http://www.wook.pt/ficha/o-ultimo-cabalista-de-lisboa/a/id/77345

quinta-feira, 17 de maio de 2012

d´Arte - Conversas na Galeria LXXXIX


Igreja De São Lourenço Autor António Tapadinhas

Acrílico sobre Tela 60x70cm

Para terminar esta série, mostro um monumento cuja fundação remonta ao século XIII, a Igreja de São Lourenço, também chamada Matriz de Alhos Vedros, com o enquadramento do seu novo jardim.
Como poderão recordar foi na apreciação do quadro com o altar-mor desta igreja, que se gerou a discussão entre um casal, em que o marido garantia que eram pedaços de azulejos colados e a mulher, mais perspicaz, garantia que era pintura.
O resto, já pertence à história: ele, para provar à mulher que tinha razão, tirou a navalha do bolso para levantar os azulejos virtuais…
Eu, como se pode constatar, sobrevivi ao susto... e a obra também!

quarta-feira, 16 de maio de 2012

"Espírito Contraditório"


Penso que tenho algo
Pesa-me na mão vazia
Algo que seja material
Mesmo que nada seja

Estou em desiquilibrio
Ando sem norte ou sul
Guino para lá e para cá
Desvio tropêgo o passo

Olho para o finito à vista
Vejo vagamente pouco
Pressinto só a ausência
Quando muito mais ha

Levo tal e qual o que dá
Trago tudo de uma vez
Regulo mal a medida
Meço a litro a quantia

Há desordem no andar
Piso a meta sem lugar
Perco o numero talvez
Bato no peito à chegada

Grito em glória futil
Chamo nomes à toa
Oiço o eco nos olhos
Há neles o perfil sonoro

Viro o futuro do avesso
Mergulho fundo o dedo
Aponto-o ali para o acolá
Acenando à cena passada...

Escrito em Luanda, Angola, por manuel de sousa, a 15.05.2012, em Dedicação aos Seres Humanos do Futuro...e do Passado...

terça-feira, 15 de maio de 2012

A mercantilização das relações humanas na seara espírita

Dia após dia, convivo com isso e percebo o crescimento do fenômeno da mercantilização das relações do ser humano consigo mesmo e com as demais pessoas, de tal maneira que os trejeitos, os condicionamentos instaurados no mercado de trabalho, na contemporaneidade, adentram não só o solo frio das empresas privadas, mas também das organizações públicas e das instituições sociais – a família, a escola, os ambientes religiosos. 

Não tenho a pretensão de esgotar todos os temas acima assinalados, uma vez que este texto tem a finalidade de expor minhas reflexões sobre aspectos da convivência no movimento espírita que mais têm me gerado preocupação, no bojo da mercantilização das relações humanas.

No que toca ao ideal cristão, a casa espírita se reveste da finalidade de proporcionar ambiente de convivência fraterna, com o objetivo de fomentar o desenvolvimento do potencial humano para o bem, para o amor e a solidariedade, características da formação humana, tão importantes para a aquisição de virtudes, tais como o respeito ao próximo, a amizade autêntica, a afeição sincera, a empatia e a assistência real diante das necessidades. 

A despeito desse nobre propósito de que estão imbuídas as fraternidades espíritas, noto, nos dias atuais, a infiltração, na seara do movimento espírita, da competição desenfreada, da pouca consideração fraterna e incondicional, da patrulha ideológica, da disputa evolutiva, de variadas condutas que desembocam no mesmo resultado: exclusão e opressão.

O que chamo de competição desenfreada? A casa espírita, ao longo do tempo, como reflexo de seus integrantes, é uma caixa de ressonância das mudanças e transformações por que passa a humanidade, absorvendo padrões de comportamento tanto benfazejos quanto deletérios. Nessa segunda categoria, enquadra-se a concorrência velada entre parcela de confrades espíritas pelo título social do “mais virtuoso”, do “mais evoluído”, do “mais produtivo” em esvaziar o umbral, a vaidade inconfessa de se exibir na condição de humilde obreiro a quem foram repassadas as informações mais recentes ou bombásticas sobre os bastidores do plano espiritual e a disputa entre os seus pares pela posição de trabalhador espírita mais operoso em zelar pela pureza doutrinária e pela deferência aos dirigentes espíritas de maior influência política no centro ou na federação a que se filiam.

Os fenômenos de grande expressão no ambiente espírita, a exemplo da hierarquização por competências (dando-se primazia, em uma espécie de pirâmide hierárquica, aos médiuns considerados mais valorosos e aos dirigentes ditos mais preparados), somada ao grande volume de orientações espirituais e de outras formas de assistência extrafísica, conferem a algumas pessoas, no âmbito da militância espírita, o poder de mando e de persuasão que, embora pudesse ser meio de agregar valores e aprendizados coletivos, é desviado para a manutenção da exclusão de muitos confrades que não se enquadram no estereótipo de obreiros produtivos, alegres e dóceis.

Por vezes, no afã de serem notáveis artífices da libertação em massa de Espíritos aprisionados em masmorras das trevas onde colaboraram, de forma exemplar, com os preparativos para a transmigração planetária de obsessores que atuam em nível planetário, esquecem-se muitos trabalhadores espíritas de também voltarem seus olhos para companheiros de seara kardequiana, que, encarnados neste mundo de provas e expiações, estão à espera somente de um rastro de luz, isto é, de uma palavra fraterna, de pequenos gestos de empatia e compaixão, para que possam enfrentar, com coragem, os desafios da vida terrena. 

Nesse processo de deslumbramento com missões de salvamento de Espíritos desencarnados e com o enfrentamento das trevas na erraticidade, valorosos membros da comunidade espírita ignoram o sofrimento e a dor daqueles que estão em seu entorno, na esfera dos encarnados: infelizmente, ao invés de não deixarem a candeia embaixo do alqueire, muitos dos militantes espíritas se evadem de seus deveres morais em relação a seus irmãos encarnados e contribuem para o esvaecimento (verdadeiro “apagão”) da luz interior em muitos irmãos. 

Em uma comunidade, dentro da sociedade atual, todos, homens e mulheres, estão sujeitos a variadas vicissitudes, visto que fazem parte de um ecossistema ainda inserido em contexto de mundo de provas e expiações, extensivas a todos os seus componentes, tanto encarnados quanto desencarnados. 

Em outras palavras, é importante conciliar o socorro aos irmãos e às irmãs no plano espiritual em condições enfermiças com o amparo a encarnados e a encarnadas partícipes do meio espírita que, igualmente, necessitam de cuidadosa assistência e, muitas vezes, são deixados em segundo plano.

Quantos, entre nós, não são encarnados enfermos a pedir socorro, no cotidiano, e, como vozes não visíveis, são negligenciados pela vaidade humana, que se ufana em priorizar o atendimento a irmãos que se encontram no outro plano existencial da vida?

Nas experiências cotidianas, embora atravessadas por inúmeras tarefas, que nos colocam como servidores de uma rotina humana na Terra, ainda assim somos convidados a refazer nosso modo de ser, inclusive a nossa postura em relação a nossos companheiros e companheiras (encarnados e desencarnados) de lida espírita e de outros segmentos da vida em sociedade.

Não acredito que todos os esforços estejam condenados à perdição da pessoa em si mesma. 

Acredito e tenho esperança na capacidade humana, porque sei que ainda somos aprendizes para o saber que nos contemplará como portadores de uma real humanidade. 

A formação de nossas capacidades, por meio do afeto e do desenrolar dessa afetividade, muito contribuirá para que o medo e a desconfiança cedam lugar às relações transformadoras e educativas. 

Que a formação de grupos afins sirva de ânimo para a continuidade do espírito cristão com que um dia fomos contagiados e que, como semente, pede luz, pede o alimento, para ter força e romper a terra dura de nossos corações. 

A casa espírita, respeitando a sua condição humana, tem grandes chances de não se tornar mais uma ruína arquitetônica da experiência religiosa em nossa plurissecular caminhada evolutiva. Basta que os seus arquitetos, os seus responsáveis, os seus frequentadores instalem em seu seio os fragmentos do cuidado entre si e com todos. 

Não fiquemos só preocupados com o resgate de irmãos que já se encontram em condições de desencarnados. 

Não deixemos à margem aqueles que lutaram para adentrar as portas da comunidade espírita e que precisam construir ou reconstruir a sua fé sólida, o seu afeto por si mesmos e pelo demais e que não encontram amparo em outras instituições humanas atuais. 

Que o poder seja o poder de direcionar a vaidade e o orgulho para a construção do acolhimento e da compreensão de que todos precisamos, sob a premissa de que todos estamos a trilhar o caminho da evolução em condições árduas, próprias do mundo de provas e expiações no qual habitamos. 

Não existe mediunidade melhor ou pior: existe mediunidade com Cristo e sem o Cristo. 

Não me recordo, na história do Mestre, de nenhum comportamento excludente por esse ou aquele motivo. Todos que o procuravam tinham a mesma atenção e respeito, recebiam aquilo de que necessitavam e Jesus sabia ouvir e compreender cada pedido. Que possamos desenvolver a capacidade de ouvir sem julgamentos, de exercitar a suspensão de juízos e valores na condução e assistência de todos os homens e mulheres. 

Ouvir é acolher! Ouvir é se colocar à disposição do outro sem subserviência nem dominação. Permita a si mesmo caminhar com os seus irmãos e crescer sempre. Não se esqueça de que a única verdadeira ameaça que pode surgir em seu percurso de vida é a ameaça que nasce dentro de você. Aprenda a se conhecer, saindo da própria concha existencial, abrindo-se à coexistência fraterna com todos, homens e mulheres, encarnados e desencarnados, quer tenham afinidade com seus ideais e visão de mundo, quer comunguem de ideologia e valores diversos, com os quais, inclusive, em razão da diversidade, podemos nos enriquecer como pessoa e nos desenvolver como Espíritos imortais.

  
FERNANDA LEITE BIÃO 
Belo Horizonte, Minas Gerais (Brasil) 

A autora é psicóloga e orientadora profissional em Belo Horizonte. Mestranda em Educação Tecnológica (CEFET-MG).