terça-feira, 6 de agosto de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Sempre me admirei com aquelas pessoas e uso este termo para fugir ao vocábulo mulheres, pois o mesmo sentimento atravessa igualmente os homens e é também por eles expressado, mas sempre me admirei com aquelas pessoas que, uma vez os filhos criados e longe dos ninhos, tendo por isso regressado à simples vida de casal, dizem sentir uma enorme perda e uma estranheza absoluta relativamente a um dia a dia que já foi o seu e em que ficaram libertos de um ror de preocupações a que de tal modo se tinham habituado que, precisamente por deixarem de estar lá, deixam um espaço em branco nas horas que, não sendo preenchido, gera o tal vazio a que muitos se referem. É um problema real e efectivo que tenderá a agigantar-se à medida que houver mais gente reformada e, como tem vindo a acontecer nos últimos anos, a esperança de vida for aumentando e, nos países mais afortunados, ela já começa a ultrapassar os setenta anos de idade. Pelo que me é dado observar por aqui, eu diria que encerra alguma gravidade, pois tenho reparado que há alguns homens que se travaram de encontros e de amores com a bebida justamente por ocasião desse movimento natural nas fases vitais de cada um. As mulheres estão sempre mais protegidas nestas coisas e, se a memória não me engana, creio até já ter falado sobre isso a propósito da aposentação do senhor Abel e da dona Noémia. Mas não deixo de olhar com uma ponta de humor aquelas fêmeas que, depois de verem a ninhada partir, se dedicam a cuidar dos cães e dos gatos. Mais do que a expressão de uma falta de tempo, é isso uma manifestação de um vácuo interior de cada um. E depois, se não formos capazes de nos redescobrir na paixão é porque não houve amor entre marido e mulher ou, se o houve, há muito que terá deixado de luzir. Não é este o meu caso, melhor será até dizer o nosso caso, visto que tanto eu como o Manuel, se bem que possamos sentir a falta dos nossos filhos e seria hipócrita se não admitisse que lhes sinto a ausência, a começar pelo cirandar que desinquietava a casa e as desarrumações que as suas brincadeiras traziam e que são bem patentes sempre que levo a chave à fechadura e com o girar da porta verifico estar tudo no lugar mas que, concomitantemente, transmitiam ao lar o calor do testemunho de uma vivência plena e especialmente durante as refeições em que as conversas se atropelavam no fluir de uma alegria associada à partilha de uma vida comum e isto apesar de, decorridos todos estes anos em que nos vemos nesta condição, uma tal estranheza esteja agora mais esbatida, apesar de tudo isso ambos acabámos por nos reencontrar com o prazer que sempre sentimos pela presença do outro e as pequenas delícias que só por essa via nos podemos mutuamente ofertar. Para além disso, o Manuel mantém a sua vida autónoma e os seus interesses particulares que o preenchem e em que se sente feliz e eu, pela minha parte, depois de liberta dos afazeres profissionais, mantenho gostos cuja satisfação me deixa em êxtase até que o sono me força à entrega incontornável de lhe obedecer. Não serei pois alguém que precisa de descortinar preocupações adicionais para encontrar um sentido para me erguer da cama todas as manhãs, mas não consigo deixar de andar um tanto ou quanto preocupada com o meu amor que, neste Verão, tem padecido de uma indisposição quase permanente. Nesta última semana, pelo menos, a coisa aliviou e ele tem passado bem, mas nos meses anteriores foram mais os dias em que as refeições lhe caíram mal, invariavelmente provocando azias e ardores na barriga do que aqueles em que os alimentos simplesmente foram ingeridos com prazer e digeridos sem qualquer problema. Inicialmente a Viviana pensou tratar-se de uma gastrite e depois, pela persistência dos sinais e incómodos, ainda aventou a hipótese de alguma úlcera o que, feitos os exames e análises devidas, se veio a verificar não ser. Provavelmente terá sido algum desarranjo provocado por uma qualquer causa alimentar não identificada e que por motivo desconhecido se terá prolongado mais que o habitual. Para já o diagnóstico é esse e, como disse, por agora tudo parece ter voltado à normalidade. Mas mentiria se pretendesse transmitir a ideia de não ter ficado preocupada, sobretudo por pensar que uma tão longa indisposição não terá sido fruto do acaso, ainda que não tenha como não aceitar a opinião médica que referi e que por enquanto é a última palavra sobre o sucedido. Não sei o que pensar. Não deixa de ser estranho que ele tenha perdido peso repentinamente, embora seja verdade que inverteu a tendência e está aquele praticamente todo recuperado. 
Eu sofro por ver o meu amor triste.

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