quarta-feira, 9 de maio de 2012

Tribuna do Povo




A PROPÓSITO DA REENCARNAÇÃO
Por
Abdul Cadre

vENDAS nOVAS, 6 DE mAIO DE 2012


Escrevo a propósito da reencarnação, mas não do propósito da mesma, porque isso seria envolver-me em algo a que me esquivo o mais que posso, pois não me cabe catequizar ninguém, apenas me disponho a apresentar perspectivas pessoais e indicar fontes que considere interessantes.
Podemos ver a reencarnação numa perspectiva imediatista e restrita, o que não obsta, antes pelo contrário, a que submetamos tal perspectiva aos seguintes pressupostos
1)      – A vida humana manifesta os dois opostos fundamentais integrantes do seu processo de renovação permanente: NASCER e MORRER.
2)      – Nascer e morrer são transitoriedades, um processo pelo qual a consciência navega entre planos e assume estados evolutivos do ser.
3)      – A morte caracteriza-se pela desagregação material e pelo esquecimento.
Postos estes quesitos, aceitemos ainda que nascer envolve morrer-se um pouco em cada dia, como inevitabilidade, e reencarnar a cada minuto, como assumpção. Viver plenamente é ter o entusiasmo da assumpção, dado que o contrário fará de nós apenas cadáveres adiados que procriam, como diria Pessoa.
Relembremos que a palavra entusiasmo deriva do grego «enthousiasmós», que quer dizer inspiração divina...
Cingindo-me, então, a escrever «a propósito», começaria por dizer que não existe um conceito pacífico e unívoco do que seja a reencarnação, tal como não existe para Deus. Em ambos os casos, encontraremos sempre quem negue e quem afirme, os que acreditam e os que não acreditam, e, dum lado e do outro das respectivas barricadas poucos cuidam das distinções, como se tudo estivesse claramente definido; como se cada um que com outro parece concordar concordasse mesmo e aqueles que discordassem em nenhum ponto pudessem estar de acordo.  
Quem acredite na reencarnação e quem não acredita na reencarnação – uns e outros – não poderá provar nem a forma como acredita nem muito menos explicá-la convincentemente, mormente à luz da ciência.
Todavia, mesmo nos meandros da investigação submetida aos critérios da ciência, crescem os indícios de que a consciência sobrevive à morte física. Neste aspecto, há uma obra de excepcional interesse, intitulada «O que Acontece Quando Morremos», da autoria do Dr. S. Parnia, obra que vem na linha dos trabalhos publicados pelo Dr. Raymond Moody, v.g. «A Vida Depois da Vida».
Pode dizer-se que o interesse da ciência – o interesse académico – pelas possibilidades da sobrevivência da consciência se vem consolidando desde há mais de trinta anos, embora a nada de conclusivo esse interesse tenha chegado, permanecendo o presumido fenómeno da reencarnação confinado à metafísica. Neste campo, como é óbvio, as diversas posições a respeito envolvem muita controvérsia e muito desajuste.
As religiões em geral defendem a sobrevivência da consciência à morte física, mas nem todas aceitam a reencarnação, havendo até as que veementemente condenam tal crença, nem sempre por simples razões teológicas e estritamente doutrinais. De qualquer forma, há duas perguntas fundamentais que se podem e devem fazer:
Primus          – O que é a reencarnação?
Secundus      – Aceitando-a, o que é que reencarna?
Do meu ponto de vista, os livros populares ditos de divulgação esotérica – eu chamar-lhes-ia de confusão esotérica –, nomeadamente a literatura light inserida no fenómeno new age, têm espalhado um ror de crenças muito aceites, apesar de pouco aceitáveis, quer sob o ponto de vista metafísico, quer no âmbito religioso mais geral, quer especialmente e por maioria de razão no que respeita à Tradição. A facilidade com que se leva as pessoas a acreditar que se morre e se nasce como quem simplesmente muda de camisa, chega a ser chocante, podendo levar os mais desprevenidos à diabolização da carne e ao desprezo doentio do corpo.
Este que aqui escreve está convencido de que, quando morrer, morre definitivamente, por mais que quem o manda escrever e lhe orienta a mão lhe sobreviva e vá orientar um outro personagem, a quem lembrará ou não o que o tempo consumiu. No respeito a esta lógica, quiçá desagradável para muitas crenças profundamente instaladas, creiam que ele – que sou eu – não foi numa «outra vida» o Napoleão nem o D. Afonso Henriques...
Se eu me recordar de ter sido uma ou outra destas figuras históricas, não será por eu ser delas uma reencarnação, mas por mor de um outro fenómeno menos divulgado, que faz com que tudo esteja em tudo, de que poderemos falar em outra ocasião. E, no entanto, creio haver em mim um princípio individualizado, que se vem formando há milénios, servindo-se de diversos corpos físicos e constituindo-se naquilo que os rosacruzes chamam personalidade-alma (ou personalidade da alma). Se esta for a realidade, então, neste momento, a minha personalidade-alma, que é uma espécie de contra-regra no meu teatro particular, ao serviço da alma humana, é uma súmula, uma resultante, um compósito de muitas vivências (não apenas uma). É por esta razão que eu digo que não fui esta ou aquela personalidade conhecida, nem aqueloutra desconhecida e afirmo muitas vezes, para desespero dos crentes, que eu não tenho alma, é a alma que me tem a mim, sendo minha obrigação reflecti-la quanto possa. O mais que possa, todavia, nunca é quanto devo.

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