domingo, 31 de janeiro de 2010

Estudo Geral




“assimilo o suor.

a chama é voz impotente,
mas crescem rios no ventre da lágrima condensada
nas paredes do poema.

a voz magra
penetra nas gengivas inflamadas
em cada maxila de suor…

… e nutre o ranger da transpiração.”

Raul Costa

sábado, 23 de janeiro de 2010

Tormenta Adulta



Em aliança com a natureza;
O menino brinca criando,
Em seu quarto fica sonhando,
É feliz não acorda tristeza.

Mãe de que o criaste?
Seus sonhos são efeitos celestes,
A paixão da essência que lhe deste,
Criança guerreira de um futuro agreste.

Ao mundo, ingénuo desabrochou;
Uma realidade em criação natural,
Vê-de menino, nos teus olhos o céu chorou.

Que fantasia transcendental!!!
Espelho presente, a minha face mudou,
Espera criança pelo teu vendaval.

Diogo Correia

Somos (também) o que comemos



É muito delicada a questão da alimentação. Provavelmente, o princípio de vida de que mais directamente depende a conduta humana.

A cultura portuguesa, por exemplo, tem raízes que se perdem nos tempos e tudo vai assentando, largamente, num determinado tipo de alimentação. E tal como a cultura portuguesa, toda a civilização ocidental e, por aí fora, embora não se possa generalizar a toda a humanidade.

Transformar um hábito alimentar com séculos e séculos, por exemplo, num regime vegetariano, produz tantas transformações a nível pessoal (físico e mental), familiar, social, cultural, que não vemos como aconselhar uma ruptura súbita com as profundas raízes que carregamos em comum com os nossos conterrâneos.

Nascemos num determinado lugar e a ele estamos ligados por natureza e cultura. E, desta forma, se caracteriza largamente a existência humana no planeta azul...

Mas dizer que as coisas têm sido sempre assim, não significa dizer que, assim, terão de ser eternamente. Existem variadas razões (económicas, ecológicas, éticas, religiosas), como sabemos, que justificam a adopção de um regime alimentar que possa sair fora do tradicional. Desde logo, por questões de saúde como ouvimos alguns especialistas incansavelmente repetirem. Até porque o tradicional é um saco muito grande, onde cabe muita coisa distinta.

Neste sentido, para começar, vemos como desejável um regime alimentar que, pelo menos, tenda a uma redução significativa do consumo de carne animal. Podemos utilizar várias estratégias, como sejam, deixar de comer carne ao pequeno almoço e ao lanche, ou consumi-la só uma vez por dia, ou deixar de o fazer um dia por semana...

Quem sabe gostemos da experiência e, assim, tendamos a uma mudança mais radical do que por tradição e inércia temos assumido.

Luis Santos

A síndroma Agatha Christie ou a arte da suspeição


Abdul Cadre

DIZ a sabedoria popular que quem é desconfiado não é certo, mas como esta sabedoria se caracteriza por dizer o que também desdiz, o melhor é não lhe ligarmos. Pensemos antes em Hercule Poirot, o detective belga inventado por Agatha Christy, o qual entendia que todos são suspeitos até prova em contrário.

Ora bem. Todos sabemos que português que se preze vai muito além de qualquer Poirot, não se limita a suspeitar, afirma a pés juntos que todas as mulheres, exceptuando a sua querida mãezinha, são uma coisa muito feia e que todos os políticos, estes sem qualquer excepção, são uma cambada de malandros da pior espécie. Todavia – vá lá saber-se porquê – nunca nega o seu precioso voto à tal «cambada». Aliás, seguindo a excelsa filosofia do «rouba mas faz», permitirá invariavelmente que quem seja mais do que suspeito de meter a mão na massa tenha vitórias seguras e retumbantes em qualquer concurso sufragista, dito eleições.

Cabe dizer-lhes que o grande azar do Sócrates é que o povinho desconfia que ele não é desses. Pode muito bem ser uma espécie de chico esperto, mas não merece ser amado. Tudo o que vem a lume é de muita parra e pouca uva, muita conspiraçonite jornaleira apoiada em bocas espúrias de investigadores pouco escrupulosos.

Andamos há anos num estranho conúbio de jornalistas ditos de investigação com investigadores que gostariam de ter sido jornalistas, ou mesmo estrelas de televisão.

Ora, eu que não sou nada certo, não prescindo do meu direito de suspeitar e as minhas suspeitas têm o apoio até daquele velho axioma que diz que em política o que parece é. Ora, parece que nas falsas indignações que andam por aí a respeito de jogadas dúbias dos pendurados nas sinecuras se assiste à luta indecorosa entre facções que usam e abusam dos préstimos dos seus militantes colocados em instâncias que deviam primar pelo decoro e pela isenção e optaram por ser teatros onde decorrem óperas bufas.

Estamos a bater no fundo. Não se ouve o baque porque no fundo tem muito lodo.

texto publicado no Jornal do Barreiro

Quadras


Agostinho da Silva

Na tristeza dos triunfos
E na alegria das dores
És nada pelo que digas
Só vales pelo que fores.

O que faço só importa
Se traduz o que vou sendo
Se assim não for tudo é nada
Só finjo que estou fazendo.

De força a vida te muna
Para um humilde assumir
De alegria trina e una
De ser, saber e servir.

Não corro como corria
Nem salto como saltava
Mas vejo mais do que via
E sonho mais que sonhava.

Tudo o que faço na vida
É só linha de poema
Que cada um ordenará
Conforme for seu esquema.

Fulano que bem conheço
É pior do que lacrau
Mas talvez se eu for melhor
Se torne ele menos mau.

Nunca voltemos atrás
Tudo passou se passou
Livres amemos o tempo
Que ainda não começou.