Apesar de há muito ter a convicção de que apenas pelo efeito de uma acção militar será possível conceber a queda do regime, não deixa de ser uma surpresa ver a contestação à situação partir desses sectores, mas a verdade é que parece que assim é e são vários os sinais que apontam para um mal estar cada vez maior entre aqueles que fazem a guerra e, a seguir à PIDE, podemos apontar como um dos principais pilares de suporte desta continuidade de salazarismo sem Salazar em que, como seria de esperar e ao arrepio das promessas e esperanças, para não dizer ilusões, iniciais e do pretensamente pedagógico paternalismo do Professor, acabou por se constituir o consulado de Marcelo Caetano. Ao certo não sei o que se passa e o que pretendem os homens das armas, pois os jornais e as rádios e a televisão pouco ou nada adiantam, nem a censura o permitiria e pelos zum zuns que sempre se vão ouvindo a partir das informações que circulam pela quase clandestinidade das conversas entre dentes, fico sem perceber se estamos perante a afirmação da força dos ultras como Kaúlza de Arriaga que, avaliando pelo que chega do estrangeiro, tem a responsabilidade suja de sangue pelo massacre que ocorreu numa aldeia em Moçambique, onde as nossas tropas terão assassinado a sangue frio a população inocente, incluindo mulheres, velhos e crianças indefesas, alegadamente por colaborarem e darem guarida aos chamados terroristas da FRELIMO ou, se em vez disso, são outras figuras que abertamente já apresentaram soluções contrárias às que o poder propõe para o problema do ultramar, entre os quais o principal destaque vai para o General António de Spínola que publicou um livro há pouco, “Portugal E O Futuro” que o Manuel já leu e em que propõe um arranjo de tipo federalista como forma de alternativa para as independências com o necessário corte radical e irremediável com a metrópole e o melhor meio para acabar com os conflitos que duram praticamente há uma década e tão avessos se apresentam a um desfecho que passe apenas por uma vitória militar. Mas é assim e por vezes as coisas surgem de onde menos se espera e o que é certo é que depois daquela edição que foi um verdadeiro êxito e só a proibição impediu de chegar ao estatuto de best-seller, se é que não chegou a atingi-lo, lá para os lados das entidades fardadas, as águas parecem andar muitíssimo agitadas, ao ponto de o Presidente do Conselho ter sentido a necessidade de um beija mão suplementar por parte das altas patentes e chefias das nossas forças armadas e logo no dia seguinte que foi ontem, ter irrompido um levantamento num regimento das Caldas da Rainha que saiu para a rua com o intento de marchar sobre Lisboa e foi interceptado por uma unidade da GNR, estando agora os seus cabecilhas presos. Não sei quais seriam as intenções, mas fossem elas quais fossem, pelas reacções imediatas e o resultado final, não deveriam ser lá muito amistosas para o governo. Quem diria que um sector que até aqui tem dado provas de lealdade e até empenho na continuidade desta ditadura, tenha agora entrado em convulsão de tal maneira que seja hoje plausível poder vir a ser daí que finalmente parta o golpe fatal que lhe ponha cobro. É verdade que a situação internacional passou por uma forte crise económica no início da década, provocada pelos elevados e mais ou menos repentinos aumentos dos preços do petróleo, o que teve enormes repercussões no valor da troca das mercadorias em geral e das matérias-primas em particular o que, para o nosso país, se traduziu numa pressão inflacionista –pela minha parte tive mesmo que aprender o significado dessa nova palavra no meu vocabulário, inflação e toda a realidade a que a mesma diz respeito e em que se materializa- que em muito deve dificultar a manutenção das operações bélicas em três teatros distintos e já implicou cortes de poupança nos gastos do estado e da importação de certos bens, em boa parte causadores das fartas e aborrecidas bichas que se têm formado nos postos de gasolina para o abastecimento dos automóveis particulares. Mesmo aqui, neste pedacinho de céu, as dificuldades se fizeram sentir com a quebra de algumas produções por via da diminuição do volume de vendas e uma maior dificuldade no escoamento dos produtos agrícolas por via do agravamento dos preços respectivos. Nesta última temporada, empregamos um menor número de mão-de-obra sazonal para garantirmos as diversas safras e como tudo indica que esta alta dos combustíveis veio para ficar, as expectativas para o futuro, pelo menos o mais próximo, não serão as melhores. É pois natural que estes desarranjos na economia mundial tenham alguma influência na agitação que se tem feito sentir e a que a nível social tem dado corpo a greves um pouco por todo o lado e especialmente que se tem feito sentir com invulgar acutilância nestes últimos dias e não sei o que possa advir de um agravamento. Contudo, não deixou de ser uma surpresa ver um pronunciamento que, se a memória não me falha, não ocorria desde a revolta dos marinheiros já lá vão à volta de quarenta anos. Será que a linha dura do salazarismo vai querer tomar conta dos acontecimentos para continuar a guerra? Será que a economia mundial ou por outra, a evolução da economia mundial lhes propiciará a possibilidade de manter os recursos bastantes para o levar à prática? Será realista esperar isso? São dúvidas que se me colocam ao reflectir sobre os últimos eventos e que não tenho como resolver. Só espero que a inflexibilidade de uns e de outros não acabe por atirar o país para uma guerra civil, mas temo que seja esse o desfecho que nos aguarda no horizonte da História. São cinzentos os tempos que se avizinham.
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