sábado, 31 de agosto de 2013

Patrimônio : Convento de Jesus salvo por classificação de “ameaçado”


“O convento estava num estado muito perigoso, tinha-se mesmo de acudir”, sintetiza Carrilho da Graça sobre o ponto de degradação a que chegou o Convento de Jesus, em Setúbal, que há mais de duas décadas se encontra fechado ao público. Ao ser incluído na lista dos “7 Monumentos e Sítios mais Ameaçados na Europa”, programa lançado este ano pela primeira vez pela Europa Nostra, abriu- se a oportunidade para, 14 anos depois, o projeto do arquiteto sair da gaveta e ser finalmente realizado.

Palco da assinatura do Tratado de Tordesilhas,em 1494, quatro anos após o início da sua construção , e um dos primeiros exemplares da arquitetura manuelina.



Margarida Castro
Diálogos Lusófonos
dialogos_lusofonos@yahoogrupos.com.br


sexta-feira, 30 de agosto de 2013

POBRE SÍRIA PARA ONDE VAIS


A guerra muçulmana entre Sunitas e Xiitas ao serviço dos EUA e dos lóbis de armamento internacional

António Justo

A Síria é o palco da guerra muçulmana entre a confissão dos xiitas e a dos sunitas. A luta de influências entre os dois grupos é bem-vinda aos países da Nato porque lhe oferece a oportunidade de combater a influência russa na região e de fortalecer a Turquia como bastião avançado da NATO numa região que se pode estender pela Ásia Central, Rússia, Cáucaso, China, etc. Com a intervenção militar dos EUA, o Ocidente quer fomentar a soberania do islão sunita (Turquia) sobre o islão xiita (Irão). A Nato com a Turquia e a Arábia Saudita apoiam os rebeldes sunitas e a Rússia com o Irão apoiam o governo sírio e os rebeldes xiitas (xiitas Hezbollah).

Baschar al Assad, presidente da Síria, pertence aos muçulmanos Alevitas (uma comunidades islâmica liberal com raízes no islão xiita mas que não segue os 5 deveres do Islão, nem o seu sistema de direito-sharia, e não frequenta a mesquita, nem interpreta o Corão à letra e reconhece mulheres e homens como iguais – um argueiro no olho islamista). Como se vê a Síria oferece-se como o melhor campo de batalha para as rivalidades entre NATO e Rússia, entre as facções sunita e xiita, entre Irão e Arábia-Saudita, entre Ocidente e Irão, dando oportunidade a todos estes para apoiarem os seus grupos rebeldes e em nome deles transformar um conflito religioso local num conflito político-militar regional. Por isso a imprensa internacional dá tanta importância aos rebeldes que camuflam interesses estratégicos estranhos à Síria e no fim só se aproveitam os extremistas religiosos e o Ocidente na reconstrução. Resumindo: na Síria alinham-se os interesses dos aliados EUA, Turquia, Arábia-Saudita e dos sunitas contra os interesses da Rússia, do Irão e dos xiitas.

O conflito descarregado na Síria é quase uma cópia da “Guerra dos 30 anos” entre a confissão protestante e a confissão católica; por trás do conflito religioso encontrava-se o conflito entre o sacro império germânico e a Áustria (dinastia dos Habsburgo) que envolveram, nessa guerra, a maior parte dos países da Europa. Tal como na guerra dos 30 anos do séc. XVII em que os conflitos religiosos entre católicos e protestantes davam oportunidade aos países e principados europeus para tentarem impor o domínio duns sobre os outros, repete-se hoje um conflito religioso muçulmano não declarado entre as duas confissões na Síria, Paquistão, Afeganistão, Iraque, Egipto, Líbia ao serviço de tendências hegemónicas da NATO, Rússia, Turquia, Arábia-Saudita e Irão.

Os Média ocidentais estão, duma maneira geral, ao serviço duma informação confusa e confundidora, dado estarem também eles ao serviço dos interesses estratégicos e económicos do Ocidente; por isso favorecem uma intervenção do Ocidente contra a Síria. Quem paga a factura é o povo ocidental com impostos e a obrigação de receber os refugiados que o Ocidente produz e o povo muçulmano obrigado a manter-se sob o jugo divino e sob o jugo regimes despóticos. Este conflito, que não deveria ser nosso, só serve a escalação do poder e os interesses das indústrias de guerra e de reconstrução. Uma intervenção militar seria mais um acto da selvajaria que o Ocidente e a Rússia, com gosto, atribuem a outros povos não tão “desenvolvidos”.

António da Cunha Duarte Justo




quinta-feira, 29 de agosto de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

CASA AMARELA (CARVOEIRO)
 


LUÍS DELGADO

Óleo sobre Tela 50 x 61
 

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Plantas que Curam: Estevão-macho



por Miguel Boieiro


Ao calcorrear montes e vales para observar a natureza, hábito antigo, acabo por fixar uma ou duas plantas originais que, pela sua graciosidade, me despertam os sentidos. Já no remanso do lar, procuro identificar-me com essas plantinhas e descobrir os seus atributos. Tem sido sempre assim e os leitores hão-de notar que, quando regresso de uma viagem, trago sempre algumas novidades botânicas para as minhas croniquetas.

Há tempos um aluno do Instituto Hipócrates, onde episodicamente lecionei a disciplina de fitoterapia, desafiou-me para ir a Portalegre, a fim de investigar a flora da Serra de São Mamede. Aceitei com entusiasmo, visto não conhecer suficientemente a região. Se excetuarmos duas visitas rápidas que, em tempos, fiz à cidade e estâncias mais demoradas em Castelo de Vide e em Marvão, o conhecimento que tinha do nordeste alentejano era reduzido.

Fomos (a minha esposa viajou comigo) recebidos principescamente por jovens afáveis da Associação Ambientalista “Ficar”, onde tomámos as refeições e pernoitámos. O objetivo primordial era o de colher plantas silvestres para confecionar um lauto jantar vegetariano.

Juntando os saberes de todos os participantes, lá fomos caminhando e apanhando plantas, ensinando e aprendendo. Regressámos com os alforges cheios e, sem dúvida, muito mais enriquecidos de saberes.

Em determinada altura, a partir da aldeia de Besteiros de Cima, entrámos, quase sem dar por isso, em território espanhol (Codocera – Província de Badajoz). Descansámos um pouco junto à capelinha de Nossa Senhora da Lapa onde já havia a identificação de um trilho pedestre escrito em castelhano e uns metros adiante lá estava o marco com o P deste lado e o E do outro. E foi a descer, até chegarmos a um formoso afluente do Xévora, que fizemos o percurso espanhol. Eis então que, nesse caminho com vegetação muito densa, encontrámos o estevão-macho, a planta escolhida para este escrito.

O nome desta cistácea é assaz curioso. Logo se vislumbra que é uma esteva com folhas grandes, por isso, a designação estevão seria suficiente. Porquê então juntar o adjetivo macho? Apenas para reforçar, creio bem!

Mas o mais curioso ainda é que em Portalegre ninguém diz esteva, preferem dizer jara como os espanhóis. Logicamente, o estevão macho aqui é conhecido apenas por jara-macho.

Pois a jara-macho, como localmente se diz, é cientificamente a Cistus populifolius, enquanto a vulgar esteva dá pelo nome de Cistus ladaniferus.

O estevão-macho é um arbusto muito bonito e poderia, sem favor, integrar os nossos jardins como espécie ornamental. Possui muitos ramos, formando uma mancha densa. As folhas apresentam-se simples, opostas, pecioladas, pegajosas, grandes, de verde intenso, parecidas com as folhas do álamo (Populus spp), daí a designação latina, populifolius. As flores, brancas, um pouco mais pequenas do que as da esteva, nascem em compridos pedúnculos, em forma de corimbos e são muito vistosas. Os frutos estão encerrados em cápsulas ovadas e deiscentes.

Encontrei pela primeira vez o estevão-macho nas imediações do Penedo Furado (Vila de Rei) e logo me encantou. Mais tarde, tornei a encontrá-lo num passeio organizado pelo Clube Ar Livre, na serra algarvia. Contudo, nunca o tinha visto tão alto e em tão grande profusão. Aliás, a altura deste arbusto tem a ver com a disputa face a outras plantas concorrentes para alcançar um lugarzinho ao sol.

Nesta fase da descrição já os leitores estarão impacientes e naturalmente indagarão: “mas para que presta o estevão-macho?”

Pois o estevão-macho serve para fazer loções destinadas ao couro cabeludo. Dizem os compêndios que previne eficazmente a queda do cabelo.

Todas as espécies do género Cistus L têm as folhas e os ramos revestidos de uma oleorresina, exsudada por pelos glandulares, conhecida por lábdano. Este extrai-se através da fervura das plantas em água e tem utilização em farmacopeia, perfumaria e fabrico de vernizes. (Elementos da Flora Aromática de Aloísio Fernandes Costa). O lábdano existente na esteva e no estevão-macho é de composição complexa. Para além do óleo essencial, tem ácidos aromáticos, triterpenóides e mucilagens com ação antissética e mucolítica e foi outrora usado em problemas do foro respiratório, nomeadamente para tosse e bronquite. (Plantas Aromáticas em Portugal de A. Proença da Cunha e outros – Edição da Fundação Calouste Gulbenkian)

E mais não digo!


terça-feira, 27 de agosto de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Apesar de há muito ter a convicção de que apenas pelo efeito de uma acção militar será possível conceber a queda do regime, não deixa de ser uma surpresa ver a contestação à situação partir desses sectores, mas a verdade é que parece que assim é e são vários os sinais que apontam para um mal estar cada vez maior entre aqueles que fazem a guerra e, a seguir à PIDE, podemos apontar como um dos principais pilares de suporte desta continuidade de salazarismo sem Salazar em que, como seria de esperar e ao arrepio das promessas e esperanças, para não dizer ilusões, iniciais e do pretensamente pedagógico paternalismo do Professor, acabou por se constituir o consulado de Marcelo Caetano. Ao certo não sei o que se passa e o que pretendem os homens das armas, pois os jornais e as rádios e a televisão pouco ou nada adiantam, nem a censura o permitiria e pelos zum zuns que sempre se vão ouvindo a partir das informações que circulam pela quase clandestinidade das conversas entre dentes, fico sem perceber se estamos perante a afirmação da força dos ultras como Kaúlza de Arriaga que, avaliando pelo que chega do estrangeiro, tem a responsabilidade suja de sangue pelo massacre que ocorreu numa aldeia em Moçambique, onde as nossas tropas terão assassinado a sangue frio a população inocente, incluindo mulheres, velhos e crianças indefesas, alegadamente por colaborarem e darem guarida aos chamados terroristas da FRELIMO ou, se em vez disso, são outras figuras que abertamente já apresentaram soluções contrárias às que o poder propõe para o problema do ultramar, entre os quais o principal destaque vai para o General António de Spínola que publicou um livro há pouco, “Portugal E O Futuro” que o Manuel já leu e em que propõe um arranjo de tipo federalista como forma de alternativa para as independências com o necessário corte radical e irremediável com a metrópole e o melhor meio para acabar com os conflitos que duram praticamente há uma década e tão avessos se apresentam a um desfecho que passe apenas por uma vitória militar. Mas é assim e por vezes as coisas surgem de onde menos se espera e o que é certo é que depois daquela edição que foi um verdadeiro êxito e só a proibição impediu de chegar ao estatuto de best-seller, se é que não chegou a atingi-lo, lá para os lados das entidades fardadas, as águas parecem andar muitíssimo agitadas, ao ponto de o Presidente do Conselho ter sentido a necessidade de um beija mão suplementar por parte das altas patentes e chefias das nossas forças armadas e logo no dia seguinte que foi ontem, ter irrompido um levantamento num regimento das Caldas da Rainha que saiu para a rua com o intento de marchar sobre Lisboa e foi interceptado por uma unidade da GNR, estando agora os seus cabecilhas presos. Não sei quais seriam as intenções, mas fossem elas quais fossem, pelas reacções imediatas e o resultado final, não deveriam ser lá muito amistosas para o governo. Quem diria que um sector que até aqui tem dado provas de lealdade e até empenho na continuidade desta ditadura, tenha agora entrado em convulsão de tal maneira que seja hoje plausível poder vir a ser daí que finalmente parta o golpe fatal que lhe ponha cobro. É verdade que a situação internacional passou por uma forte crise económica no início da década, provocada pelos elevados e mais ou menos repentinos aumentos dos preços do petróleo, o que teve enormes repercussões no valor da troca das mercadorias em geral e das matérias-primas em particular o que, para o nosso país, se traduziu numa pressão inflacionista –pela minha parte tive mesmo que aprender o significado dessa nova palavra no meu vocabulário, inflação e toda a realidade a que a mesma diz respeito e em que se materializa- que em muito deve dificultar a manutenção das operações bélicas em três teatros distintos e já implicou cortes de poupança nos gastos do estado e da importação de certos bens, em boa parte causadores das fartas e aborrecidas bichas que se têm formado nos postos de gasolina para o abastecimento dos automóveis particulares. Mesmo aqui, neste pedacinho de céu, as dificuldades se fizeram sentir com a quebra de algumas produções por via da diminuição do volume de vendas e uma maior dificuldade no escoamento dos produtos agrícolas por via do agravamento dos preços respectivos. Nesta última temporada, empregamos um menor número de mão-de-obra sazonal para garantirmos as diversas safras e como tudo indica que esta alta dos combustíveis veio para ficar, as expectativas para o futuro, pelo menos o mais próximo, não serão as melhores. É pois natural que estes desarranjos na economia mundial tenham alguma influência na agitação que se tem feito sentir e a que a nível social tem dado corpo a greves um pouco por todo o lado e especialmente que se tem feito sentir com invulgar acutilância nestes últimos dias e não sei o que possa advir de um agravamento. Contudo, não deixou de ser uma surpresa ver um pronunciamento que, se a memória não me falha, não ocorria desde a revolta dos marinheiros já lá vão à volta de quarenta anos. Será que a linha dura do salazarismo vai querer tomar conta dos acontecimentos para continuar a guerra? Será que a economia mundial ou por outra, a evolução da economia mundial lhes propiciará a possibilidade de manter os recursos bastantes para o levar à prática? Será realista esperar isso? São dúvidas que se me colocam ao reflectir sobre os últimos eventos e que não tenho como resolver. Só espero que a inflexibilidade de uns e de outros não acabe por atirar o país para uma guerra civil, mas temo que seja esse o desfecho que nos aguarda no horizonte da História. São cinzentos os tempos que se avizinham.

segunda-feira, 26 de agosto de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (43)

Corporate Wars: Wall of influence,
Robert Long, 1982 Alumínio, 213x274cm
NÓS, HUMANOS
Uma história com um final feliz, porque tem o brilho da luz que indica o pote de ouro que todos nós sabemos que existe no fim do arco-íris... e é bom que nunca percamos a capacidade de acreditar naquilo que não se pode provar. Numas férias que passámos numa aldeia turística no Algarve, ficou ao lado da nossa vivenda um casal alemão com três filhos, mais ou menos da idade das minhas filhas. A senhora e os filhos falavam inglês e o marido só falava alemão. O meu sogro, já falecido, só falava português. Os miúdos entendiam-se perfeitamente, o que não admira: as crianças têm uma linguagem universal. Mas o que é incrível (e eu juro que é verdade!) o meu sogro e o alemão davam longos passeios pela praia, passavam o dia na conversa em que falavam das suas profissões, de futebol, de política e não sei se de mulheres! Ficámos muito amigos: foram visita de nossa casa durante duas ou três temporadas que passaram em Portugal. Nós, os humanos, estamos condenados a entendermo-nos. Tenho pena, muita pena, que alguns, ainda não se tenham apercebido desta verdade... 
António Tapadinhas

domingo, 25 de agosto de 2013

 



 
 
 
DEMOCRATIZAR A DEMOCRACIA.

 

As crianças brincam aqui na praceta. Oiço o barulho que fazem, as fantasias que inventam. Um anda no baloiço e é trapezista, outro anda de bicicleta e é o líder do prémio da montanha pois chegou em primeiro lugar ao cimo da montanha que se ergueu nas voltas que dava à praceta, outro joga à bola e é o Cristiano Ronaldo enquanto o outro diz que é o Messi. As brincadeiras das crianças são a sério e elas são sérias a brincar. Enquanto brincam são aquilo a que brincam.

Da mesma forma que com outras ocupações e profissões.

Os sapateiros são a sério e a prova é que andamos calçados, os pedreiros também o são porque temos casas para morar, os agricultores igualmente porque nas nossas mesas “caiem” as sopas, as saladas e muitos outros alimentos (infelizmente alguns não têm nada disto). E os pescadores também são a sério. E os artistas que nos oferecem outros mundos, outras realidades, também. E os professores que nos ajudam a aceder aos conhecimentos.

As árvores também o são com seriedade e temos os frutos, a lenha, as mesas, portas, janelas, barcos para navegar, para o provar.

E a água que nos sacia e lava.

Enfim poderíamos prosseguir por aqui afora mas, já agora que se aproximam mais umas eleições, chegamos aos políticos. Políticos que deveríamos ser todos mas que como sabemos não somos. Não políticos no sentido de profissão, antes no sentido da participação. Políticos no sentido da cidadania.

Pois bem, quanto aos políticos, que temos?

Os políticos e os partidos políticos só ganham razão de ser se com a sua acção contribuírem para a resolução dos problemas das pessoas já que é para isso que a política serve, é isso a política.

Como problemas das pessoas entendam-se as questões relacionadas com o trabalho, a educação, a saúde e a justiça económica e social, sendo que todas as restantes serão derivadas e sucedâneas destas. Se não for para isto, a política tenderá a evoluir para um exercício de retórica onde a demagogia e a arte de bem falar (muitas das vezes sem nada dizer) ganharão a primazia, e para a defesa de interesses em lugar de princípios e valores.

Cada um deverá fazer a sua própria leitura a partir do que observa e verifica e das ideias e sentimentos que tal lhe proporciona mas, talvez seja tempo de cada um assumir um papel mais activo e participativo nesta chamada vida política e que mais não será que o exercício da cidadania. A participação na actividade social e política não se esgota nos partidos políticos. Muito longe disso, há muitas outras formas de organizar e concretizar a nossa participação e muitas outras poderão ser criadas se disso houver vontade. Parece-me ser essa a condição primeira para democratizar a democracia e rasgar outros horizontes quando os que nos oferecem não nos servem.
 


Foto: Edgar Cantante; Texto: Manuel João Croca

sábado, 24 de agosto de 2013





Realização de Fernanda Gil



sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Livros d'África


 FREIRE DE ANDRADE

Escrito em Nambuangongo no ano de 1964, o autor, combatente do exército português, relata os dias sombrios de uma guerra imposta e injusta, onde foi obrigado a combater um povo que aprendeu a respeitar, a amar, e por quem sofreu:
“Canâmboa foi um paraíso que perdi, irremediavelmente e para sempre. Poderia também ter-se chamado a “Capital da Fome”.
Havia uma Noémia, perdida no impossível e na adversidade. Igualmente lhe ficaria bem o nome de “a que tudo deu sem nada possuir”.
Esta mulher ele amou.

Um homem bom, era jardineiro, passou sem nome. Mas, se tivesse que ter um, chamar-se-ia “Humanidade”.
Este homem ele respeitou.

Vivia ali uma multidão. Nome: “Ansiedade e Desespero”.
De tudo, o destino fez tragédia.
Alguém há-de pagar por isso…”
Por esta multidão martirizada, ele desesperou.

Através de uma realidade ficcionada, a obra descreve-nos, através das memórias do autor retido numa cama de hospital por um ataque de febre tifóide, as relações humanas que viveu e sofreu. Com horror:
“…uma secção que destrua tudo.
- Então? Porque esperam?
Havia qualquer coisa que anquilosava, que algemava a vontade daquela gente.
- As galinhas?
- Mata-as…
- As galinhas poem ovos!
- Mata-as.
- Há crianças que vão ficar sem ter que comer!
- Mata-as. Chiça. Mata-as.
As galinhas foram agarradas. Torceram-lhes o pescoço.
- Então porque não queimas as cubatas?
Imediatamente enormes fogueiras iluminaram a floresta.
- E aquela? Aquela ali? Porque não lhe deitaram fogo?
- Tem lá dentro um berço…
- Queima tudo e queima o que estiver lá dentro.
- Um bercinho de criança?
- Queima-o.
- E a criança?
- A ordem é destruir tudo sem excepção… Não te compete pensar.
A última cubata ardeu. O berço ardeu. O grupo de combate abandonou o local e prosseguiu.”.

Do outro lado, o desespero era assim expresso:
“N’Zambi! Oh! N’Gana n’Zambi yiame!
Oh! Tata iétu uala um Diulú!
Ku muxima kuala ku-ngi-xixima kiavulú!
Aiué!” (a)

Como diz o autor, alguém teria de pagar… O livro foi editado pela Seara Nova, em 1974.

(a) Deus, Oh! Senhor meu Deus!
Oh! Meu Pai que estás no céu!
Tenho uma grande dor no coração!
Aiué!


Tomás Lima Coelho


quinta-feira, 22 de agosto de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

SEM TÍTULO
 


CELESTE BEIRÃO

Acrílico sobre Tela 120 x 80
 

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

ESTUDO DO RIO E DO CÉU E DAS OUTRAS COISAS GERAIS QUE ENTRE ELES SE ENCONTRAM


JUDAS, O CORPO E OUTROS ARQUÉTIPOS



Pintura de Tjalf Sparnaay


Vem este tema a propósito da perseguição que vem sendo feita ao corpo ao logo de séculos, de milénios.
Compreende-se. O corpo é, ao mesmo tempo, o altar e o espaço de profanação. Porque só é profanado o que é suscetível de o ser. Onde não existe sagrado, não se fala em profanação. Isto conduzir-nos-ia muito longe, mas para já, quero apenas centrar-me nesta dicotomia onde o corpo tem desempenhado o papel menos glorioso. E no entanto... sem Judas não teria havido ressurreição, porque não teria havido crucificação. O mais apontado como traidor foi, afinal, o instrumento divino, a mão de Deus na terra.
O corpo tem sido apontado como o lugar do pecado, o palco da vaidade,  o centro do egoísmo, o eixo do mal, o espelho da privação, a fonte do excesso, etc, etc, etc. E assim tem sido. E assim tem sido necessário. Porque faz parte deste plano existencial o conceito de experiência. Esta acontece no espaço e no tempo. O corpo é o espaço, porque é a expressão local da alma intemporal, e é o tempo, porque é a fatia horária da eternidade. E assim tem de ser. É através dos limites do corpo que a alma se reconhece como ilimitada. O corpo acrescenta emoção, coração, ação e compaixão à limpidez do espírito. Humaniza-o. Pelo erro, pela dúvida, pelo arrependimento, pela confusão. Porque é o corpo o lugar visível, o quadro negro onde se escreve com giz a experiência de cada um para todos aprenderem, a videoconferência repetidamente participada, de forma mil vezes multiplicada.
É a condição essencial para a liberdade, porque sem ele não conheceríamos a escolha, o livre arbítrio. É o corpo que torna a escolha difícil, porque é ele que introduz a ideia de limitação, de dor e de "irremediável". Por causa da marcha implacável do inexistente tempo.
O corpo adoece, o corpo envergonha-se, o corpo sofre, o corpo treme, o corpo aterroriza-se, o corpo ameaça, o corpo destrói, o corpo destrói-se, como objeto autoprogramado que é. Por nós.
O corpo é o herói. Um dia, quando reconhecermos a esta humilde e gloriosa taça a graça da vivência que nos conduz à sabedoria, à transcendência (como poderia haver transcendência sem corpo?), à... real humanidade, o corpo pode finalmente libertar-se da mente doente e entregar-se a um destino mais suave, ao mesmo tempo mais partilhado e mais livre, um lugar de demonstração, já não do sofrimento, mas da função sublime e libertadora da dor, a dor que afinal é êxtase, porque deixámos de resistir ou acusar o corpo daquilo que é, afinal, a sua nobre função: expansão da consciência, conhecimento de quem realmente  somos, Assunção do Ser em nós. Apesar de nós. Com o corpo. Sublime morada.

Risoleta C. Pinto Pedro
http://aluzdascasas.blogspot.com/
http://diz-mecomonasceste.blogspot.com/

terça-feira, 20 de agosto de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Fiquei francamente fascinada com Raul Brandão. É claro que para isso muito concorreu a clareza e o entusiasmo com que a mestra apresentou o Autor, certeira quanto à beleza e a relevância dos excertos de obras que nos leu e nos fez ler e é tão agradável ouvir ler e então quando é feito com a eloquência e a elegância com que ela o desempenhou e nos levou a desempenhar, cheia de exemplos e ilustrações para nos dar a conhecer e interpretar o escritor e dona de um manancial de cultura histórica não só capaz de situar qualquer acontecimento com precisão, como ainda de, pela vivacidade e riqueza dos seus recursos discursivos, fazer ver aos leigos ambiências mais ou menos exóticas de tempos de antanho. Será pois, em boa parte, ela a responsável pela admiração que senti perante textos que chegam ao ponto da maravilha e o interesse com que fiquei em ler tudo o que escreveu de uma ponta a outra, mas tenho para mim que foi precisamente esta redescoberta que me fez nascer este último desejo e essa, por muita que fosse a magia saída dos dotes da apresentadora, dificilmente aconteceria se o homem não fosse ou não tivesse sido verdadeiramente um poeta que em prosa se expressou para nos dar a conhecer o mundo que viu segundo o seu próprio olhar. Lembro-me de há muitos anos ter lido “Os Pescadores”, já aqui estávamos e de logo nessa altura ter ficado com a impressão de se tratar de uma compilação de pequenos registos admiravelmente belos, com uma linguagem assente numa intensidade poética desconcertante e jamais me esqueci do quão bem o achei como paisagista. Nas páginas sobre Sesimbra reconstruí imagens da infância quando por ali passei com os meus queridos e saudosos pais, identificando os batéis ligeiramente inclinados nos suportes de estacas que os mantinham sobre a espera nas areias e botes e aialas como moscas, ao longe, espalhadas pela ampla concavidade da baía. Também me ficou no ouvido o reparo de alguém, talvez o Artur ou o Félix que tão embevecidos andavam no seu trabalho de recolha de musicalidades antigas e tradicionais, da importância do indivíduo para a própria etnografia portuguesa. É curioso como estas coisas são e se nesses dias distantes não consegui compreender o alcance e a pertinência da observação, vejo agora, depois das brilhantes e enriquecedoras lições que a Raquel nos ministrou, fez-se luz e, para mim, ficou clara a acutilância daquele ponto de vista. Pelo que me foi dado perceber, as “Memórias”, por exemplo, são uma fonte privilegiada de informação a respeito de sítios e da maneira de viver de certas zonas do país, naturalmente com maior relevo para o Porto, onde viveu muitos e bons anos e a região vizinha até Guimarães onde possuía propriedades e onde terá passado inúmeros Verões na companhia de Teixeira de Pascoais de quem, já na idade adulta, se fez grande amigo. Para mim, com a vantagem de não terem sido escritas segundo o olhar e os métodos de rigor e a almejada e pretensa objectividade de um historiador, antes com a emotividade e o envolvimento de quem toma notas pessoais e subjectivas que, reconhecida a honestidade com que foram elaboradas, precisamente lhes conferem esse estatuto de referência incontornável para qualquer trabalho etnográfico ou de carácter historiográfico. E é também aí que ele começa a ser uma pena única no panorama da literatura nacional e eu arriscar-me-ia a dizer, pelo menos, bastante incomum mesmo ao nível mundial. Vista no todo, a sua obra e por muito que o próprio tenha defendido a ideia da obra inacabada, mas, vista no todo, aquela é, no mínimo, muito singular. É que logo naquela altura achei e muito mais reforçado está hoje esse sentimento que o Manuel o descreveu na perfeição quando o apelidou de um autêntico pintor de palavras e também ele apenas leu “Os Pescadores”, aliás, por minha influência, devo acrescentar, pois fui eu que lhe transmiti o gosto que tive em tal leitura. E concordo com o paralelismo que, para o ilustrar, ele estabeleceu entre aquelas pinturas feitas de combinações de frases e alguns dos quadros de Eduardo Viana feitos em Vila do Conde. Não por acaso, nas notas biográficas que a Raquel nos deu a conhecer, lá está a significativa referência à elevada admiração que ele nutria por Columbano que considerava enquanto e como seu mestre. É engraçado que numa das aulas, pois foi de autênticas aulas que se trataram, a Graziela tenha perguntado como se poderia classificar literariamente um escritor tão invulgar, ao que a Raquel respondeu com as suas reservas de estudiosa e perita acerca das veleidades taxionómicas, digamos assim, acabando por, após uma reflexão em voz alta, concluir pela inclassificação dele. Mas agora que pensei várias vezes no assunto, quer-me parecer que afinal o homem até é provavelmente classificável. Se considerarmos o conjunto dos seus livros, não será certamente errado dizer que ele foi um genial cronista do tempo em que viveu e a que assistiu e é aí que tanto reside a sua originalidade quanto a sua grandeza. É pela densidade poética da sua prosa, pelo encanto pictórico das linhas que nos legou, tal como pela sagacidade e argúcia do observador em que se constituiu que ele não foi um cronista qualquer, alguém que muito simplesmente se limitou a deixar registos mais ou menos jornalísticos, mais ou menos antropológicos ou historiográficos sobre aquilo de que falou. Não, ele foi bem mais longe e com a sua arte de escrita, aquilo que ele logrou conseguir foi elevar a crónica ao mais alto plano do género literário que geralmente reservamos para o romance, o conto ou a novela. Foi até isso que no cômputo final mais me impressionou na sua obra que terei que arranjar para ler e em seguida. Infelizmente, é uma lacuna, quer na biblioteca da escola, quer na da associação. A boa notícia é que esta última já está a tratar de colmatá-la.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (42)

Os Grandes Amigos, Georg Baselitz, 1965
Óleo sobre Tela, 250x300cm
Falando de Rosa
De que te ris, velho amigo? Rosa fica em boas mãos. Prometemos cuidar dela agora que passou para o lado daquelas pessoas que nos são importantes... Quantas serão elas? Aquelas que ainda não apareceram mas que poderão ser fundamentais em algum momento inesperado?
Tendemos a ser conservadores e injustos com os nossos amigos: sabemos que podemos contar com eles, estão lá, como o ar que respiramos, sempre que precisamos deles. Por isso, de vez em quando devemos dizer às pessoas que nos são importantes que as amamos: sem nenhuma razão, simplesmente porque nos apetece, simplesmente porque sim...
Aproveito para dizer que vos amo...

António Tapadinhas

domingo, 18 de agosto de 2013

 
 
 
 
 
COMO UM RIO QUE CORRE
Fui no outro dia ver o filme a Gaiola Dourada e gostei.
Gostei porque, em minha opinião, sem ser um ggggggggrande filme (nem tal pretendendo), acaba por mostrar um pouco daquilo que mais genuinamente somos.
Como um rio que corre apertado entre montanhas que o tolhem e apertam obriga-se, o rio, a comprimir-se (como que fechando-se sobre si próprio) até por fim  conseguir soltar-se e espraiar-se para, no alagamento, fecundar a terra para a sementeira que se precisa fazer, também assim são, porventura, os portugueses, nós.
Constantemente comparados e depreciados a outros que supostamente nos estarão “à frente” e serão superiores, reféns de uma auto-estima enfraquecida, amputada  por quem sempre de nós se aproveitou sem nunca nos representar com a dignidade que nos é devida pela história que soubemos construir, sente-se o português acabrunhado na incerteza que a sua timidez lhe impõe, suspende o vôo que a alma lhe pede, adiando a manifestação da sua natureza profunda. Mas como semente que germina e porque o que tem de ser tem muita força, impelido por uma força estranha e instintiva acaba sempre por se elevar à altura do seu destino, onde finalmente se realiza naquilo que mais naturalmente é: um fazedor de pontes, ligador de mundos que, num permanente deslumbre vai deslumbrando e, assim, seduzir, harmonizar, pertencer.

 
Foto: Isa Ferreira; Texto: M. J. Croca

sábado, 17 de agosto de 2013

Oliveira bimilenária, o ser vivo mais antigo de Portugal


Segundo datação arqueológica, esta oliveira que se vê em baixo tem mais de dois mil anos. Vive no Concelho de Tavira, na freguesia de Santa Luzia. É o ser vivo mais antigo de Portugal, embora pouca gente disso tenha conhecimento. São precisos 5 homens para abraçar todo o seu perímetro que mede 7,75 metros. Esta espécie vegetal foi trazida da Mesopotâmia para a Europa Ocidental pelos Fenícios, no século VII A.C. (Ver mais em Diário da República, II Série - Nº 178-2-8-1984). Fotos de Lucas Rosa.





sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Divino Palhaço Augusto


Palhaço, sonho de menino.

E tu palhaço que és
Poeta sensível, criador de sonhos
E sábio em dom de palavra.

És aquela criança que brinca e dorme
No berço ao lado de sua mãe.
E perdes na vida como eterno perdedor,
Que necessitas de sorrisos para te manteres vivo.
E é lá, é lá na pista que tu os encontras.

Por isso vai palhaço, vai.
Mostra ao mundo o que sentes em tons de ironia,
E quando atinges o auge começas a voar,
A voar, a voar transcendendo deuses e coros celestes,
Indo para lá da caixa de jóias, que sonhaste
Conter o universo inteiro, dentro de teu quarto.

Por isso vai, vai.
Voando sobre o espaço gozando o mistério,
Quebrando o gelo de neptuno,
Mergulhando nas lavas quentes do sol,
E com um sorriso, sobes as escadas que dão até á lua,
E abraças-a com aquele abraço de ternura de criança
Como só tu sabes dar.

E quando te encotras, voltas ao circo.
Após um espetáculo brilhante
Estás sozinho no camarim a chorar,
Um choro te corrói por dentro
Vendo o mundo ideal que julgavas no berço
E que nunca existiu.

Porque és diferente palhaço,
No dom que tens de fazer rir
Quando no fundo queres chorar,
E quando olhas para o sorriso de uma criança,
Ves-te nela como sendo tu a sorrir para o palhaço.

Olho para a lua e vejo teu rosto triste Augusto,
Secando os olhos de tanto choro e riso,
Levando sempre contigo o eco de mais uma gargalhada.



                                                                                     Diogo Correia


quinta-feira, 15 de agosto de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

A ORIGEM
 


CAROLA JUSTO

Acrílico 30x40
 

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Vidas Lusófonas


O rigor histórico não está condenado à prosa de notário, é possível conviver com as figuras do passado. Saber o que foi, pode ajudar-nos a talhar o que será.


dá a mão à escritora

e depois sobem até


onde já moram 160.

Naquela casa tudo está a acontecer,
cada vida / cada conto.

Por isso já recebeu mais de 27,1 milhões de visitas.

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA


Desde muito novinha que a Raquel deu mostras de uma inteligência fora do vulgar que a poderia catapultar para os altos voos que hoje são os seus. Lembro-me bem dela, desde pequenina, sempre muito senhora de si e concentrada nas brincadeiras que fazia com os outros miúdos e que nunca deixava de conduzir quando os trilhos ameaçavam seguir por agitações que não eram do seu agrado. E especialmente recordo-me da cumplicidade que na adolescência mantinha com o Carlos Manuel e, muito embora saiba que é uma parvoíce os pais pensarem esses futuros a respeito dos filhos, me levavam a pensar se um dia não viriam aqueles dois a unir os seus destinos. Não foi isso que veio a suceder, mas na memória ficaram-me as conversas em que aquela revelava um conhecimento muito acima das outras raparigas e rapazes, já de si, praticamente todos num plano superior àquilo que podemos supor que é a mediania nacional, bem como uma capacidade de argumentação que lhe franqueavam as portas para leituras próprias e pontos de vista pessoais sobre os assuntos que lhe despertavam atenções e interesses particulares. Tenho bem presente como ela era obstinada com o cumprimento dos deveres e como se mostrava incansável em obter informação e sabedoria a partir de toda e qualquer fonte que estivesse ao seu alcance, naturalmente com relevo para os livros que, ainda a partir da puberdade, a acompanhavam por onde quer que andasse. Mais tarde, quando esta filha do Quico me passou pelas mãos, não tive qualquer dúvida em perceber que tinha pela frente uma alma especial e em antever que ela só poderia ir longe com todo aquele gosto e empenho não só na procura de saberes e competências, como igualmente o desejo incondicional de alcançar um aperfeiçoamento constante e de em tudo colocar o melhor de que era capaz. Parece que a estou a ver, com o nariz arrebitado que um franzir o sobrolho muito peculiar acentuava, toda ela interessada em me ouvir responder às suas dúvidas sobre se determinadas ideias que estava a desenvolver a respeito de um qualquer romance tinham razão de ser, se eram sustentáveis, sobretudo no âmbito em que ela o fazia, se não haveria uma qualquer maneira de mostrar que eram falsas, palmilhando ao meu lado o trajecto entre a escola e a porta da minha casa, tantas e tantas vezes entrando para que eu não tivesse que interromper algum pensamento ou alguma observação em curso. Não me admirei pois quando ela se graduou com notas máximas e foi convidada para o lugar de assistente e a partir daí rapidamente partiu para uma carreira académica que tem sido brilhante e numa dezena de anos a colocou no patamar do concurso para o título de Professora Catedrática e ao longo da qual acumulou uma meia dúzia de estudos publicados em outros tantos livros e um bom número de pequenos artigos e ensaios estampados em jornais e revistas que lhe configuram uma obra assinalável. Por saber fica sempre o carácter dos filhos, mesmo quando estamos conscientes daquilo que lhes transmitimos em termos de valores e princípios, em aberto fica impreterivelmente a moldagem com que as vicissitudes da vida vão condicionando as possibilidades dos comportamentos individuais e a erosão que estes possam provocar naqueles ou a robustez com que induzem a pessoa a navegar as dificuldades e desafios que se lhe deparem. Pessoalmente estou convencida que se aqueles tijolinhos fundamentais forem bem incutidos, independentemente da personalidade de cada um, não serão as agruras por que passará que os irão alterar e, pelo contrário, será com eles que ele guiará os passos a dar e, nos momentos decisivos, sempre aqueles acabarão por vir ao de cima. E a verdade é que a Raquel que tem o nome da mãe, não foi apenas uma menina inteligente e com um amanhã promissor no que concerne à busca de um ganha pão. Ao mesmo tempo, ela sempre se revelou uma criança educada e prestável, respeitadora do próximo e, mesmo quando parecia estar a ser arrogante pela veemência e convicção com que defendia os seus pontos de vista, algo que, no entanto, não a impedia de reconhecer erros e voltar atrás, pode-se até dizer humilde e solidária. É pois, na minha opinião, isto que explica que esta mulher que está na força da idade e com tudo para ter uma vida regalada para lá do trabalho e que não tendo os compromissos de uma família e vivendo só, bem se poderia dar ao luxo das passeatas e usufrutos do que em termos culturais a cidade de Lisboa, onde reside, tem para oferecer e agora, com a Fundação Calouste Gulbenkian em pleno, já vai apresentando uma variedade significativa e interessante, é pois o seu bom carácter que explica que uma pessoa como ela se disponha e disponibilize para gastar tempo e energias para vir aqui à nossa associação animar sessões de leitura e ministrar cursos no domínio da literatura, naturalmente abertos a qualquer um e que ela prepara e apresenta com o mesmo rigor e exigência com que prepara cada uma das suas aulas, na Faculdade, ou aí orienta uma tese de licenciatura. Bem que ela tinha arcaboiço suficiente para muito simplesmente chegar aqui e debitar o que tivesse que abordar, quanto muito tomar umas notas e fazer um pequeno guião que, pelo menos, lhe servisse para limitar e para que não se perdesse no que houvesse para dizer. Mas o que acontece é que ela não se poupa a esforços e manifestamente não quer ficar por aí, como me confidenciou em certa ocasião, uma vez que não é capaz de pôr de lado a ideia de que ao querermos oferecer algo aos outros, então deveremos certificarmo-nos que em nenhuma circunstância lhes estamos a dar gato por lebre. Por isso se dá ao pormenor de planear adequada e detalhadamente cada sessão, sequer descurando as especificidades de qualquer plateia que seja chamada a enfrentar. Como seria de esperar, estas suas lições são invariavelmente objecto do maior interesse e creio que ao falar por mim posso incluir todos aqueles que ao longo desta mão cheia de anuidades têm assistido a estes seus regressos regulares a este mundo onde nasceu e foi criada. Ora foi isso que voltou a suceder com o curso que ontem terminou a respeito de Raul Brandão que eu praticamente não conhecia e de quem quero agora ler a obra completa, a começar pelas “Memórias” que pura e simplesmente me pareceram ser uma verdadeira delícia.
Mas eu acho que prefiro registar essas notas à parte, talvez amanhã. Neste momento é demasiado tarde para estar a conceder-lhes um início, até pelo facto de nunca saber o que possa vir a sair e o Manuel que tudo indica estar a regressar à normalidade, pois não mais deram sinais as manifestações de indisposições que o incomodaram durante praticamente todo o Verão, mesmo assim o meu amorzinho precisa que lhe dê carinho, muito carinho que é o melhor tónico para o ânimo e este é a melhor muralha e o primeiro recurso que temos à mão para encararmos e respondermos a um problema de saúde, qualquer que ele seja.
E depois é tão doce e confortável dormir enroscada entre os seus braços, sentindo o seu calor crescer em mim.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (41)

Os Bêbedos, José Malhoa, 1907
Óleo sobre Tela, 150x200cm

Fado, Malhoa e o que mais adiante se verá...

Estava a jantar com minha mulher,
algo que não faço tantas vezes como devia
num restaurante de que eu gosto muito, porque para além da excelente qualidade da comida,
o que por si só, já seria um bom motivo para o frequentar
também aprecio o bom gosto das telas expostas,
são todas minhas
quando o meu amigo Bernardo, dono do restaurante,
curiosamente, quando estive no Rio de Janeiro, fiz questão de passar um dia na “Ilha do Bernardo”, para lhe trazer uma lembrança da “sua” ilha
me pediu para atender um senhor, construtor civil, que queria fazer-me um pedido.
normalmente é para ver se eu concedo um desconto nalguma obra exposta
Acedi, sem grande esperança. Afinal, estava redondamente enganado com as suas intenções!
acontece aos melhores!
O senhor queria que eu lhe fizesse uma tela, grande,
grande – substantivo, não, grande – adjectivo
para colocar na adega da sua casa, que seria inaugurada dentro de alguns meses. Quando comecei a dar a desculpa habitual para me esquivar a aceitar compromissos,
estilo: “Não tenho tempo! Estou muito ocupado”
o senhor não quis ouvir as minhas razões
era construtor civil, lembram-se?
e disse-me que até tinha ideia do que queria. Aí eu fiquei atento!
construtor civil com ideias, coisa estranha!
Queria que eu fizesse um quadro ao estilo de Malhoa,
José Malhoa, pintor português, naturalista, 1855-1933
com aquela conhecidíssima figura da sua obra “Festejando o S. Martinho”.
repetida em reproduções baratas, ad nauseum
Achei um bom desafio: não tinha muita paciência para pintar como Malhoa,
à data da sua morte o seu estilo já era contestado pelos mais novos
mas como também não tinha dinheiro, resolvi aceitar a encomenda.
mal como se verá!
Para não fazer uma cópia do óbvio, resolvi criar uma composição com duas obras de Malhoa e seleccionar cartazes da época
para o meu ego não ficar muito ferido
para pregar nas paredes da tasca onde se iria passar a cena.
Triste!
Para dar algum realismo às paredes, adicionei areia à tinta,
as pintinhas, suponho que parecem aquelas coisas que as moscas deixam nas paredes
e o claro-escuro do interior, mais escuro ainda, como é costume para ouvir os acordes plangentes da guitarra e os sons maviosos do fadista.
e ninguém notar se quisermos dormir uma soneca!
Quando a obra ficou pronta, combinei com o meu amigo Bernardo, colocá-la no restaurante e o senhor construtor passar por lá para a poder apreciar em todo o seu esplendor. Adorou-a! Mas
há sempre um mas
não lhe convinha fazer mais despesas, naquela altura!
a crise toca a todos, não é? Menos aos pintores, acho eu...
E assim fiquei com uma obra que está exposta no “Restaurante Napolitano” do meu amigo Bernardo.
acreditam que já foi mandada guardar por um senhor que teve de sair para os Açores?
Até hoje!


Para finalizar a história aqui está o meu quadro:

Vai um Copo? António Tapadinhas, 2003
Acrílico sobre Tela 100x120cm