sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Livros d'África


 FREIRE DE ANDRADE

Escrito em Nambuangongo no ano de 1964, o autor, combatente do exército português, relata os dias sombrios de uma guerra imposta e injusta, onde foi obrigado a combater um povo que aprendeu a respeitar, a amar, e por quem sofreu:
“Canâmboa foi um paraíso que perdi, irremediavelmente e para sempre. Poderia também ter-se chamado a “Capital da Fome”.
Havia uma Noémia, perdida no impossível e na adversidade. Igualmente lhe ficaria bem o nome de “a que tudo deu sem nada possuir”.
Esta mulher ele amou.

Um homem bom, era jardineiro, passou sem nome. Mas, se tivesse que ter um, chamar-se-ia “Humanidade”.
Este homem ele respeitou.

Vivia ali uma multidão. Nome: “Ansiedade e Desespero”.
De tudo, o destino fez tragédia.
Alguém há-de pagar por isso…”
Por esta multidão martirizada, ele desesperou.

Através de uma realidade ficcionada, a obra descreve-nos, através das memórias do autor retido numa cama de hospital por um ataque de febre tifóide, as relações humanas que viveu e sofreu. Com horror:
“…uma secção que destrua tudo.
- Então? Porque esperam?
Havia qualquer coisa que anquilosava, que algemava a vontade daquela gente.
- As galinhas?
- Mata-as…
- As galinhas poem ovos!
- Mata-as.
- Há crianças que vão ficar sem ter que comer!
- Mata-as. Chiça. Mata-as.
As galinhas foram agarradas. Torceram-lhes o pescoço.
- Então porque não queimas as cubatas?
Imediatamente enormes fogueiras iluminaram a floresta.
- E aquela? Aquela ali? Porque não lhe deitaram fogo?
- Tem lá dentro um berço…
- Queima tudo e queima o que estiver lá dentro.
- Um bercinho de criança?
- Queima-o.
- E a criança?
- A ordem é destruir tudo sem excepção… Não te compete pensar.
A última cubata ardeu. O berço ardeu. O grupo de combate abandonou o local e prosseguiu.”.

Do outro lado, o desespero era assim expresso:
“N’Zambi! Oh! N’Gana n’Zambi yiame!
Oh! Tata iétu uala um Diulú!
Ku muxima kuala ku-ngi-xixima kiavulú!
Aiué!” (a)

Como diz o autor, alguém teria de pagar… O livro foi editado pela Seara Nova, em 1974.

(a) Deus, Oh! Senhor meu Deus!
Oh! Meu Pai que estás no céu!
Tenho uma grande dor no coração!
Aiué!


Tomás Lima Coelho


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