Por
Abdul Cadre
vENDAS nOVAS, 6 DE mAIO DE 2012
Escrevo a propósito da reencarnação, mas não do propósito da mesma, porque isso seria envolver-me em algo a que me esquivo o mais que posso, pois não me cabe catequizar ninguém, apenas me disponho a apresentar perspectivas pessoais e indicar fontes que considere interessantes.
Podemos ver a reencarnação numa perspectiva
imediatista e restrita, o que não obsta, antes pelo contrário, a que submetamos
tal perspectiva aos seguintes pressupostos
1) – A vida humana
manifesta os dois opostos fundamentais integrantes do seu processo de renovação
permanente: NASCER e MORRER.
2) – Nascer e morrer são
transitoriedades, um processo pelo qual a consciência navega entre planos e
assume estados evolutivos do ser.
3) – A morte
caracteriza-se pela desagregação material e pelo esquecimento.
Postos estes quesitos, aceitemos ainda que nascer
envolve morrer-se um pouco em cada dia, como inevitabilidade, e reencarnar a
cada minuto, como assumpção. Viver plenamente é ter o entusiasmo da assumpção,
dado que o contrário fará de nós apenas cadáveres adiados que procriam, como
diria Pessoa.
Relembremos que a palavra entusiasmo deriva do grego
«enthousiasmós», que quer dizer inspiração divina...
Cingindo-me, então, a escrever «a propósito»,
começaria por dizer que não existe um conceito pacífico e unívoco do que seja a
reencarnação, tal como não existe para Deus. Em ambos os casos, encontraremos
sempre quem negue e quem afirme, os que acreditam e os que não acreditam, e,
dum lado e do outro das respectivas barricadas poucos cuidam das distinções,
como se tudo estivesse claramente definido; como se cada um que com outro
parece concordar concordasse mesmo e aqueles que discordassem em nenhum ponto
pudessem estar de acordo.
Quem acredite na reencarnação e quem não acredita na
reencarnação – uns e outros – não poderá provar nem a forma como acredita nem
muito menos explicá-la convincentemente, mormente à luz da ciência.
Todavia, mesmo nos meandros da investigação submetida
aos critérios da ciência, crescem os indícios de que a consciência sobrevive à
morte física. Neste aspecto, há uma obra de excepcional interesse, intitulada
«O que Acontece Quando Morremos», da autoria do Dr. S. Parnia, obra que vem na
linha dos trabalhos publicados pelo Dr. Raymond Moody, v.g. «A Vida Depois da
Vida».
Pode dizer-se que o interesse da ciência – o interesse
académico – pelas possibilidades da sobrevivência da consciência se vem
consolidando desde há mais de trinta anos, embora a nada de conclusivo esse
interesse tenha chegado, permanecendo o presumido fenómeno da reencarnação
confinado à metafísica. Neste campo, como é óbvio, as diversas posições a
respeito envolvem muita controvérsia e muito desajuste.
As religiões em geral defendem a sobrevivência da
consciência à morte física, mas nem todas aceitam a reencarnação, havendo até
as que veementemente condenam tal crença, nem sempre por simples razões
teológicas e estritamente doutrinais. De qualquer forma, há duas perguntas
fundamentais que se podem e devem fazer:
Primus
– O que é a reencarnação?
Secundus – Aceitando-a, o que
é que reencarna?
Do meu ponto de vista, os livros populares ditos de
divulgação esotérica – eu chamar-lhes-ia de confusão esotérica –, nomeadamente
a literatura light inserida no fenómeno new age, têm espalhado um
ror de crenças muito aceites, apesar de pouco aceitáveis, quer sob o ponto de
vista metafísico, quer no âmbito religioso mais geral, quer especialmente e por
maioria de razão no que respeita à Tradição. A facilidade com que se leva as
pessoas a acreditar que se morre e se nasce como quem simplesmente muda de
camisa, chega a ser chocante, podendo levar os mais desprevenidos à
diabolização da carne e ao desprezo doentio do corpo.
Este que aqui escreve está convencido de que, quando
morrer, morre definitivamente, por mais que quem o manda escrever e lhe orienta
a mão lhe sobreviva e vá orientar um outro personagem, a quem lembrará ou não o
que o tempo consumiu. No respeito a esta lógica, quiçá desagradável para muitas
crenças profundamente instaladas, creiam que ele – que sou eu – não foi numa
«outra vida» o Napoleão nem o D. Afonso Henriques...
Se eu me recordar de ter sido uma ou outra destas
figuras históricas, não será por eu ser delas uma reencarnação, mas por mor de
um outro fenómeno menos divulgado, que faz com que tudo esteja em tudo, de que
poderemos falar em outra ocasião. E, no entanto, creio haver em mim um
princípio individualizado, que se vem formando há milénios, servindo-se de
diversos corpos físicos e constituindo-se naquilo que os rosacruzes chamam
personalidade-alma (ou personalidade da alma). Se esta for a realidade, então,
neste momento, a minha personalidade-alma, que é uma espécie de contra-regra no
meu teatro particular, ao serviço da alma humana, é uma súmula, uma resultante,
um compósito de muitas vivências (não apenas uma). É por esta razão que eu digo
que não fui esta ou aquela personalidade conhecida, nem aqueloutra desconhecida
e afirmo muitas vezes, para desespero dos crentes, que eu não tenho alma, é a
alma que me tem a mim, sendo minha obrigação reflecti-la quanto possa. O mais
que possa, todavia, nunca é quanto devo.
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