quarta-feira, 30 de setembro de 2015

PALAVRAS DO PAPA AOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA


Contra a Pena de Morte, contra o Imperialismo económico-ideológico-religioso e pela Técnica ao Serviço de um Progresso humano

O papa falou ao congresso dos USA em Nova York, no dia 24 de setembro de 2015, tendo sido aplaudido 37 vezes.

Recorda os deveres dos representantes do povo: “fazer que este país cresça como nação…sois o rosto do seu povo… a defender e custodiar a dignidade dos concidadãos… vós estais convidados a proteger, através da lei, a imagem e semelhança plasmada por Deus em cada rosto.”

Situação no mundo: “o mundo é, cada vez mais, um lugar de conflitos violentos, de ódio nocivo, de sangrenta atrocidade, cometida até em nome de Deus e da religião…. Combater a violência perpetrada sob o nome de uma religião, uma ideologia, ou de um sistema económico e, ao mesmo tempo, proteger a liberdade das religiões, das ideias, das pessoas, requere um delicado equilíbrio onde temos que trabalhar….”

Contra o pensar simplista e generalizador: “o reducionismo simplista que divide a realidade em bons e maus; permitam-me usar a expressão: em justos e pecadores.”

Imitar o bem: “Copiar o ódio e a violência do tirano e do assassino é o melhor modo de ocupar o seu lugar”.

O papa fala dos Estados Unidos como “a terra dos sonhos”: Sonhos que mobilizam à acção, à participação, ao compromisso… “

Regra de Ouro: “Mas é difícil julgar o passado com os critérios do presente. Recordemos a regra de ouro: «Façam com os outros como querem que os outros façam convosco” (Mt 7,12).

O papa solicita a abolição da pena de morte e argumenta: “uma pena justa e necessária nunca deve excluir a dimensão da esperança e o objetivo da reabilitação…”

Francisco I apresenta os temas do bem-comum e da defesa da Terra que é “a nossa casa comum”. Neste sentido acha também como necessário “pôr a técnica ao «serviço de outro tipo de progresso mais são, mais humano, mais social, mais integral» … Um bom político é aquele que, tendo em mente os interesses de todos, toma o momento com um espírito aberto e pragmático. Um bom político opta sempre por criar processos mais que por ocupar espaços (cf. Evangelii gaudium, 222-223) …. 

 Refere o exemplo de quatro representantes do povo americano como símbolos de valores da nação: “Três filhos e uma filha desta terra, quatro pessoas, quatro sonhos: Abraham Lincoln, a liberdade; Martin Luther King, uma liberdade que se vive na pluralidade e não na exclusão; Dorothy Day, a justiça social e os direitos das pessoas; e Thomas Merton, a capacidade de diálogo e a abertura a Deus….

Fala da família ameaçada nos seus fundamentos, da “família que está ameaçada, mais que nunca, a partir do interior e do exterior”.

O papa Francisco terminou o discurso dizendo: “Uma Nação é considerada grande quando defende a liberdade, como fez Abraham Lincoln; quando gera uma cultura que permita às suas pessoas «sonhar» em plenitude dos direitos para seus irmãos e irmãs, como tentou fazer Martin Luther King; quando luta pela justiça e pela causa dos oprimidos, como fez Dorothy Day no seu incessante trabalho; sendo fruto de uma fé que se torna diálogo e planta paz, no estilo contemplativo de Merton…. Que Deus bendiga a América.”

António da Cunha Duarte Justo


terça-feira, 29 de setembro de 2015

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

HISTÓRIAS DA TERRA ENCANTADA
13 

Para a 
Margarida e a Matilde 
tesouros do meu peito 


Podemos fundamentar em Deus a ideia e, na prática, o estigma da dignidade humana. 
Diremos que somos Seus filhos, por isso, à nascença, incomensuravelmente dignos. 
Igualmente podemos encontrar aquela fundamentação no próprio mistério da Vida, em si, da irredutibilidade de cada um de nós, na singularidade irrepetível de resultarmos de uma dada combinação e apenas essa, o que faz da existência um bem tão precioso que para ela podemos reconhecer, à partida, o estatuto de infinita dignidade. 
Pelo primeiro caminho, estaremos a partir de uma leitura de índole religiosa o que não tem qualquer mal. A Fé é universalmente compatível com os homens e aquele pressuposto implica que façamos da sua vivência um guia de irmandade que só nos conduz ao respeito e à paz entre os seres humanos. 
Com o segundo estamos no domínio das ciências e das formas científicas de ver e explicar o Universo. Faz parte da nossa busca de liberdade e não é mutuamente exclusiva com a perspectiva anterior. 
Não é pois necessário que sejamos religiosos para considerarmos os nossos semelhantes como portadores de uma dignidade que ninguém, a não ser o próprio, pelas suas acções, pode pôr em causa e até estiolar. 
Mas como o que acabámos de fazer trata-se de uma operação de pensamento, isto é, a identificação da noção que nos ocupa versa um produto da nossa capacidade de reflexão e não uma característica ou qualquer apêndice físico da nossa espécie, devemos ter em conta que é aquele conceito nada mais que uma mera construção cultural. 
Ora enquanto tal e na sequência do que escrevemos, então poderemos sustentar que a dignidade humana é uma propriedade cultural nossa, a primeira de todas e por ser reconhecível em todas as pessoas de todos os tempos e lugares, a única característica cultural da humanidade para a qual podemos reconhecer a universalidade. Não menos importante, é também a única característica cultural que os indivíduos transportam à nascença. 
Significa que todo e qualquer indivíduo merece o respeito de poder viver pela sua consciência e capacidades para o que jamais poderá contribuir para a indignidade de quem quer que seja. 
Vem da parte do relativismo cultural uma objecção a estas nossas palavras. 
Pretenderá esta corrente de pensamento ver aqui uma janela para um qualquer etnocentrismo que se arrogaria de querer ver certos padrões culturais como melhores que outros. A fundamentação do ponto de vista estaria na realidade multi-cultural que sempre existiu no planeta. É que há populações humanas para quem aquela ideia é de todo incompreensível e podemos mesmo considerar o exemplo dos caçadores de cabeças da Nova Guiné; que sentido faria entre esses homens e mulheres? 
Contudo, só na aparência é que este argumentário terá alguma validade. 
A multiculturalidade é um dado empírico evidente, em termos teóricos, uma observação. Fazer disso um argumento de análise é tão pobre como dizer que é algo é assim porque é dessa maneira. 
Mas o problema é que nem isso chega a estar em plano de consideração. 
A verdade é que só na cabeça dos seus detractores é que o uso daquele conceito poderá ser visto como uma imposição para com as gentes de outras latitudes geo-culturais; nada mais pateta. Estamos a falar de reconhecimento e não poderia ser de outro modo. Reconhecemos para os outros o mesmo valor que queremos ver aplicado às nossas vidas. Traduz-se em respeito para com eles, não na imposição que eles nos vejam segundo os mesmos princípios. Por estarmos convictos da sua bondade, confiamos que os outros a poderão compreender e dela fazer uso, se for essa a sua livre vontade. 
Só com grande ginástica intelectual é possível ver nisto uma manifestação etnocêntrica.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

REAL... IRREAL... SURREAL... (151)

Resultado de imagem para golconda magritte
Golconda, René Magritte, 1953
Óleo sobre Tela, 81x100 cm

ETERNIDADE 

por detrás da água 
consente-se o peso dos dias iguais
e num momento breve
a eternidade 
por um tempo destinado

prende-se o instante e não a vida


Maria teresa Bondoso


(Selecção de António Tapadinhas)

domingo, 27 de setembro de 2015

 
MIRADOURO 32/2015
 
(esta rubrica não respeita as normas do acordo ortográfico)
 
 
"Eu não tenho idade. Tenho vida."


(foto e título de João Ramos)
 
 
... as ilusões todas da vida assentes nos sonhos que ainda me permito sonhar. Sim, ainda não desisti dos sonhos porque os sonhos não se determinam ou controlam, acontecem.
E nós, actores e espectadores em simultâneo, vamos atrás deles ou não.
Esse é o processo, o verdadeiro desafio entre viver ou simplesmente respirar.
Eu respiro e tento, ainda, viver.
 
MJC

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Fotografias com Música





Madrugada e Amor

Foto de Lucas Rosa


(Para ouvir música clique na fotografia)



quinta-feira, 24 de setembro de 2015


“Piscando Intermitentemente À Luz Do Dia E Ao Tatuado Senso” Visto-me e revisto-me de minhas próprias peles Cubro-me da natureza que me é vulgar utilizar Passo na passarela com pouco ou nada por cima ou baixo Verifico se está tudo em ordem face ao meu rosto Não atento por regra contra meus princípios ou fins… Dou comigo a oferecer uma pipa de massa a outrem É tudo prossuposto sonho e uma miragem feita de papel Vejo-me a andar de lado ou de marcha apressada à retaguarda Fico louco em virtude das curvas e contracurvas da vida A vibração da alegria percorre-me o sangue nas veias verdes Penetro em teorias filantrópicas num instante indeterminado Finco os pés na base de crenças e costumes ancestrais longínquos Pinto eu mesmo a imensidão paisagística de um postal idílico Misturo tintas com pinceis filosóficos agarrados à ideia de estar e ser Mitigo vertentes psíquicas que nada têm a ver com minha essência Há uma abelha que insistentemente zune à minha volta sem descanso Descasco da mente preconcebidos preconceitos cuja razão não existe Sou influenciado pela luz do Sol e influencio o futuro do destino geral Danço num evidente transe aos pulos e irregularmente sem frear Marco-me por todo o lado visível de imaginárias tatuagens invisíveis Programo o resto da vida escrevendo a linha da existência a direito Dirijo-me com o máximo cuidado ao íntimo que me vai na Alma perene Finjo estar com uma pressa desmedida e com a paciência esgotada Ilumino com a luz de presença o chão da variedade de ambientes Mudo a maçaneta de abertura para outras dimensões originais
Escrito em Luanda, Angola, a 23 de Setembro de 2015, por Manuel de Sousa, em Alusão à histórica comemoração dos 60 Anos do Rotary em Angola e à fundação do Rotary Clube de Luanda a 23 de Setembro de 2015, tendo como Padrinho o Rotary Clube de Amarante, do Norte de Portugal e por Membros daquele Grupo Rotário que mais tarde passaram a ser Membros Fundadores do Rotary Clube de Luanda… Bem hajam todos os que são Rotários e a todos aqueles que contribuíram para a actual existência do Filantrópico Movimento Rotary em Angola…

quarta-feira, 23 de setembro de 2015


BARCO

elixir
remédio
amargo: corpo dolorido ao tempo
              delicado. A dedicação oxida
                         no terminar dos dias.

Observo pessoas voltando
para suas casas. O remédio
amarga a boca. O retorno
no imenso e doloroso
rio: o barco aporta



CORDEIRO

Dedico o poema
à lenda do cordeiro sem cabeça
dos confins do universo

peço a gentileza da devolução
das ofensas proferidas em verbos.

Recito o verso atravessado
no espaço entre desencontros
e a vontade de estar junto.

Ofereço minha cabeça a prêmio
satisfeito na ilusão da permanência.

(Pedro Du Bois, inéditos)

terça-feira, 22 de setembro de 2015

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

SÃO VERDES 

Ai que pandemónio. 

Afinal Portugal 
é um verdadeiro 
lodaçal. 


E da bomba de ontem saiu a demissão do ministro da educação. 
Como se impunha, dir-se-á com propriedade. 
Mas também não deixa de ser verdade que o julgamento foi sumário e a condenação fez-se antes de qualquer defesa. 


Os estudantes é que não baixaram a fasquia do não pagamento das propinas e marcada está uma manifestação nacional. 


Claro que falamos de coincidências a respeito da sucessão de fogos, das mortes pelo calor e até dos futuríveis óbitos pelo frio, da bandalheira nos serviços aéreos de apoio ao combate nos incêndios e agora dos negócios de favor que envolvem promiscuidades entre bombeiros e empresas fornecedoras de bens e serviços às respectivas corporações. Hoje, sempre por acaso, lá vieram a lume mais casos duvidosos que envolveram o ex-ministro do ordenamento do território e ex-presidente da câmara de Oeiras, justamente enquanto esteve à frente desta autarquia. 

Mas são tantos os azares que quase nos leva a recordar a velha sabedoria popular das zangas entre comadres. 


A verdade é que vemos os intérpretes do poder político que fazem as leis a contestarem a legislação produzida e a intrometerem-se com os órgãos de poder judicial ao nível da aplicação daquelas. Vemos jornalismo à la carte que absolve e acusa situações similares e que é capaz de usar as mesmas palavras para afirmar algo e o seu contrário, geralmente segundo o método da bússola. 

Como deixar de pensar em dedinhos perversos? 


Certo é que há polvos instalados no tecido social do país e ainda que muito se fale de justicialismo e de justiceiros, a realidade de casos levados à justiça envolvendo pontas de véus é empiricamente observável. 

Porque será que nenhum dos arautos que tanto se têm levantado pelas liberdades nos últimos dias fala daquelas entidades tentaculares e dos rostos que as compõem? 


Pois eu temo que esta república que já dá mostras de ser das bananas, se transforme num paraíso para o crime organizado. 

E ainda mais tremo perante a possibilidade do antídoto servir para entrarmos nas lógicas securitárias das extremas-direitas. 


Com efeito, arrepia quando sabemos que estudantes universitários escolhem o simulacro do assalto a uma agência bancária para cumprirem a praxe. 
Será que os pais não os educaram segundo o sábio princípio que roubar é feio? E a escola que tiveram não teve oportunidade para reforçar ou transmitir esse valor? 


E que dizer do sinal que um governo dá quando pretende entregar a cobrança dos impostos em atraso a entidades privadas? Será isso constitucional? 
Será que, por absurdo, eu poderia ter acesso a informações fiscais de outras pessoas, sejam elas singulares ou colectivas? 
Pensava que esses assuntos fossem da mais estrita confidencialidade. 
Se eu soubesse que um empregado bancário falava a outrem das minhas contas particulares ou dos movimentos da empresa, não sem antes apresentar queixa do faltoso, muito simplesmente retiraria todos os meus valores desse banco. Mas eu não posso fazer o mesmo em relação ao estado, pois não? 
Ora há aqui uma pergunta preocupante. Como é que seriam feitas as cobranças? Que meios seriam passíveis de serem utilizados para coagir aos pagamentos? Duvidoso e, no mínimo, suspeito seria se, à partida, os resultados esperados fossem os mesmos dos da máquina pública. Em alternativa, obrigatoriamente passaremos à legalização da violência entre cidadãos e entre estes e as organizações privadas do tecido económico e social do país. 

A perplexidade mistura-se com o terror. 


E aqui temos Portugal 
resvalando 
para o imenso lodaçal. 



Assim, provavelmente está na hora dos simples cidadãos se organizarem politicamente em movimento capaz de condicionar e exercer o poder. 
Naturalmente sob novas fórmulas, a inventar. Num futuro globalizado, é o que requer a civilização democrática, sob pena de se esboroar na vassalagem a poderes com toda a capacidade para imporem os seus ditames aos estados nacionais. 

É um debate que deveria preocupar todos os democratas na actualidade. 



“-A Professora não é nada simpática.” 
“-Então porquê, filha?” 
“-Obrigou-nos a fazer um trabalho muito difícil.” 
“-O quê?” 
“-Deu-nos um papel com uma ficha…” –Dedinhos esticados, acompanhando a entoação da oralidade. “-E disse para nós pintarmos umas figuras que estavam dentro de uns rectângulos… Aí uns cinco ou seis.” –Franzindo o sobrolho e abanando os dedos da mão direita. 
-E o que é que isso tem de mais?” 
Seguiu-se uma ambiência de protesto. 
“-Mas depois disse para recortarmos os bonecos e havia lá uns que eram muito difíceis.” 
“-E não foste capaz de fazer?” 
“-Fui, eu recortei bem as figuras todas. Mas houve lá meninos e meninas que não acabaram. Era muito difícil.” 

Ora digam lá que mais posso eu pedir para saborear a felicidade? 


Pois este foi um dos conteúdos da aula de hoje. 
Além disso, os alunos fizeram mais exercícios de grafismos. 

A Matilde está a gostar. Mas neste último caso teve que repetir algumas vezes pois, com a pressa, imitava convenientemente no caderno os exemplos que a Professora dava, mas não exactamente sobre a linha como lhe era pedido. 



As noites refrescaram, mas esta ainda continua cheia de grilos. 

Alhos Vedros 
  03/10/2003

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

REAL... IRREAL... SURREAL... (150)

Falésia 18815, Autor António Tapadinhas, 2015Acrílico sobre Tela, 60x70 cm

O intercâmbio cultural entre a CACAV e a Casa de Cultura de Loulé tem proporcionado momentos memoráveis em Loulé, Quarteira  e Alhos Vedros.

Brevemente, a CACAV vai levar uma embaixada de artistas plásticos até Quarteira. Tive a honra de ser convidado para participar na exposição e, por isso, estou a criar alguns quadros especialmente para essa exposição. 

"Falésia 18815" é um dos que vou apresentar. 

António Tapadinhas


domingo, 20 de setembro de 2015

 
MIRADOURO 31 / 2015
esta rubrica não respeita as normas do acordo ortográfico
 
*

 
Terminaram mais umas vindimas familiares. Depois da uva branca a tinta. As talhas da adega Afonso Croca quase lotaram e os mostos fermentam vigorosamente. O ciclo só se completará quando, depois de terminado o processo de fermentação, se depurarem os vinhos e recolherem as balsas para fazer a aguardente.
Os indicadores apontam para vinhos na ordem dos catorze graus.
À imagem dos anos anteriores perspectiva-se uma boa pinga que havemos de degustar.
 
 **
No plano mais geral e a nível nacional, aproximam-se mais umas eleições.
Mais uma vez – as sondagens não enganam – perspectiva-se a concretização da alternância entre os três partidos a quem maiores responsabilidades cabem pelo estado a que o país chegou. Vive-se mal, olhando o futuro não se encontram bons augúrios mas, ainda assim, os partidos que se constituem em oposição não se conseguem entender (nem sequer disso fazem propósito) e unir-se na definição de um conjunto de medidas – tipo programa geral de um futuro governo – que permita apresentarem-se como alternativa efectiva à gestão da causa nacional e comum.
 
No plano externo, a questão dos refugiados a todos envergonha e dilacera.
Em lugar de se criarem infra-estruturas que, no imediato, permitissem o seu acolhimento com um mínimo de condições e de dignidade enquanto não se encontram soluções mais duradouras, retalha-se a Europa construindo muros de vergonha e reprime-se quem procura uma possibilidade de sobrevivência.
É caso para perguntar: afinal de contas para que serve a política?
 
 
***
Tarda em ouvir-se o som da "flauta a tocar numa terra distante" mas que precisamos aproximar.
Som cristalino e fluente, melodia sem fronteiras, interpretada em dialecto universal.
Falta o relâmpago que fenda o espaço e que no fulgor do seu clarão tudo revele em seu redor para que - em simbiose perfeita entre mente, alma e acção - se possam redigir os mandamentos para a unidade profunda e se tracem os caminhos que conduzem à Paz, ao Amor e à Felicidade.
 
 
Manuel João Croca
 


sábado, 19 de setembro de 2015

Amor é...





Sentir aquele calorzinho por dentro... e por fora.

Lucas Rosa




quinta-feira, 17 de setembro de 2015

A Literatura, o Suicídio e a Cura


por: Risoleta C. Pinto Pedro

A literatura pode ser vista como lenitivo e bálsamo, mas também como  instrumento de compreensão e estudo dos processos psicológicos, nomeadamente os que conduzem ao suicídio e à morte. Ou à redenção e à vida.

O bálsamo encontra-se no refúgio de um livro, no sentimento de segurança que este dá pelo acolhimento, pela alternativa a um mundo que se sente como hostil, pela entrada no universo imaginado e inspirador do poema ou da ficção.

A compreensão dos processos encontra-se na análise do grito de dor dos poetas ou escritores, mais ou menos sincero, mais ou menos fingido, ou ainda sinceramente fingido:
Fernando Pessoa verbaliza-o como ninguém: “Que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente.“

O que distingue o suicídio de muitas outras causas de morte é principalmente a urgência e a falta de esperança. O suicida não quer ou sente que não pode esperar. Quer o alívio já. O ser encontra-se tão desesperado, tanto desacredita da vida, que nem por esse final descanso ele espera. É como se tudo tivesse de depender dele, como se qualquer alívio, ainda que sob a forma de morte, tivesse de ser ele a auto proporcionar-se. Não admira que esteja cansado. É demasiada carga sobre um pobre mortal. Só a vida dá bastante que fazer. Ser-se também senhor da morte já é trabalho para deuses.

O suicida vê-se como uma ilha única num mar hostil. A literatura mostra que o sofrimento, o desespero, o sentimento de sem saída é vivido pela humanidade desde sempre. O cansaço é velho como o ser humano, a rebeldia do coração universal, a impotência é humana, a incapacidade para lidar com isso, antiga e partilhada.
O sentimento de vingança do ser humano em relação a si próprio ou em relação ao mundo em si simbolizado, aparece denunciado neste poema do século XV:

“Coração, já repousavas,
já não tinhas sojeição,
já vivias, já folgavas;
Pois por que te sojugavas
outra vez, meu coração?

Sofre, pois te não sofreste
na vida, que já vivias;
sofre, pois te tu perdeste;
sofre, pois não conheceste
como t'outra vez perdias!

Sofre, pois já livre estavas
e quiseste sojeição;
sofres, pois te não lembravas
das dores de que escapavas,
sofre, sofre, coração!”

Jorge de Aguiar [Séc. XV-XVI]

É a impaciência em relação a si mesmo, a incapacidade para viver a repetição, para re-sentir aquilo que o fez sofrer, a ausência de qualquer tipo de auto-compaixão, a vingança contra si. Que no limite pode assumir a auto-destruição. Uma forma de se vingar da vida e de todos os que com ele coabitaram o mundo e não o salvaram.
Antes, D. Dinis censurara os trovadores provençais por não levarem o amor a sério e por sobreporem o fingimento à sinceridade dado apenas fazerem versos na Primavera, isto é, inspirados pelo exterior. Contrapõe  com a autêntica dor que habita o seu coração, que antecipadamente responsabiliza pela sua morte. Podemos entender esta morte como a disposição de um amante para ir até às últimas consequências do amor que não recusa, apesar da dor, ou uma morte simbólica, a morte do artificialismo e da superficialidade aqui simbolizada pelos provençais. É esta morte que lhe dará vida, visto que ele é um guerreiro, vencedor sobre os floreados poéticos, sacerdote de um culto sério e arriscado que é o amor. Outro nome para vida.

Proençaes soen mui ben trobar
e dizen eles que é con amor;
mais os que troban no tempo da frol
e non en outro, sei eu ben que non
an tan gran coita no seu coraçon
qual m'eu por mha senhor vejo levar

[…]
Ca os que troban e que s'alegrar
van eno tempo que ten a color
a frol consigu', e, tanto que se for
aquel tempo, logu'en trobar razon
non an, non viven [en] qual perdiçon
oj'eu vivo, que pois m'á-de matar.

Já no século XX, 1916, em Paris, o poeta Mário de Sá-Carneiro, posterior suicida,  encena burlescamente a sua morte. Um funeral ridículo, ou uma espécie de vingança de si mesmo. Pos-mortem:

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro.

Mário de Sá Carneiro

A um morto nada se recusa, “ ou a esperança de que a morte traga, finalmente, aquilo de que a vida foi avara: a festa, o amor, a atenção, a satisfação dos mais loucos caprichos. ~

Este poema e o de Jorge de Aguiar (não o de D. Dinis), são expressões de ressentimento em relação a si mesmo ou em relação ao mundo. O ressentimento é o que verdadeiramente mata, é uma corda de enforcado, um veneno, um revólver dentro do ser, uma espécie de canivete suíço auto-suficiente até para a morte. Agindo activa ou passivamente. Rápida ou lentamente.

No poema de Jorge de Aguiar , o poeta recriminava o coração por ser recalcitrante, por não ter aprendido com a dor passada por não deixar de amar.

Ora o coração sabe, melhor do que ninguém, do que precisa. E do que ele precisa, ainda que doa, é de amar. O coração não é um simples cofre ou reservatório de sangue, é um motor de amor.

E aqui entramos na nossa mais remota tradição poética, aquela que igualmente dá a palavra ao homem e à mulher, através das cantigas de amor e de amigo.
Nas de amor: o respeito por um código, como um protocolo, a honra, a palavra.
Nas de amigo a saudade, a espera, a emoção. Assim se completam.

Falo da incontornável tradição cavaleiresca dos séculos XII a XIV, a ordem de cavalaria a que obedeciam os trovadores, aqueles que estão nas fundações dos também designados por Fiéis do Amor.

Como afirma Pedro Martins em O Céu e o Quadrante: “a poesia portuguesa conhece desde a sua génese, uma dimensão iniciática que a vincula à sabedoria.”
António de Macedo refere a mesma ordem dos trovadores, de natureza iniciática e dispondo de linguagem cifrada, que aqueles que não aprofundaram reduzem a mero artifício literário. Ela está cheia de referências ao «Amor cortês», à «Senhora», à «formosa Dama Fulana ou Sicrana».  Mas a realidade não é apenas de ordem sentimental. As «Leis do Amor», rigorosas e bem delineadas, eram verdadeiros graus de Iniciação com, segundo António de Macedo “seus ritos, chaves e limites”:
«O primeiro grau é o de feignaire, hesitante, ou melhor: aspirante; o segundo é o de pregaire, postulante; o terceiro é o de entendeire, auditor; e o quarto é o de drutz, amigo ou iniciado. Este último grau era atingido quando, tendo chegado ao 3º grau, entendeire, o fiel auditor era finalmente brindado com o AMOR DA SENHORA, mediante um beijo que ela lhe dava: o osculum fraternitatis. Depois disto ele tornava-se um drutz, um iniciado, um amigo, um verdadeiro Fiel do Amor, servente incondicional da Domina Lux, Senhora-Luz - e a partir de então ele passava a ter o direito de baptizá-Ia» (Aroux 1854, 461-462).

Ora este é o caminho do um ao três. Pela união com a amada, a criação de algo novo a que se dá um nome novo. A criação do novo que é, simultaneamente, a salvação pelo verbo. A palavra poética.

Sendo o suicídio, no limite, um saudável anseio, pois no fundo o que impulsiona o suicida é a cessação do sofrimento, ou um grito de socorro, logo, algo a que poderíamos chamar o impulso para o bem estar ou a felicidade, o problema não está no propósito, mas no método.

Porque no fundo aquilo por que anseia o suicida é aquilo por que anseia toda a humanidade num universo dividido: o regresso ao Paraíso.

O Paraíso pode ser a infância ou, recuando ainda mais, aquele momento de beatitude da total osmose com a mãe quase Deus da gestação, onde a proteção era praticamente divina, ou, se quiserem, podemos recuar ainda mais, a algo que não sabemos, a tal saudade do que não conhecemos, e que o poeta porta Fernando Pessoa define no poema “Não sei se é sonho se realidade” como:

“Ali, ali,/ a vida é jovem e o amor sorri”

 Mas também ele diz:

“Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.”

Nada nos garante que a morte, e sobretudo a violência auto-imposta da privação da maior das dádivas, traga aquilo a que a alma aspira. Há até, quem acredite que o que acontece é precisamente o oposto, mas não vamos entrar por aí, que não é por isso que aqui estamos.

Ou melhor, como canta o poeta da Mensagem, é preciso “passar além do Bojador” se queremos “passar além da dor”, é preciso percorrer até ao fim o caminho de dor e de dualidade, porque como afirma no poema anteriormente citado:
“é em nós que é tudo”

É a expressão de uma quase omnipotência que não nos separa do mundo, mas mostra o nosso poder interno de destruição. Ou de restauração. Sendo esta construída dentro de nós, mas com o outro, através do poder do amor. Como os poetas iniciados tão bem sabiam, tão bem continuam a saber.

Percebemos assim que a dualidade está em nós e a resolução dela também.
Que o caminho não é o do dilacerado dois recuando para o impossível e inalcançável um, porque do passado histórico, aquele que não volta nunca mais, se é que alguma vez existiu fora da nossa imaginação, mas o da conciliação do aparentemente inconciliável, a ilusória dilaceradora briga, e transformando a luta de Jacb com o anjo no abraço do tango. A transcendência é isto. Não a fuga, mas a dança depois da luta, em que nasce um terceiro elemento a que poderíamos chamar a Esperança, o Espírito Santo, o V Império ou o presente eterno desde sempre em potência dentro de nós. O caminho do 2 ao três, a dualidade que, grávida, cria. Não a que recua.

Ou, como acreditaram os trovadores poetas, os iniciados cavaleiros fiéis do amor, a cura está no amor, morrer por amor é matar em si aquele que quer matar-se e fazer viver aquele que ama como quem diz fiat, ou como quem canta. A palavra poética.
Prossigamos com a poesia:

“Vem, camarada irmão,
Erguer sobre os meus versos o teu canto.”

Miguel Torga (Libertação)

“Sobre os teus versos, só a eternidade.
Pobre é o meu canto.
Sobre os teus versos é que o tempo há-de
erguer as catedrais do nosso espanto.”

António Arnaut

Há nos dois poemas, quer no que serve de epígrafe, quer no poema de António Arnaut, a alusão a dois criadores: “os meus versos” e “o teu canto”, num caso;  “os teus versos” e “o meu canto”, no outro.

No primeiro, o canto ergue-se sobre os versos, no segundo os versos erguem-se sobre o canto. Sobre ambos, a eternidade e as catedrais de espanto.

A eternidade não é a morte, mas a vida. A eternidade é erguida sobre os versos, os “teus”, os versos do poeta, responsáveis pelo espanto de quem os recebe, espanto tornado em catedrais. Assim sendo, a salvação pela poesia: por quem a cria e por quem a recebe. Sendo que quem cria é, também, quem a recebe e aquele que a recebe, ou leitor, é também, de alguma forma um co-criador com o poeta. Como bem se viu no poema com sua epígrafe.

É também deste olhar criador e libertador que fala Pascoaes. E do seu in-verso:
“[…]
Tu gritaste, de susto,
Olhando para a serra:
- Que incêndio! – E eu, a rir,
Disse-te: - É a lua cheia!...
E sorriste também
Do teu engano. A lua
Ergueu a branca fronte,
Acima dos pinhais,
Tão ébria de esplendor,
Tão casta e irmã da tua,
Que eu beijei, sem querer,
Seus raios virginais.
E a lua, para nós,
Os braços estendeu.
Uniu-nos num abraço,
Espiritual, profundo;
E levou-nos assim,
Com ela, até ao céu...
Mas, ai, tu não voltaste
E eu regressei ao mundo.
[…]”

 O Poeta, o alquimista do Amor, esse que não receia beijar a Lua,  não recusou acompanhar a amada, esteve com ela no infernal céu, esse lugar sedutor, mas regressou ao mundo, porque detém a palavra de Amor e poder do beijo que é uma espécie de abraço em forma de sopro, processo iniciático de alta e alva magia que é a palavra poética, transformadora  do ardente incêndio em fresca lua. A Amada não conseguiu, ficou no Céu, um lugar longínquo para onde fogem os que  temem e não vencem o temor da Lua incendiada no Céu. Mas não podemos assegurar que o buscado e mítico Céu não seja, precisamente, esse incêndio. Que se esconde por detrás da Lua.

É verdade que os escritores também se suicidam, e temos alguns casos na nossa literatura, no entanto não é esse seu suicídio que nos move a nós, leitores, mas esse seu outro lugar que é o da palavra, que nunca morre, pois que dá vida a quem lê. O imposto auto-sacrifício é um mistério que não julgamos, apenas analisamos pela compassiva lupa que é a lua ou a palavra poética. Aquela única que os e nos ressuscita dos lugares onde nos matamos. De onde, por ela, nós, trovadores, poetas e leitores iniciados, nos salvamos.

O poema que se segue, de Bocage, faz uma perfeita síntese de como o caminho da dualidade, na sua plena consciência, conduz ao Amor. Que é a Vida. E conclui, por mim, esta comunicação, que melhor fecho não teria.

Amor a Amor Nos Convida
Com dura e branda cadeia,
Com facho activo e suave,
De seus mistérios co'a chave,
Amor entre nós volteia:
Já deprime, já gloreia,
Já dá morte, já dá vida;
E nesta incessante lida,
Que em si traz, que em si contém,
Com o mal, e com o bem,
Amor a amor nos convida. 

Bocage o sábio mestre do paradoxo, onde reúne morte e vida e assim cria, com palavras, o poder que tudo transcende.


P.S.: Texto de conferência da celebração do dia Mundial da Prevenção do Suicídio promovido pelo SOS Voz Amiga, no Fórum Roma, Lisboa, em 10/9/2015.



quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Etnografar a Arte de Rua (XIII) Graffitar a Literatura


Graffiti fotografado por Luís Souta, 2015.
Alameda dos Combatentes da Grande Guerra, nº 117, Cascais


«Contento-me com pouco mas desejo muito.»
(Miguel de Cervantes)

Altura é o autor (colectivo) desta porta reconfigurada que o “Muraliza - Festival de Arte Mural, 2015” ofertou aos cascalenses e aos muitos que visitam esta animada vila, cada vez mais turística e menos piscatória. O graffiter presta homenagem à grande obra do castelhano Miguel de Cervantes Saavedra  (1547-1616) Dom Quixote de la Mancha (1605, 1615). Não há quem não conheça esta personagem. Bem menor é o número daqueles que leram este livro monumental (duas partes, 126 capítulos) que marcou o início do romance moderno. Uma nova e excelente edição (de capa dura) com a chancela das Publicações D. Quixote, a celebrar os seus 50 anos, acabou de sair em Portugal; com tradução de Miguel Serras Pereira, que nos faculta um exaustivo “Glossário e Notas”, e três textos introdutórios de Maria Fernanda de Abreu “Nos 400 anos do Quixote”; um total de 933 páginas por apenas 10€ !

O tempo não desgastou esta peculiar figura que Cervantes descreve deste jeito: «rasava os cinquenta anos. Era de compleição rija, seco de carnes, enxuto de rosto, grande madrugador e amigo da caça. (…) este sobredito fidalgo, nos passos em que estava ocioso – que eram os mais do ano –, era dado a ler livros de cavalaria, com tanto apego e gosto, que esqueceu quase por inteiro o exercício da caça e também a administração de sua fazenda; (…) e assim, do pouco dormir e do muito ler, se lhe secou o cérebro de maneira que acabou por perder o juízo.» (pp. 83, 84).

graffiti mostra-nos Dom Quixote montado no seu Rocinante, tendo, por trás, o moinho de vento alvo das suas alucinações guerreiras. O cavaleiro de la Mancha, que deu sentido ao ditado «quem muito lê, treslê», aparece-nos sem rosto. Altura não quis retratar o “medieval” cavaleiro porque, creio eu, muitos de nós, em algum momento das nossas vidas, acabámos por ter atitudes e comportamentos, classificados de “quixotescos”.

O mito de Dom Quixote tem resistido ao tempo. E alimentado comparações. As adaptações desta obra de Cervantes têm sido muitas, mais ao menos talhadas aos diversos contextos histórico-geográficos. Há uma que recordo com muito gosto. Trata-se da peça encenada por Joaquim Benite (1949-2012), a partir do texto, de 1733, de António José da Silva – A vida do grande Dom Quixote de la Mancha e do gordo Sancho Pança. Este trabalho do Grupo de Teatro de Campolide (fundado em 1971) viria a ganhar o Prémio da Crítica para o melhor espectáculo de teatro amador. O texto de «o Judeu» e a encenação de Benite funcionaram como poderosas “armas” em dois períodos históricos – Inquisição e ditadura de Salazar-Caetano. Duas épocas com muito em comum. Dom Quixote, com a sua desmedida fantasia, e Sancho Pança, com o seu pragmatismo de pés bem assentes na terra, proporcionaram-me uma lufada de liberdade e esperança quando assisti a essa peça, em 1973, no GDP (Grupo Dramático Povoense), uma colectividade da, então operária, Póvoa de Santa Iria. E logo em Abril, do ano seguinte, começava uma nova cena… a democrática.


Luís Souta


terça-feira, 15 de setembro de 2015

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

ASSIM DE VÊ A FORÇA DO PC


Sento-me para escrever estas páginas na companhia do programa “Bancada Central”, na TSF que teve início à época em que estava a escrever o primeiro desta série de diários. 
O tema desta noite é, obviamente, o jogo de ontem à noite entre o Futebol Clube do Porto (FCP) e o Real Madrid, a contar para a liga dos campeões. 
Foi uma partida agradável, com alguns bons lances de futebol e que, aqui e ali, teve algumas sequências prolongadas de jogadas rápidas e bem desenhadas que sempre fixam a atenção dos espectadores. Sem encher o olho, não deixou de ser uma disputa interessante de se seguir. 
O três a um favorável aos merengues espelha aquilo que se passou dentro do campo. 
O FCP jogou à FCP, isto é, os seus jogadores deram pancada, lá se atiraram para a relva com todo o afinco e a bola andou saltitante entre os pés de recurso e as cabeças de alívio que, de resto, é ir para a frente que corrida alguém tem. A diferença esteve naquele que não foi convocado. Ainda que o seu substituto tenha sido um tanto ou quanto complacente com as batidas e as rasteiras por trás e outras entradas que já nos acostumaram que os adversários fiquem a sangrar. De qualquer forma, a confiança na impunidade que o grande timoneiro normalmente assegura, esteve muito longe de poder ser posta em prática o que não é de estranhar, pois o homem sabe ler poesia mas, por nacionalismo, pois então, não fala inglês. 
Quanto ao Real, fez um treino normal; a dificuldade que se lhes colocou foi darem a volta a um resultado e tiveram a garra necessária para o fazer e depois a calma suficiente para saberem resistir às pressões de um adversário cheio de vontade mas, lá está, sem o tal ponta avançada que a UEFA não deixa inscrever com o mesmo descaramento com que o fazem os amiguinhos cá do burgo. 
O saldo final é que assim se vê o verdadeiro lugar do FCP entre os grandes da Europa. As pantominices não costumam resistir às provas dos factos. 



Mas os pantomineiros não se escusam de inventar seja o que for. 


E só não vê quem não quer. 
Este governo está de baixo de fogo cerrado e até que se vergue completamente perante o esconso que por ora corre o risco de perder o balandrau ou, o que seria melhor, caia e seja substituído por gente mais dialogante e respeitadora dos direitos cívicos segundo José Maria Pincel, a ver se Portugal anda para a frente que o abismo já espreita, até que algum desses cenários aconteça não haverá zelota que descanse, nem sniper que se desperdice, havendo carta branca para que as munições sejam usadas até ao excesso. 

Agora é a bomba sobre o ministro da educação que terá favorecido a filha de um colega do executivo na sua entrada em medicina. Escusado será dizer que a provarem-se como verdadeiras, ambas as atitudes são igualmente reprováveis e politicamente merecedoras de castigo máximo. Sem embargo, é preciso ter presente que estamos no domínio das fraquezas humanas. Mas o que estamos a ver é o linchamento sem contraditório; sem curarem de apurar a situação sob todos os pontos de vista envolvidos e dando-se a liberdade de dispensarem as indispensáveis provas documentais, inda há pouco estoirou o engenho e a novidade já anda na boca da rádio e, estou certo, amanhã espalhar-se-á pelos jornais do costume. 


O nosso Presidente, por sua vez, lá continua a fazer o que pode. 
Hoje foi a resposta ao congresso do CDS, no qual se defendeu que o nosso país não pode olvidar a aliança atlântica com os Estados Unidos da América. Douta, a mais alta figura afirmou não haver alternativa à Europa. 
Tem toda a razão, até pelo facto de mal se entender as razões para tal atracção transoceânica. E, na verdade, foi com homens assim que os europeus se defenderam das ameaças à paz que se seguiram à segunda guerra mundial. 


Ferro Rodrigues anda por aí, tratando de se inflamar contra o marasmo da sociedade portuguesa de que o governo, logicamente, é o principal responsável. É claro que não lhe causa incómodo nem embaraço a sua qualidade de sucessor de António Guterres na chefia do Partido Socialista e de ex-ministro de várias pastas nos governos do engenheiro cuja grande realização foi o lançamento do euro dois mil e quatro. 


Mas a coisa deve estar preta; Jorge Coelho parece estar de volta ao activo. 



Ena, a aula de hoje já contemplou o uso do livro de Matemática para que os meninos fizessem exercícios e fichas. 



E a chuva parece querer insistir em que nos alegremos por estar em casa. 

Ainda bem que amanhã é sexta-feira. 
Apetece-me ficar descansado a ver as luzes serpentearem nas águas das poças que o vento enruga. Ao som dos folheados com que as árvores se deixam acarinhar pelo vento. 


Alhos Vedros 
  02/10/2003