sexta-feira, 9 de agosto de 2013

A Flora na Islândia


A primeira sensação após aterrarmos no aeroporto de Keflavik, a cinquenta e tal quilómetros de Reykjavik, é que estamos numa terra inóspita, sem vegetação, coberta de pedras vulcânicas, cujo negrume nos faz lembrar a ilha do Pico.

Depois, os nossos sentidos ficam espevitados perante a exuberância de flores de todas as cores que encontramos à beira de estradas e caminhos. É preciso notar que nos reportamos ao mês de julho e que aqui, junto ao círculo polar ártico em que os verões são curtíssimos, as plantas têm pressa em reproduzir-se e assim propagar as respetivas espécies. Tal é a lei biológica a que obedecem todos os seres vivos, sejam plantas, animais ou pessoas.

Nesta altura, as margaças, os dentes-de-leão, as rosas vilosas, as tanchagens e as labaças, pela magnitude e beleza das suas hastes florais, provocam os insetos e os ventos para que os ajudem nas operações de polinização. Na verdade, espanta como aqui as folhas e as flores são tão grandes, bem maiores do que as que se acham no nosso clima mediterrânico.

Do hotel onde estávamos hospedados até ao Centro Cultural Harpa, local onde decorreu o 98º Congresso Universal de Esperanto, era cerca de meia hora caminhando a passo largo por um rossio paralelo à orla marítima. Esse passeio pedestre que efetuámos todos os dias, durante uma semana, permitiu que observássemos a vegetação que espontaneamente surtia nas faixas separadoras das vias.

A primeira surpresa foi a de depararmos com a tussilagem (Tussilago farfara) - erva medicinal que oportunamente será objeto de croniqueta própria - já sem flores, apenas com as suas grandes folhas basais que se assemelham a cascos de equinos. A seguir, vieram as flores douradas do taraxaco (Taraxacum officinale) - outra consagrada planta curativa, o tomilho lilás (Thymus praecox) - muito frequente nesta ilha vulcânica, os enormes amores-perfeitos (Viola tricolor), a saxífraga (Saxifraga cespitosa), a prunela (Prunella vulgaris), a potentila (Potentilla anserina), a labaça (Rumex longifolius), a alquimila (Alchemilla vulgaris), a valeriana (Valeriana dioica), a angélica (Angelica archangelica), a tanchagem (Plantago major), a roseira (Rosa villosa) - talvez a flor mais cheirosa que aqui se encontra em estado silvestre. Todas estas espécies, e muitas mais, são ruderais em plena cidade de Reykjavik.

Na Islândia não se veem florestas e a maior parte das árvores que avistámos resultam de cuidadosas plantações. Ainda assim, são proeminentes várias espécies de betuláceas (Betula ermanii, Alnus trabeculosa, Betula pubescens - de folha miúda), de rosáceas (várias espécies de Sorbus), de ciperáceas e de ericáceas.

Nos terrenos adjacentes às quedas de água de nome Hraunfossar encontra-se uma vegetação típica composta por arbustos (birch), cavalinhas rasteiras, tomilho e uma curiosa junça que dá pela designação científica de Eriophorum viridicarinatum. Esta planta deita uns tufos compridos de cor alva que parecem algodão. Em vão procurámos saber se deles extraem algum aproveitamento, pois são muito macios e abundantes. A nosso ver, talvez servissem para encher almofadas. Todavia, não chegámos a nenhuma conclusão.

Dedicámos uma manhã a visitar o Jardim Botânico de Reykjavik, em claro prejuízo da nossa participação no Congresso, mas foi uma opção assisada, já que o Jardim, embora não muito extenso, é dos mais belos que temos visto. O espaço é por demais aprazível por também integrar uma enorme cidade desportiva e um zoo. No percurso pedestre que efetuámos, por entre veredas verdejantes, encontrámos uma colónia de mais de duas dezenas de Coprinus comatus, cogumelos comestíveis que, quando envelhecem, se liquefazem em tinta preta, suscetível de ser usada para escrever. Dado o inusitado achado, não quisemos deixar de o registar.

O Jardim possui uma coleção de cerca de 5 milhares de espécies, dando-nos uma ideia da enorme diversidade vegetativa da zona norte-atlântica banhada pela Corrente do Golfo. Trata-se de um espaço, de visita gratuita, que proporciona educação ao público e aos estudantes de todas as idades, para além de constituir um importante centro científico no campo da biologia. Contrariamente ao que antes imaginávamos, o Jardim Botânico é praticamente desprovido de estufas, se excetuarmos a que integra o Café Flora, aprazível recanto de convívio e entretenimento. Aqui vimos uma videira com cachos de uvas já quase maduras e uma figueira.

A coleção contém 350 espécies das cerca de 485 plantas vasculares existentes em toda a Islândia e várias secções, a saber:
- Plantas vivazes (jardim sistemático);
- Jardim de roseiras com espécies do país (a já citada Rosa villosa) e de outras regiões do mundo;
 - Jardim de rododendros;
- Plantas específicas do hemisfério norte;
- Arboreto com 3,6 hectares de árvores provenientes de várias origens;
- Arbustos das regiões montanhosas;
- Hortaliças e plantas medicinais
Todas as plantas encontravam-se devidamente identificadas através da sua nomenclatura binominal em latim.
Gostaríamos ainda de mencionar algumas curiosidades botânicas, nomeadamente algumas flores pouco usuais relativamente aos nossos parcos conhecimentos de amador:
- As papoilas árticas de cor branca, amarela e laranja (Papaver radicatum), as espetaculares papoilas azuis (Meconopsis grandis) e as vermelhas, muito brilhantes (Papaver bracteatum).
- As lupinas azuis (Lupinus nootkatensis), leguminosas semelhantes às que vimos na Patagónia.
- As duas espécies de arméria (Armeria maritima e Armeria ruscinonensis).
- As calêndulas de cor laranja.
- As sete espécies de Sorbus.
- As borragináceas que incluem seis variedades de pulmonária.
- A famosa Stevia rebaudiana (planta do açúcar), cujas folhas se apresentam bem maiores do que a que possuímos no nosso quintal.

Que nos desculpem os leitores e especialmente os botânicos encartados para algum eventual erro e as muitas omissões que este escrito contém. Afinal o que se pretende é tão só suscitar curiosidades e apetências para o vastíssimo campo da flora e bem assim, da fitoterapia que, na Islândia, ocupam um lugar preponderante.


NOTA - Obras consultadas:
Grasagardur Reykjavíkur
Medicinal Plants of Iceland de Arnbjörg Linda Jóhannsdóttir
Icelandic Herbs de Anna Rósa Róbertsdóttir


Agosto de 2013
Miguel Boieiro

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