Breve incursão botânica pelo território do antigo Estado Pontifício
por Miguel Boieiro
Tentando observar e aprender … aprender, aprender sempre …,
eis que viajámos pelo antigo Estado Papal que se prolongava do Mar Tirreno até
ao Mar Adriático. Só em 1870, após muitos mortos e feridos, a Igreja, que
possuía uma parcela substancial da península itálica com cerca de 40 mil km2
quadrados, foi finalmente derrotada, ficando apenas com os 0,44 km2 que
constitui o atual Vaticano. Tal permitiu o estabelecimento do Estado Italiano
como hoje o conhecemos.
O objetivo da viagem foi a participação no Congresso Italiano
de Esperanto que, de 22 a 29/8/2015, reuniu em San Benedetto del Tronto 250
pessoas oriundas de 35 países.
Em ocasião mais propícia comentaremos este importante
Congresso, já que o presente escrito é dedicado a descrever algo da flora do
território visitado.
Digamos ab-initio
que o tempo foi escasso para aprofundar esta vertente e que só ao de leve
abordaremos o que a vista foi descortinando. Penitenciamo-nos pois, pelos erros
e pelas muitas omissões que inevitavelmente surgirão.
Partindo do aeroporto de Fiumicino em direção ao Adriático
começámos por divisar pinheiros mansos
e ciprestes, árvores que bem
caraterizam a flora da região do Lazio que integra a faustosa cidade de Roma.
Tanto uns como outros representam para os antigos latinos as árvores da longa
vida.
Prosseguindo depois
pelas regiões de Abruzzo e de Marche (atenção: pronuncia-se “marqué”) através
de excelentes autoestradas integrando oportunos viadutos e dezenas de túneis, um
dos quais com mais de 10 Km de comprimento, desfrutámos das belas paisagens
montanhosas dos Apeninos com arvoredo variado mas em que sobressaiam as robinias (Robinia pseudoacacia). Tal levou-nos a melhor compreender porque consideram
a falsa-acácia uma espécie invasora. Mas, mais do que isso, o que surpreende é
a proliferação infestante dos ailantos
(Ailanthus altissima), árvores
provenientes da longínqua China, das quais não se retira grande utilidade. Não
obstante, vistos de longe e em plena floração, os ailantos conferem notória
beleza à paisagem. Também as canas (Arundo donax) alastravam por todo o
lado.
Figueiras, vinhas e sobretudo oliveiras
medravam nos campos dando-lhe diferentes cambiantes de verde não obstante a
secura dos finais de agosto.
Nas cidades, por onde passámos sem parar, eram visíveis
carvalhos, tílias, magnólias, plátanos, choupos e outras espécies
mediterrânicas. Os loendros (Nerium oleander) vicejavam nas bermas
dos caminhos, nas divisórias das autoestradas e em praticamente todos os
terrenos em número bem superior ao que vemos em Portugal.
Ao chegarmos às proximidades da costa adriática começaram a
surgir com mais frequência os campos cultivados. Ficaram na retina os extensos milheirais e principalmente, nos
arredores da cidade da Ancona, imensas plantações de girassol (Helianthus annuus).
Nalgumas, a colheita já estava efetuada, restando os campos negros ainda com as
canolas eretas, constituindo contraste flagrante com as courelas verdes de
outras sementeiras. De vez em quando surgiam bardanas (Arctium lappa ou
minus), quer nos campos de girassol, quer mesmo junto às praias.
Para este fitólogo foi assaz relevante a descoberta de alcaparras (Capparis spinosa) nas encostas rochosas de San Benedetto, Ancona,
Recanati, Loreto e Castelfidardo, para mencionar apenas as cidades visitadas. A
alcaparra, espécie nitidamente mediterrânica, praticamente não vegeta em
Portugal porque o leste meridional algarvio é arenoso e não rochoso.
Confirmando a natureza alcalina dos solos, encontrámos também muita quantidade
de calamintas (Calamintha officinalis), que em grego significa “boa menta”.
Após a visita ao espetacular complexo de grutas de Frasassi e
ao respetivo Museu Espeleológico, Paleolítico e Arqueológico descobrimos numa
das margens do rio Sentino uma soberba paulónia
(Paulownia catalpifolia). Esta
árvore, cuja proveniência é igualmente chinesa, proporciona uma apreciada
madeira para o fabrico de mobiliário.
Porque esta modesta dissertação pretende ser sobre botânica,
não podemos deixar de mencionar o Parque Naturalístico de Lungomare situado
a sul da cidade de San Benedetto. Trata-se de um espaço didático englobando 10
jardins temáticos:
1 – Jardim Multissensorial
2 – Jardim Campestre
3 – Jardim das Crianças
4 – Jardim da Saúde
5 – Jardim dos Citrinos
6 – Jardim Mediterrânico
7 – Jardim das Palmeiras
8 – Jardim Árido
9 – Jardim Húmido
10 – Jardim das Rosas
A disposição das várias parcelas em que as espécies se
encontram agrupadas permite que os visitantes, em especial as crianças, apreendam
e aprendam sobre o inter-relacionamento dos diversos tipos de flora, os quais
devem ser preservados e estimados. De notar a presença da Myrta tarantino que, como
a designação denuncia, é uma espécie endémica desta região.
Finalmente, sabem os estimados leitores que esta bela cidade
de San Benedetto del Trento possui nas suas ruas e jardins para cima de 8 mil palmeiras (Phoenix canariensis) todas muito bem cuidadas, de tal maneira que
goza do epíteto de “Riviera das Palmeiras”? O que é deveras espantoso é que se
conseguiu travar eficazmente a proliferação da praga do terrível escaravelho
vermelho. O tratamento tem de ser antecipado para prevenir a razia. É que
depois das árvores estarem infetadas já não há nada a fazer. Vimos pouquíssimas
palmeiras-das-canárias destruídas e quase sempre em jardins privados o que
demonstra bem o excelente trabalho desenvolvido pelo município local na
conservação dos seus espaços verdes. Ficámos com vontade de aprofundar este
assunto, dialogando com os responsáveis diretos, mas tal não foi possível por
manifesta falta de tempo.
Aproveitámos para adquirir alguns livros sobre plantas
medicinais que iremos “mastigar” e “digerir” vagarosamente com o inevitável
auxílio do dicionário da língua italiana.
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