A primeira sensação após aterrarmos no aeroporto de Keflavik,
a cinquenta e tal quilómetros de Reykjavik, é que estamos numa terra inóspita,
sem vegetação, coberta de pedras vulcânicas, cujo negrume nos faz lembrar a
ilha do Pico.
Depois, os nossos sentidos ficam espevitados perante a
exuberância de flores de todas as cores que encontramos à beira de estradas e
caminhos. É preciso notar que nos reportamos ao mês de julho e que aqui, junto
ao círculo polar ártico em que os verões são curtíssimos, as plantas têm pressa
em reproduzir-se e assim propagar as respetivas espécies. Tal é a lei biológica
a que obedecem todos os seres vivos, sejam plantas, animais ou pessoas.
Nesta altura, as margaças, os dentes-de-leão, as rosas
vilosas, as tanchagens e as labaças, pela magnitude e beleza das suas hastes
florais, provocam os insetos e os ventos para que os ajudem nas operações de
polinização. Na verdade, espanta como aqui as folhas e as flores são tão
grandes, bem maiores do que as que se acham no nosso clima mediterrânico.
Do hotel onde estávamos hospedados até ao Centro Cultural
Harpa, local onde decorreu o 98º Congresso Universal de Esperanto, era cerca de
meia hora caminhando a passo largo por um rossio paralelo à orla marítima. Esse
passeio pedestre que efetuámos todos os dias, durante uma semana, permitiu que
observássemos a vegetação que espontaneamente surtia nas faixas separadoras das
vias.
A primeira surpresa foi a de depararmos com a tussilagem (Tussilago farfara) - erva medicinal que
oportunamente será objeto de croniqueta própria - já sem flores, apenas com as
suas grandes folhas basais que se assemelham a cascos de equinos. A seguir, vieram
as flores douradas do taraxaco (Taraxacum
officinale) - outra consagrada planta curativa, o tomilho lilás (Thymus praecox) - muito frequente nesta
ilha vulcânica, os enormes amores-perfeitos (Viola tricolor), a saxífraga (Saxifraga
cespitosa), a prunela (Prunella
vulgaris), a potentila (Potentilla
anserina), a labaça (Rumex
longifolius), a alquimila (Alchemilla
vulgaris), a valeriana (Valeriana
dioica), a angélica (Angelica
archangelica), a tanchagem (Plantago
major), a roseira (Rosa villosa)
- talvez a flor mais cheirosa que aqui se encontra em estado silvestre. Todas
estas espécies, e muitas mais, são ruderais em plena cidade de Reykjavik.
Na Islândia não se veem florestas e a maior parte das árvores
que avistámos resultam de cuidadosas plantações. Ainda assim, são proeminentes
várias espécies de betuláceas (Betula
ermanii, Alnus trabeculosa, Betula pubescens - de folha miúda), de
rosáceas (várias espécies de Sorbus),
de ciperáceas e de ericáceas.
Nos terrenos adjacentes às quedas de água de nome Hraunfossar encontra-se uma vegetação
típica composta por arbustos (birch), cavalinhas rasteiras, tomilho e uma
curiosa junça que dá pela designação científica de Eriophorum viridicarinatum. Esta planta deita uns tufos compridos
de cor alva que parecem algodão. Em vão procurámos saber se deles extraem algum
aproveitamento, pois são muito macios e abundantes. A nosso ver, talvez
servissem para encher almofadas. Todavia, não chegámos a nenhuma conclusão.
Dedicámos uma manhã a visitar o Jardim Botânico de Reykjavik, em claro prejuízo da nossa
participação no Congresso, mas foi uma opção assisada, já que o Jardim, embora
não muito extenso, é dos mais belos que temos visto. O espaço é por demais
aprazível por também integrar uma enorme cidade desportiva e um zoo. No
percurso pedestre que efetuámos, por entre veredas verdejantes, encontrámos uma
colónia de mais de duas dezenas de Coprinus
comatus, cogumelos comestíveis que, quando envelhecem, se liquefazem em
tinta preta, suscetível de ser usada para escrever. Dado o inusitado achado,
não quisemos deixar de o registar.
O Jardim possui uma coleção de cerca de 5 milhares de
espécies, dando-nos uma ideia da enorme diversidade vegetativa da zona norte-atlântica
banhada pela Corrente do Golfo. Trata-se de um espaço, de visita gratuita, que
proporciona educação ao público e aos estudantes de todas as idades, para além
de constituir um importante centro científico no campo da biologia.
Contrariamente ao que antes imaginávamos, o Jardim Botânico é praticamente desprovido
de estufas, se excetuarmos a que integra o Café Flora, aprazível recanto de
convívio e entretenimento. Aqui vimos uma videira com cachos de uvas já quase
maduras e uma figueira.
A coleção contém 350 espécies das cerca de 485 plantas
vasculares existentes em toda a Islândia e várias secções, a saber:
- Plantas vivazes (jardim sistemático);
- Jardim de roseiras com espécies do país (a já citada Rosa villosa) e de outras regiões do
mundo;
- Jardim de
rododendros;
- Plantas específicas do hemisfério norte;
- Arboreto com 3,6 hectares de árvores provenientes de várias
origens;
- Arbustos das regiões montanhosas;
- Hortaliças e plantas medicinais
Todas as plantas encontravam-se devidamente identificadas
através da sua nomenclatura binominal em latim.
Gostaríamos ainda de mencionar algumas curiosidades
botânicas, nomeadamente algumas flores pouco usuais relativamente aos nossos
parcos conhecimentos de amador:
- As papoilas árticas de cor branca, amarela e laranja (Papaver radicatum), as espetaculares
papoilas azuis (Meconopsis grandis) e
as vermelhas, muito brilhantes (Papaver
bracteatum).
- As lupinas azuis (Lupinus
nootkatensis), leguminosas semelhantes às que vimos na Patagónia.
- As duas espécies de arméria (Armeria maritima e Armeria
ruscinonensis).
- As calêndulas de cor laranja.
- As sete espécies de Sorbus.
- As borragináceas que incluem seis variedades de pulmonária.
- A famosa Stevia
rebaudiana (planta do açúcar), cujas folhas se apresentam bem maiores do
que a que possuímos no nosso quintal.
Que nos desculpem os leitores e especialmente os botânicos
encartados para algum eventual erro e as muitas omissões que este escrito
contém. Afinal o que se pretende é tão só suscitar curiosidades e apetências
para o vastíssimo campo da flora e bem assim, da fitoterapia que, na Islândia,
ocupam um lugar preponderante.
NOTA - Obras consultadas:
Grasagardur Reykjavíkur
Medicinal Plants of Iceland de Arnbjörg Linda
Jóhannsdóttir
Icelandic Herbs de Anna Rósa Róbertsdóttir
Agosto de 2013
Miguel Boieiro
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