quinta-feira, 30 de agosto de 2012

10pt, Associação Artística & Cultural Lusófona


a 10pt e “ai Maria” procuram ATRIZES de teatro (clique para mais informações)
 a 10pt – Criação Lusófona procura ATRIZES: 1 ATRIZ PORTUGUESA 1 ATRIZ AFRICANA e  1 ATRIZ BRASILEIRA  entre os 25 e os 55 (…) 


terça-feira, 28 de agosto de 2012

FRESCOS


Os reflexos metálicos de uma fábrica e gritos de fumo oleaginoso, ao longe, mas bem perto, na outra margem do rio.

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA


Os homens andam todos contentes. As mulheres também, é claro, afinal têm trabalhado tanto como eles e praticamente sem distinções de tarefas, mas agora são aí em menor número pois, com o aumento da natalidade que por aqui anda, um terço delas vive ocupada com as atribulações e responsabilidades da maternidade. A tradição pesa e de que maneira e ainda ontem à noite houve uma longa conversa sobre as diferenças do género, especificamente no que se refere aos papéis de cada um e apesar de termos chegado à conclusão que não faz sentido pensar que uma fêmea possa ser incapaz de executar os mesmos trabalhos que é hábito serem os homens a fazer e de enfrentarem os mesmos desafios e aqui, o corpo e a força da Graziela seriam, desde logo, uma boa corroboração empírica disso, foram as próprias damas que se apressaram a chamar a si as melhores destrezas e saberes para darem conta do recado que os recém-nascidos nos trouxeram. Naturalmente, o calor, com a leveza que trás às roupas e a despreocupação que acrescenta aos convívios sob o tecto das estrelas, lá terá a sua quota-parte de contribuição no elevar do ânimo de cada um de nós e com luares que parecem pratear a noite, mais razões haverão para que à rua saiam rostos sorridentes e tranquilos, de quem repousa, merecidamente, enlevado pela satisfação de ver amadurecer o fruto do seu empenho. É precisamente esse o principal motivo da alegria que é mais exuberante nos homens e por isso os destaquei na minha referência à manifestação de euforia que paira no ar. A vida tem curiosidades incríveis e pessoalmente vivo convencida que, por muitas vezes que vivesse, jamais conseguiria sequer aproximar-me de desvendar muitos dos mistérios que em ela se revelam e, no fundo, em parte, igualmente a preenchem. Numa destas noites jantámos em casa do Félix e da Éster e depois deixámo-nos tagarelar pela noite dentro. Pelos vistos anda a pensar fazer uma recolha de cantares populares das redondezas, para o que só está à espera de uma nova oportunidade em que a labuta nos dê um pouco mais de alívio. Mas houve uma troca de impressões cheia de interesse em torno das ideias da bondade e da justiça. Eles são um pouco mais velhos que nós e segundo apurei, ela foi finalista no ano em que eu entrei para a Faculdade e, pese embora a frequência de cursos diferentes, será certamente por isso que eu não me recordo dela nem ela de mim. Foi justamente a nossa anfitriã quem justificou a preferência pela justiça em face da bondade, uma vez que não poderemos ser igualmente bons para com a vítima e o seu algoz, muito embora seja possível aplicar a justiça a ambos e, desse modo, sermos equitativamente justos com um e com o outro. Foi um serão encantador e, com efeito, tenho dado por mim a pensar naquelas palavras, amiúde, por entre as horas do vigor braçal destas jornadas. E a verdade é que não são raras as cenas quotidianas em que uma boa intenção resulta em consequências perversas. É um pouco isso que está acontecendo connosco, se bem que em sentido inverso. Do mundo continuamos apenas com aquilo que vamos apurando pelos jornais. Na Vila haverá, com toda a certeza, quem possua rádio e, pela calada dos cuidados que as paredes têm ouvidos, possa até escutar novidades em estações estrangeiras e assim saber um pouco mais, como o paizinho que disso me vai dando conta nas cartas que me escreve. Mas nenhum de nós tem grandes intimidades nesse exterior e muito menos para assuntos que facilmente podem deslizar para aquilo que faz as praças ficarem desertas e silenciosas e depois ainda permanecemos na condição de apenas nos fornecermos, a esse nível, ao sábado. No mundo permanece a demência mas se bem percebo as entrelinhas do que o paizinho me vai escrevendo, há ténues sinais de esperança no horizonte, pois os fascistas não são assim tão invencíveis quanto a sua propaganda pretende. No entanto persistem alapados na Europa onde espalham o seu veneno que tanta dor e sofrimento tem causado. E nós aqui sem dar por nada, felizes, creio poder dizê-lo, como se do lado de lá este paraíso se estendesse por todos os lugares. Mas é aí que reside a crueldade da ironia se me lembrar que as desgraças que se abatem sobre os outros acabam por redundar num tremendo benefício para nós. O primeiro dos silos, o previamente existente e que mais não necessitou do que a azáfama de uma reparação ainda que profunda, o primeiro dos silos que pretendemos vir a ter, dizia, está pronto. Haveremos de erguer um outro ao lado daquele para que possamos dar conta das produções que pretendemos diversificar quanto aos cereais. Por enquanto temos um e esse, para já, será suficiente para armazenarmos temporariamente os grãos de trigo que brevemente iremos colher e cujo escoamento está assegurado pela procura extraordinária que nos demanda a partir dos países envolvidos neste horrível conflito bélico. E se mais tivéssemos para o efeito mais teríamos vendido. Dir-se-ia que o mal de uns é o bem de outros, mas a verdade é que não temos qualquer responsabilidade no desenrolar da tragédia que, bem vistas as coisas, seria ainda maior se não fosse a produção destes alimentos. Temos pois fartos motivos para estarmos contentes e entre todos são os homens os que manifestam maior exuberância, pensando a fundo, até pelo facto de no que diz respeito à parcela com que, para tanto, os novos nascimentos contribuem, estarem eles arredados das maiores preocupações.
A mãezinha teve a simpatia de me enviar as receitas dos doces com que a minha avó e sua sogra nos presenteava. Tenho verdadeiramente saudades de algumas delas e tudo farei para que no próximo Inverno venhamos a ter geleias e compotas na despensa. Só espero que saiam bem, mas se não for à primeira tentativa, num dos próximos anos haverei de conseguir alguns daqueles sabores que tanta gulodice me incutiram. Vou pedir à Catarina que me ajude que entre duas será mais fácil e não sei se ela saberá destas artes o bastante para se abastecer com estes pequenos luxos.
O Manuel acabou de me abraçar pelas costas. Chegou a hora de apagar a chama destes candeeiros.

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Versículos


Alma

Tratar as dores da alma.
Acreditar na Vida.
Por detrás de cada dor há uma herança
na frente de cada dor,
esperança.

                                         Luís Santos


sábado, 25 de agosto de 2012

"min'delo"


Caros amigos,

“mim'delo” é um documentário em construção, uma reflexão sobre a juventude marginalizada da periferia da cidade do Mindelo em Cabo Verde.

“mim'delo” é também uma boa estória que precisa de ajuda para ser contada. De forma a obter os fundos necessários à sua finalização, o projeto “mim'delo” lançou uma campanha de angariação de fundos via CROWDFUNDING ou FINANCIAMENTO COLETIVO. Só com a ajuda de todos poderemos contar as "estórias da periferia desta ilha-festa"

APOIA e DIVULGA "MIM'DELO"
em www.indiegogo.com/docmimdelo || www.10pt.org/docmimdelo

Obrigado!

COMUNICADO D’IMPRENSA
(ver. www.10pt.org/2012/08/doc-mimdelo-a-festa-ainda-nao-acabou/ )

MIM’DELO É UMA PRODUÇÃO 10PT – CRIAÇÃO LUSÓFONA

a 10PT – CRIAÇÃO LUSÓFONA é uma Associação sem fins lucrativos e tem como objetivo a criação, a produção e divulgação de atividades artísticas que contribuam ativamente para o surgimento e afirmação de novas dinâmicas culturais e sociais de âmbito lusófono.
+INFO. WWW.10PT.ORG

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Angolanamente falando...



Tuoloietu !

Tuoloietu é uma expressão angolana, em Kimbundu, que traduzido quer dizer estamos juntos.
É habitualmente utilizada á despedida e significa o mesmo que dizer podes contar comigo, sempre que precisares.

Margarida Castro


quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Vidas Lusófonas


O rigor histórico não está condenado à prosa de notário, é possível conviver com as figuras do passado. Saber o que foi, pode ajudar-nos a talhar o que será. 


sobe até


e ali descobre


a reler a peça O PEDREIRO LIVRE.
  
Naquela casa,
onde já moram 151,
tudo está  a acontecer,
cada vida / cada conto.
Por isso já recebeu
mais de 26 milhões de visitas.

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

O Sudário da Alma


por Abdul Cadre

Neste entrado terceiro milénio, apesar do progresso industrial e das maravilhosas possibilidades prometidas pela comunicação global, em que todos seríamos vizinhos, não nos é permitido ainda o estabelecimento duma humanidade verdadeiramente adulta, livre do medo, da superstição e da indigência. Não quero parecer exagerado e dizer: muito pelo contrário!
Muitos crentes, confundindo os seus mais íntimos medos e desejos com a realização da vida e do mundo, iludem-se, julgando que basta que as folhas do calendário mudem para que eles e o mundo mudem também. Autoflagelam-se uns com previsões apocalípticas, outros entram em transe com imaginadas eras prontas a viver sem nenhum esforço, tudo graças a inventados portais cósmicos do esoterismo light. Tudo bate certo num mundo de pronto a vestir, pronto a comer e – por que não? – pronto a pensar.  
 Nesta estação de saldos do império, a queda dos valores tradicionais parece deixar-nos mais desarmados do que nunca e o vazio deixado pelo abandono das fórmulas antigas de viver a espiritualidade torna-nos ansiosos, sensíveis aos apelos insanos dos novos «profetas» apocalípticos. Destes, há para todos os gostos: desde os que, para desinfetar a Terra da nossa presença sacrílega, nos querem gasear com sarin, aos que, suicidando-se coletivamente, esperam apanhar boleia num disco voador arrastado na cauda dum cometa.
Autoproclamando-se (ou não) mensageiros do New Age, mas de qualquer modo e sempre bebendo das águas promíscuas dessa contracultura conciliadora de todas as loucuras e de todas as crenças, credos e crendices, surgem-nos a esmo profetas dos últimos dias, adventistas e milenaristas para todos os temidos e para todos os desejados apocalipses, vangloriando-se invariavelmente de serem detentores de «verdades» naturalmente «supremas». Para tais verdades inventadas, convenhamos que o tecido social das nações mais industrializadas está bem preparado e adubado de tristeza e descaminho, pela chamada crise das ideologias, pelo modo de produção de tirar aos pobres para dar aos ricos (dita crise económica e financeira), pela permissividade (muitas vezes confundida com tolerância) e pelo vazio já referido.
Para agravar, temos depois um ensino eivado dum positivismo empedernido, visando tão-só o mais comezinho dos utilitarismos. Para engrossar ainda mais o caldo, estabeleceu-se no terreno, empurrada pelos «critérios de audiência», uma comunicação de massas virada, quase que exclusivamente, para a excitação e completamente despida de espiritualidade e alegria. Isto é o bastante e a sobra para apodrecer vilmente a nossa chama interior. De tal apodrecimento, germinam depois os medos que andam pelas ruas e geram propaladas inseguranças, que vamos contabilizando, sem nos apercebermos que eles não passam do bolçar do que nos vai dentro; não são fenómenos externos nem a maldição da fada má. Eis então que a nossa confusa insegurança apela a proteções exteriores, venham elas do alto que vierem: institucionais, naturais, sobrenaturais ou míticas. Tentamos assim apaziguar os nossos medos com as drogas e as ilusões julgadas mais apropriadas, como o trabalho, o progresso, o consumismo, os divertimentos anestesiantes, ou a droga stricto sensu. Soltam-se então, do baú de Eros e Thanatos, estranhos e reprimidos antigos e patológicos desejos de sofrer, e aí, os nossos medos avulsos ajoelham em vassalagem a um medo maior.
Trazidas pelo exacerbar de mil vãs expectativas criadas à volta de misticismos livrescos, orientalismos mal assimilados e transcendentes meditações para todas as soluções, caem sobre nós as mais desconexas vozes, num coro caótico, fomentador de novas crenças com velhos atavios… e nós, com a dor difícil que nos atormenta, rendemo-nos cega e facilmente.
Penso que este desvario que se respira tem muito a ver com a perda de sentido do eterno e tudo a ver com a psicológica aceleração do tempo: nada permanece e tudo é descartável: o emprego, o desejo, a confiança, o próprio sentir. E, no meio de tudo isto, perdem-se os melhores de nós — os que de nós são fruto — entre fumos alienantes e apatias marmóreas; morre em nós o próprio olhar no abandono, na bisca lambida, na desobjetivação da vida, na desprogramação do suor.
O ponto de contato entre o tempo e a eternidade — diria Agostinho da Silva — seria o amor!… Mas este esvai-se exangue, perdido de avulsos e incontroláveis desejos. E ele que é um e onde chega tudo acrescenta, faz-se plural e falso e logo tudo diminui. O dinheiro e o poder, o prestígio e o ter erguem os muros invisíveis que não nos deixam ver do outro a diferença que nos enriquece nem dar-lhe de nós o espelho que o enalteça.
De companhia — mas sós! — seguimos pelas estradas que não escolhemos com o passo de conveniência do monismo plúmbeo de quem não quer problemas e vai cansado, mas sem saber para onde.
Foi pelo desejo que limitámos em nós a liberdade de SER; é pela incapacidade de vermos no outro o que nele é beleza e eternidade que lhe negamos a liberdade e a diferença e o queremos agrilhoado como nós, para nossa própria justificação.
Não entendermos que todos somos estrelas ímpares de brilho e de destino, faz deste um fado triste e da vida um luto em lágrimas. Não ser capaz de ver de cada coisa o nosso entendimento dela e, como se fosse o nosso, o entendimento do outro, faz a raiz do conflito – de todos os conflitos –  e, em última instância, justifica a guerra.
Colocarmo-nos no lugar do outro, eis o enriquecimento da visão do mundo.
Faz tempos, estava ainda entre nós o saudoso Professor Agostinho da Silva, um grupo de pessoas, maioritariamente muito «new age», contava das suas infelicidades, motivadas por, numa quinta em que se reuniam para saudar a natureza e praticar a inofensividade, não terem domingos de paz, como mereciam, por causa de uns malvados caçadores que em permanentes puns-puns deitavam abaixo tudo o que era bicho e mexia. Queriam do Professor a condenação que o seu juízo tinha por acertada. Ele ouvia, ouvia e por fim respondeu assim: «Têm razão, claro, que coisa desagradável… mas, por outro lado, já viram quanto apuro técnico, quanto treino, quanta destreza, apontar ao passarinho, que é uma coisa tão pequenina, premir o gatilho e acertar?!…»
Pois é. Partilhar o mundo com os que nos são próximos é coisa fácil; difícil é aceitar as diferenças, quando desejávamos era o poder de os submeter aos nossos valores, às nossas conceções...
Numa quinta, algures no Alentejo, na Síria, em Timor, na Guiné, na Patagónia…
Que falta faz um míssil, quando nos contrariam, para roubarmos definitivamente o tempo ao inimigo.
Que falta faz o amor – a caritas – para que o tempo se torne eternidade!

terça-feira, 21 de agosto de 2012

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Não gostei mesmo nada do que ouvi a uma daquelas enfezadinhas cá do rancho que, ainda por cima com palavrinhas veladas, deixara no ar a insinuação de um certo mal-estar decorrente do facto de a Catarina não estar a trabalhar. Caramba, como é possível tamanha insensibilidade, para não escrever outra coisa e deixo de lado a observação de me questionar se assim pensaria caso estivesse ela em tal situação. É no entanto normal esta propensão que as pessoas têm para tudo focar no próprio umbigo e sempre se revelarem na sua relação com os outros a partir dos seus interesses particulares. Pergunto-me se não é mesmo essa uma das fontes dos muitos males que assolam a Humanidade, especialmente no que se refere à persistência da miséria, ou das misérias que a pobreza que está ou se forma no bolso e na barriga acarreta, quase invariavelmente, a escassez de recursos na alma. Portanto não seria de estranhar que em circunstâncias normais do decurso do quotidiano alguém reagisse desta maneira perante algo semelhante. Acontece que nós não estamos a viver em circunstâncias normais e se pretendemos fazer deste refúgio um mundo diferente e melhor, onde possamos ter paz e conforto para aí sermos felizes e criarmos os nossos filhos nesse ambiente, proporcionando-lhes um meio onde possam crescer satisfeitos no corpo e no espírito e ainda livremente, legando-lhes por fim uma realidade que lhes permita, também a eles, uma vida digna e boa enquanto gente adulta e responsável, então não podemos repetir os mesmos erros do universo que, de uma maneira ou de outra, rejeitámos quando escolhemos estar aqui. Será assim tão difícil perceber que mesmo estando em causa os nossos interesses num determinado problema, podemos tentar resolvê-lo tendo em conta as conveniências alheias? Aceito que seja mais complicado vislumbrar como o levar a efeito e não vou negar que, para aí chegarmos, seja esse um dos processos que requerem aprendizagem e treino, muito treino. Mas que alternativa temos para o tentar e ir aprendendo ao longo do tempo, inclusivamente com os erros cometidos? Nenhuma. A vida, afinal, assenta nisso e face a uma qualquer novidade, jamais seremos capazes de afirmar com toda a segurança que tomamos a atitude, o procedimento mais convenientes. Quantos de nós não teríamos feito diferente se por acaso tivéssemos o condão de poder voltar atrás e refazer o que, uma vez feito, foi para nós motivo de sofrimento? Contudo parece-me ser um simples acto de inteligência a compreensão que poderemos ter consciência da importância de vivermos o dia a dia tendo em conta os pontos de vista e gostos dos outros. Isto que parecem palavras vãs, traduz-se, para mim, no princípio de nunca nos limitarmos a ver as coisas e os outros unicamente de acordo com o que mais nos interessa, claro está, salvo naquelas situações limite em que, por exemplo, apenas esteja em jogo a nossa própria sobrevivência pessoal. Não custa nada ver as razões de cada uma das partes e não me restam dúvidas que os benefícios do que se alcance a partir daí serão superiores a um qualquer resultado em que os ganhos sejam diferenciais e hajam aqueles que daí acumulem maiores contrapartidas em detrimento dos que eventualmente nada cheguem a obter. Sendo possível tomar por bons estes princípios de mais que de vida eu direi de existência, importará então que sejamos capazes de encontrar as pontes que possibilitem o encontro de planos de convergência comuns em que se obtenham melhorias gerais. Continuo a aceitar que uma coisa é falar, é proclamar um ideal e outra é passá-lo à prática. Certo, mas há que tentar e aqui salvaguardo o desde que ninguém a tanto seja obrigado e não porque deixe de pensar que em determinados casos tal devesse pura e simplesmente acontecer, mas apenas por estar certa que isso só resultará se partir da consciência de cada um, isto é, se derivar de um apelo interior em que à pessoa se revela a importância de ser assim. Como seria um mundo em que todas as crianças fossem educadas dessa maneira? Não sou capaz de o imaginar, mas não me parece que o mesmo venha alguma vez a ser possível, pois haverão sempre aqueles que viverão dominados pelo egoísmo, não tão poucas vezes quanto poderíamos desejar, exacerbado ao mais alto grau. Contudo, não deixa de ser igualmente verdade que isso não nos impede de procurarmos viver segundo padrões de respeito pelo semelhante, antes pelo contrário, por o sabermos desse jeito, requer que procuremos limitar as consequências mais perniciosas de tais ímpetos naturais ao ser humano e a primeira das barreiras que lhes poderemos colocar é, justamente, essa tal procura do respeito pelo semelhante o que implica que equacionemos de igual modo o que possa ser relevante para ele. Aqui, onde estamos e no contexto desta experiência que vivemos e que, pelos vistos, tudo estamos fazendo para querer que seja para durar, se não podemos pretender que todos partilhem estas ideias e ajam em conformidade com elas e muito menos que nos seja permitida a veleidade de o querer impor, pelo menos seria desejável que nos inibíssemos do contrário, quer dizer, fossemos capazes de auto-limitar essas pulsões mais egoístas. Pois bem, se queremos estar em harmonia uns com os outros, será um muito mau começo que alguém, a propósito da criação do primeiro rebento que aqui foi dado ao mundo, venha insidiosamente perguntar-se sobre o que acontecerá quando as outras grávidas derem à luz. Ora essa, o mesmo desta vez, poderá ser diferente? Teremos alguma forma melhor para criarmos os filhos? E será que alguém duvida que aqueles devem ser criados com todo o carinho e acompanhamento que lhes possamos dedicar? Isto para mim que não sou mãe, mas já fui filha, é uma evidência. Estando nós aqui, livres das obrigações para com um patrão qualquer, seria uma perfeita idiotice se não deixássemos à mãe toda a disponibilidade para cuidar do bebé. E se o Adão está uma gracinha. Como é bom de ver, a filha do senhor Abel foi destacada para auxiliar na tarefa e não é que o safadinho, quando está ao colo dela, só estende os braços para e a pedido do pai e naturalmente para a mãe? Há com cada uma e aqui se me afigura como há gente que deveria ter um pouco mais de juízo ou se calhar apenas de bom senso.
É tão engraçado como a Primavera, à medida que avança, se preenche de noites em que o campo fala mais alto que durante o dia.

FRESCOS


Nuvens no céu, ao vento, espalhando-se em dispersões muito acima dos telhados e os raios solares, no asfalto, aparecendo e desaparecendo conforme a passagem das formas gasosas vedantes do azul.

As árvores abanam e camisas soltas, em alguns transeuntes, enfolam, nas costas ou no peito, concordantes com a direcção dos passos. As flores tonificam-se conforme as mutações da claridade da tarde.

Os ruídos, Bóreas nos ramos falantes e os automóveis ocasionais, ora brilhantes, outras vezes baços, por entre um certo pó que arrastam consigo. Mas também se escutam os pássaros e as vozes humanas que soam mais fluidas, nesta hora de pausa do trabalho.

domingo, 19 de agosto de 2012

A Mística Cristã (cont.)



O Caminho Monástico

O Monaquismo, termo que significa viver em solidão, não é uma tradição que se inicia com o cristianismo, antes é uma tradição que se encontra em várias religiões.
Na mística cristã assinalam-se três etapas: purificação (ascenção corporal), iluminação (ascenção espiritual, fixação do Espírito Santo) e contemplação (vida nova).
Fatores importantes para a purificação: a importância do jejum, as vigílias, a pobreza, a mortificação, a castidade.
A importância do silêncio para ouvir os sussurros do Espírito (“não vos preocupeis que o Espírito Santo vos iluminará”). Um silêncio que não é solidão, pois que em comunidade se vive.
Os monges procuram na vida monástica a experiência/acesso do Paraíso, de tempos prévios ao pecado original.
Sobre a oração: é uma conversação com Deus; há que manter o intelecto surdo e mudo para orar, não pensar; renúncia a si próprio a todo o instante; orar, não para que realizem vontades pessoais, mas para que a Sua vontade seja em mim.
A maior virtude é a Justiça. Amor e sabedoria sempre juntos.

Carlos Rodrigues

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Arrábida - Setúbal.



Ainda ontem na Serra da Arrábida. Um lugar donde se percebe muito bem o jeito da bola em que vivemos e de como ela, suspensa no ar, se estende aos nossos pés.

"...a Arrábida vista por Frei Agostinho da Cruz, como o Paraíso (...) um espaço do território nacional onde ao homem será dado ultrapassar o profano, como efémero e ilusão e aceder, ainda em vida terrena, ao sagrado, como verdade e eternidade." (Dalila Pereira da Costa, A Ladainha de Setúbal, Lello e Irmãos Editores, Porto, 1989)

Foto de Lucas Rosa

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

DOCUMENTA documenta dOCUMENTA (13) Maior Exposição mundial de Arte Contemporânea


António Justo

Na provisoriedade de cada orientação, a dOCUMENTA (13) quer ser uma orientação desorientada. Serve a investigação artística aplicando-se às formas da natureza, do intelecto e da vida pretendendo informar sem formar. Também se quer sentir humana desde que  na pele do símio. Pretende estabelecer uma aliança entre os diferentes domínios que vão do sensual ao especulativo, da prática à teoria, do político à ecologia. Esta dOCUMENTA quer conhecer sem reconhecer, desejando assim ser integral sem se tornar integradora nem parte integrante. Contenta-se com a vaidade e o histerismo do momento.

Kassel, uma cidade de província da Alemanha, com 200.000 habitantes, consegue ser, de quatro em quatro anos, o centro de peregrinagem, por cem dias (desta vez, de 9.06 a 16.09.2012), dum público que ronda o milhão de visitantes; este confere, durante esse tempo, um ar exótico à cidade. Kassel quer-se metrópole ao tornar-se o templo, o lugar de estadia que procura conectar todos os espaços e expressões: do físico ao psicológico, ao cultural, ao histórico, ao tecnológico, do real ao fantástico.

Pretende ser o vínculo dos lugares e dos feitores da arte contemporânea a nível mundial. Numa palavra, para quem vive nesta linda cidade: pretende ser o umbigo do organismo artístico global. Um umbigo já elevado atendendo ao estado avançado de gravidez próprio de artistas e especialmente devido à posição da chefe absoluta da Documenta Carolyn Christov-Bakargiew, que se encontra em contínuo de graça e em “estado de esperança”. Nos seus enjoos de estado não admite parteiras na grande sala de parto. Segundo ela, os artistas não devem estar presentes na discussão pública para que os seus objectos de arte não sejam perturbados por outros objectos de atenção salvo o seu papel de matrona.

De facto, a arte, como acto criativo, é um contínuo estado de parto, muitas vezes sem a responsabilidade de ter de se preocupar com o objecto parido nem com o seu sentido. É-lhe suficiente o momento da mudança e de conexão sem se fixar no lugar porque este poder-se-ia tornar em limitação física duma realidade que ultrapassa a possibilidade dos sentidos. Aqui arte e religião tocam-se mostrando-se aquela intolerante perante esta. (Recordar o conflito da escultura da torre, do artista Stephan Balkenhof, que na torre duma igreja estragava o conceito da Documenta 13.)

Daqui a necessidade duma orientação desorientada que, por mal dos seus pecados, tem de se socorrer de objectos de arte bem físicos mas aproveitados e alargados pelo intelecto. O intelecto torna-se aqui uma necessidade para que o lugar criativo tenha um tecto num lugar que se pretende considerar como o espaço universal onde toda a espécie de parto é possível.

Um problema da dOCUMENTA será não poder transpor o espaço e o tempo. O ser só se apreende situado, significando, por isso mesmo, no seu ser-aqui, limitação. O problema do acto criativo não está no acto criador em si mas no seu tempo e na sua roupagem… Temos de nos contentar com a roupagem e falar de roupas ganhando assim, nesse proceder, a impressão, de transcender o próprio vestido. Também por isso, o artista é um eterno insatisfeito, tendo de se reduzir a produzir o episódico, a gerar apenas História, podendo apenas imergir na sua roupagem, muito embora na procura do seu espírito.

A Direcção da dOCUMENTA, para criar mais fascínio, pelos objectos de arte expostos no exterior, associa-lhes histórias dirigidas à imaginação intelectual, dado o objecto nu, sem a roupagem intelectual, deixar falar apenas a própria nudez num mundo que se quer tudo mais. menos inocente. Aqui tudo se torna objecto, objecto para cobrir e encobrir. O observador, esse, é objecto de arte e o artista o seu complemento.

A História também se escreve com a arte e especialmente com o amor aos factos e aos objectos.

Na dOCUMENTA encontra-se muita arte, muitos artistas e também pensadores.

António da Cunha Duarte Justo

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Estatuto Jurídico dos Animais



Caros amigos

Criei este movimento no Portal do Governo para alterar o estatuto jurídico do animal, que no actual Código Civil é considerado uma "coisa móvel", quando há que lhe reconhecer a sua senciência, a sua capacidade de sentir dor e prazer psicofisiológicos e emoções semelhantes às humanas. Este é o passo fundamental para proibir, criminalizar e punir todos os tremendos maus-tratos a que estão sujeitos os animais no nosso país, sejam os de companhia, os que são usados em espectáculos como os circos e as touradas, em laboratórios ou na cadeia alimentar. Conto por isso com o teu apoio e divulgação. Basta fazer login, clicar em Apoiar e partilhar este mail por todos os teus contactos, a fim de levarmos esta reivindicação ao primeiro-ministro de Portugal. Pelos animais e pela evolução dos costumes em Portugal.


Saudações cordiais

Paulo Borges

terça-feira, 14 de agosto de 2012

FRESCOS


A auréola lunar, por entre os pinheiros
e não se sabe se é o marejar das árvores
ou as ondas que se escutam, no silêncio das formas.

Viana do Castelo, 27/08/1983

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA


Grandes obras, até parece que somos um verdadeiro colosso económico, um daqueles potentados que conseguem movimentar milhões e com isso fazer crescer fábricas e cidades, ao redor, como é o caso da CUF, no Barreiro que dizem ter quilómetros de via-férrea no interior das instalações e dá trabalho a milhares de pessoas, provocando o aparecimento de novos bairros e permitindo que o comércio cresça e se multiplique e toda uma nova urbe se acrescente e transforme aquilo que foi uma pequena vila numa pequena cidade. Ali há o dinheiro do Senhor Alfredo da Silva que talvez seja o homem mais rico e poderoso de Portugal. Nem por sombras com tanto, aqui há a disponibilidade do José Pedro a quem, uma vez mais, teremos que saldar uma outra dívida contraída para pagar materiais e o uso de máquinas e alguma mão-de-obra a que não pudemos fugir. Mas a parte de leão do esforço, neste nosso caso, é o de todos nós, homens e mulheres que de Sol a Sol e até em muitas noites andámos numa labuta gigantesca e sem tréguas para, onde pululava o mato, estendermos a muralha de terra, pedregulhos e entulho sobre a qual estamos agora assentando a barreira que fará a nova represa que não só alargará consideravelmente a área de superfície líquida daquela que agora existe e virá a submergir quando a nova estiver completamente cheia, como igualmente irá multiplicar em muito o volume de água armazenada. Pelos planos dos nossos agrónomos, teremos reservas muito acima das necessidades de rega que prevemos vir a usar e ainda o bastante para, sem que minimamente belisquemos os excedentes que hão-de prevenir anos de secas, podermos abastecer com água potável umas quantas vezes o número de casas que temos. Por enquanto ainda usamos as cisternas em que recolhemos o líquido a partir dos furos para que depois possa correr pelos canos e sair pelas torneiras. Haja no entanto engenho e dinheiro que, à semelhança das conversas, também as realizações acabam por ser como as cerejas. Daí que se fale da incontornável construção de um reservatório de água no alto da colina e o luxo dos luxos, para mim, de todo, incompreensível, uma pequena unidade para tratamento daquela que se destina ao consumo doméstico. É bonito de se ver o entusiasmo com que todos discutimos estes assuntos no salão do casarão que continuamos a utilizar como uma espécie de sala de convívio para os serões em comum em que há sempre tanta coisa a debate e decisões a tomar. E já está pronto o projecto de distribuição da rede de rega pelos campos de cultivo que, pela reunião de linhas rectas de tubagens e tanques, virá a permitir o milagre que fecunda as sementes. Ora se é bom de se ver o afinco com que todos nos estamos a atirar para este mãos à obra em que ninguém rejeita esforços, melhor é de ver a árvore a dar fruto, o mesmo é dizer, ver a paisagem ser alterada pelos melhoramentos que aí vamos introduzindo. E com tudo isto e com as colheitas que se aproximam, chegou o momento de nos decidirmos pela forma legal em que vamos operar. Apesar das diferenças de pontos de vista em confronto, não suscitou grandes dúvidas a escolha que acabámos por fazer. Ele houve quem falasse de capitalismo nos campos e chegasse a propor a ideia de uma sociedade por quotas em que todos seríamos accionistas. Seria, no dizer dos defensores, a melhor forma de laborarmos na defesa dos interesses lucrativos do empreendimento e, por via disso, de conseguirmos alcançar a riqueza para todos que seria assim o principal objectivo por que estamos aqui. Mas isso esbarrou na objecção comezinha que as palavras do senhor Abel sintetizaram. A ele pouco lhe importavam os ouros e as pérolas ou as penas de pavão. Basta-lhe que viva saudável e com o suficiente para o fazer com toda a dignidade e poder ser feliz. É precisamente isso que eu pretendo e, ao que parece, a maioria dos outros também e logo se formulou a dúvida sobre a própria noção de riqueza, o que é isso de enriquecermos? Ter ganhos e acumular lucros, com toda a certeza que serão propósitos que não poderemos escamotear e deixar de lado. Antes de tudo pelo simples facto de termos que pagar aquilo que o José Pedro adiantou por todos. Seja como for, concordo com o meu marido que sustentou não poder ser isso um fim em si e para quem a riqueza alcançada terá que se traduzir, em primeiro lugar, na melhoria das nossas condições de vida e obviamente de modo a que a todos calhe equitativamente. Aliás, ficou aceite que nada impede aqueles que queiram ter mais de procurarem obter o excedente dos seus quintais que podem muito bem vender, ou até de usarem as artes que possuam para delas, não descurando os respectivos papéis nesta nossa empresa, tirarem algum rendimento extra. Assim, dado já termos visto que no fim de contas todos acabaram por confluir com contributos mais ou menos paritários, pelo menos ao nível da importância de cada um, foi votada e aprovada a proposta do Quico para que tomássemos a forma de uma cooperativa. O José Pedro ainda trouxe à defesa a autoridade do Professor António Sérgio nesta matéria, mas o convencimento dos outros nem entrou em consideração com tais minudências teóricas. Era evidentemente mais que justo que, respondendo pelos mesmos deveres, todos tivéssemos os mesmos direitos de propriedade e decisão que tal organização confere. O mais engraçado é que matámos dois coelhos com a mesma cajadada. Ninguém quer a polícia política à perna e ainda mais tão só por causa de um nome e por isso foi liminarmente rejeitada a opinião do senhor Abel para darmos a pompa da denominação evocativa de ideais revolucionários como o “Amanhã Vermelho” que ele propunha. Intimamente não consegui deixar de me rir do horror que vi nalgumas expressões perante o arrojo da proposta. Talvez por isso tenha sido incapaz de conter uma gargalhada perante a inteligência com que resolveu o dilema, quando baptizou o local onde estamos com o nome de Vale da Esperança, argumentando que poderíamos assim chamar à nossa, a Cooperativa Agrícola de Produção do Vale da Esperança. Houve aplauso efusivo e todos gostaram do nome. O pequeno Adão é pois o primeiro natural do Vale da Esperança. Mas não se pense que é só trabalho aquilo que nos ocupa ainda que o dito seja intenso e diariamente prolongado e o primeiro dos factores que a mim atira para sonos pesados e em que me afundo mal as pálpebras se unem. O cansaço pode ser muito e seguramente, neste caso, não estarei a falar apenas de mim. Apesar disso, ainda sobram algumas energias para algo mais e numa destas noites menos atarefadas, o Félix ofereceu-nos um recital de violino e, para aqueles que o queiram, disse-se disposto a dar aulas de música. Considero que foi um brinde pelo nosso esforço e de pequeno só teve os quarenta e cinco minutos de duração. A festa também faz parte da vida, dá-lhe um repouso que ao sono não cabe e dá-lhe um encanto que não se contem na simples contemplação de um jardim de beleza. A euforia liberta pesos que se acumulam nos espíritos. No fim, ficamos mais fortes e contentes o que não é de somenos.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Pedro Du Bois - inéditos


SOBRE O PRANTO

Sobre o pranto derramado
                  na inutilidade do ato
ouso o desconsolo
no fato não abortado
quando necessário
na escolha negada
ao corpo escravizado
na pobreza retida
em inconsequências

choro a amoralidade
do agente avesso
em ensinamentos.

(Pedro Du Bois, inédito)



RUDIMENTOS

O corpo tosco, ideológico, a bebida
barata do bar da esquina, o olhar
inerte sobre a toalha: a lembrança
é mortalha viva do intelecto e o longo
caminho percorrido no alongar o físico;
o contato contamina o todo destinado
e aos ouvidos se rebelam sons inaudíveis;
repete o gesto com que bebe o líquido,
repete as vezes despretensiosas da saudade;
reafirma ao homem da outra mesa a incerteza
da sobrevivência: ideológico, destila o humor
esbranquiçado da verdade: o homem ao lado
faz de conta que não é com ele e bebe
aos santos de todos os sábados.

(Pedro Du Bois, Rudimentos 1, inédito)

domingo, 12 de agosto de 2012




“O CAMINHO”, foto de Edgar Cantante

A SABEDORIA NÃO CABE EM MANUAIS

Há coisas assim
nem parecem vindas de mim.
Mas, surgem e pronto,
quando olhamos já foram
e o que se segue
parte dali.

Morrem lentamente crenças antigas, desejos inquietos, saudades do que não foi ou se não quis.
As marés perpetuam seu movimento ininterrupto na alma e o olhar eleva-se nos territórios infinitos do insondável.

As aves partem. Os peixes agonizam no lodo putrefacto do desperdício e do supérfluo. Sobreviver é o verbo imperativo do amanhã por nascer e esta inactividade despropositada desista e possa enfim morrer.

Há muito tempo que não chegavas a mim assim todo paz, todo luz, tanto brilho. Suavidade sinuosa, insinuante. Chegando e querendo chegar, desaguando como quem se partilha. Sem diques, sem pontes. Mar largo, profundo, sereno, tranquilo.

A contraluz recorta a silhueta da montanha, metáfora do caminho que se faz subindo, arfando, cansando. Descobrir, conhecer, saber, …

A sabedoria não cabe em manuais.

Manuel João

sábado, 11 de agosto de 2012

...Tudo isto é fado


COISAS DE POLIR, COISAS DE LIXAR

A IDEOLOGIA da não ideologia, isto é, a ideologia daqueles que dizem que não têm ideologia, mas que afinal sempre que o dizem mentem, tornou-se tão geral e dominante que constitui um dos maiores perigos para a nossa liberdade. O grande paradoxo desta mentira é que mentem uns e ganham com isso e mentem os mais perdendo, para que os outros embolsem. É um sintoma bem claro da nossa decadência, da decadência desta civilização a que se costuma chamar de judaico-cristã, esquecendo que os muçulmanos também fazem parte dela.

Dizem outros que não é bem assim, que há apenas uma certa degenerescência da democracia…
Democracia?
Mas existiu alguma vez no mundo algum país totalmente democrático, isto é, com oportunidades iguais para todos nos domínios político, social e judicial, ou mais não assistimos que à batota de uns serem mais «democratas» do que outros? Ao grande engano de confundir sufrágio com democracia?
Longe vão os tempos da grande consigna: Liberté, Egalité, Fraternité!

E não percam tempo a ouvir os fala-barato que contam aquelas lérias da Grécia antiga, berço da democracia, uma democracia só para os possidentes, onde os escravos não eram gente. Por tal ordem de ideias, aquela coisa dita «democracia orgânica» – lembram-se? – seria até menos má.

Nos tempos de apodrecimento em que nos encontramos já nem o sufrágio merece qualquer respeito. Veja-se como aquele rapazinho de Massamá, que o Relvas colocou a fingir de primeiro-ministro, diz alto e bom som: «As eleições que se lixem». Bom, pode até ter sido apenas falta de polimento, ou os conselheiros lhe terem dito: «é pá, diz umas ordinarices, que o povo gosta».

«Sair do lombo, corrida ao pote, lambuzar-se, fazer farófias, pôr porcaria na ventoinha» é um primor. Eu, se pudesse, emigrava para o Burkina Faso.

Mas voltemos ao princípio. Os ideólogos da não ideologia têm do mundo, afinal, uma ideia religiosa, porém com esta particularidade suprema e nada transcendente: só o transacionável e corretável merece vénia, ritual e reza, tudo o mais é «ideologia» insuscetível de ir à bolsa.

Neste melting pot onde a avareza se louva e a honra anda de alterne, os políticos não passam de atores de óperas bufas; atores que navegam entre o receoso de que os donos dos mercados os pateiem e a esperança de aplausos e cadeiras de veludo para enricadamente descansar.

Sabem que na Idade Média ser onzenário (emprestar a 11%) era um crime tão grave que levava à perda da cabeça ou ao esturricanço na fogueira?
No século XVII ainda se enforcavam os especuladores.
Aos «bank gangsters» da nossa «civilização» decadente lambem-se os pés e pergunta-se: V. Exª. quer ter a bondade de me dar um pontapé no fundo das costas?

Vendas Novas, 21 de Julho de 2012
Abdul Cadre

(Nota: Crónica publicada no Jornal do Barreiro e que aqui, por concessão do autor, partilhamos.)


sexta-feira, 10 de agosto de 2012

a engomadeira


conheces o teu quarto entre o ferro e o sorrir
despes rápido o teu vestido na santa casa
a hortelã verde inunda o alimento

guardo do teu corpo só estrelas finas

podemos marcar o dia da praia

os teus seios encadeiam as silabas
dedo a dedo da polpa do teu colo

escreveria ainda quente o ferro claro

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Silêncio


O silêncio é o lugar
onde dá para mergulhar
por dentro, mais fundo

onde mais facilmente
nos podemos reencontrar

o verdadeiro colo do mundo
o derradeiro inefável paraíso
sede comum da nossa amizade.


Luís Santos
25/7
Pedras D'El Rei, Tavira

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

O MUNDO É REDONDO



Sim, o mundo é redondo e a Lusitânia armilar.

Mas há quem se sinta a remar contra a maré.

Poucos os que têm a nossa perseverança e muitos os que se desligam durante longos períodos da nossa luta contra o hedonismo reinante e contra a diluição de Portugal. Mas, por vezes, regressam. E até há os que dão um ar da sua graça comentando os que por cá andamos.

Fazem-me lembrar o que se passava comigo quando andava entre África e Portugal e, cá chegando, encontrava as mesmas pessoas a fazerem o mesmo que faziam quando as vira pela última vez. E eu pensava que elas deveriam ser umas tristes pois, entretanto, eu já dera a volta a meio mundo e elas continuavam ali sentadas no mesmo local... E passados estes anos todos, muitos ainda lá estão, mais velhotes, a fazer o mesmo. E eu hoje penso que eles é que são as âncoras do nosso Portugal enquanto eu não passava dum andarilho saltimbanco, meio azougado e leviano.

E como o mundo é redondo, somos nós que hoje cá estamos, perseverantes, a fazer sempre o mesmo. Só que não nos limitamos a limpar o estrume éguariço nem a ir para o jardim público jogar à batota enquanto alguém não fecha as tábuas à nossa volta: defendemos publicamente os Valores em que cremos dissecando as andanças da Nação a que pertencemos e de que tanto gostamos. E há quem cá venha espreitar o que fazemos. Não chegam todos hoje, alguns só amanhã cá espreitarão e assim será enquanto houver dedos para teclar...

Eu cá estou na senda da Lusitânia armilar!

Continuemos…

Henrique Salles da Fonseca


terça-feira, 7 de agosto de 2012

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



O Janeiro está frio, mais de samarra que chapéu-de-chuva, mas os campos esverdearam e dos amarelos e brancos com que as margaridas estenderam o manto que o Natal trouxe para a planície, brotam agora os primeiros sinais vermelhos e de outras cores que preparam o anúncio das múltiplas telas que a Primavera pintará nos terrenos. Lá fora a pele gela e se não estivermos devidamente agasalhados, os dentes fazem de castanholas a que falta a harmonia e o ritmo, mas aqui dentro está tão quentinho, sobe, até ao tecto, uma sensação tão agradável de conforto. Os murmúrios do escuro que mal se escutam do lado de cá das grossas paredes, sejam pelo assobio da coruja em busca de ceia ou do ramo que se parte pelo encontro da velhice e do vento que faz as ramadas atirarem-se aos nossos ouvidos como o mar o faz com as ondas sobre a areia, no recato desta evasão doce e sossegada, mais parecem o acompanhamento musical que falta para a cena de um momento perfeito. A distribuição do escritório por esta divisão da casa foi mais ou menos um acto casual pois, apesar de ainda não termos filhos e não precisarmos de usar as divisões no que haveremos chamar de piso superior e que poderíamos desde já ter incorporado na residência, nada nos teria impedido de eleger ali o espaço apropriado para este cantinho, precisamente numa daquelas divisórias com o janelame apontado na direcção oposta àquela que tenho pela frente. Até a disposição desta secretária dependeu mais de critérios relacionados com a luz e nada com qualquer preocupação estética em relação à vista que apanha o arvoredo do declive e o vale em que se debalda a partir das margens da albufeira que, em dias solarengos, por vezes reflecte o trajecto das nuvens e, normalmente, o encarapinhado da outra colina que o encaixa. Não imaginava assim que viesse a ter o adicional de gozar o espectáculo do fogo de uma Lua inchada e saída da terra para se elevar no horizonte que destes vidros se contempla. É como se a noite e o frio fossem as coisas mais embevecedoras de se viver e se a nós fossem dadas as artes e os poderes de Cronos, seria um daqueles instantes em que, para melhor o saborearmos, nos daríamos ao trabalho de suspender a inexorável passagem do tempo.
Já nasceu o primeiro bebé desde que aqui estamos. Felizmente correu tudo bem e a Catarina que o teve, pelas cores que apresenta e, por um lado, o à vontade com que dá conta do recado e, por outro lado, o encanto em que vive e que, para surpresa minha, se transmite aos que a rodeiam como se fosse uma fonte de calor, mais se poderia dizer estar preparada para outra, muito embora, tal como acontece, mal esteja saída de uma. Nasceu em casa, com a ajuda das mais arrojadas para estas coisas, entre as quais, tenho que o dizer, eu não estive e, como não poderia deixar de ser, sob a orientação da Viviana. É claro que eu também dei a minha ajuda, mas não tive coragem para testemunhar a aflição e o padecimento do acto e só por isso fiquei no posto do aquecimento das águas e na lavagem das toalhas e esterilizações de instrumentos. Quando se ouviram os primeiros soluços entrei e então passei à acção para que tudo voltasse rapidamente ao normal e pela confusão de sangue e porcaria que vi sobre a cama, percebi que a opção pela retaguarda tinha sido a decisão mais acertada. A Viviana lá fez questão de nos explicar tudo aquilo, indo mesmo aos pormenores dos nomes e funções que distinguia e identificava naquela amálgama que me fez sentir nauseabunda, mas em mim não teve aquele esclarecimento qualquer efeito e se quiser ser realista e franca comigo, não sei se não me terá deixado muito assustada perante a ideia de um dia vir a ser mãe como é natural que o queira vir a ser. Mas isto do começo da vida, não deixa de ser um mistério que vale a pena presenciar. Nunca tinha visto uma coisinha tão pequenina, tão indefesa, mas ao mesmo tempo logo tão cheia de um pulsar que é a prova de estar vivo e prontinho para crescer. E os braços e as pernas, tão pequeninos e tão mexidos, as rugas minúsculas das falanges e dos nós dos dedos, os lábios e o narizinho tão bem desenhados e os olhos que parecem estar a abrir para ver melhor o que, de acordo com a nossa amiga médica, ainda não acontece. É um belo de um rapagão, no dizer de todos que, pelo apurado na balança de cozinha da casa em que foi criado, veio ao mundo com três quilos e duzentas e na fita métrica que o mediu, atingiu os cinquenta centímetros. Será que todos os recém-nascidos são assim tão bonitos quanto este me parece? Enquanto tudo se consumou, o Alberto andou com os outros a marcarem os campos e a cravarem as estacas com que vamos delimitar certas áreas de cultivo na fronteira de propriedades vizinhas. Até que a filha do senhor Abel correu para os chamar e todos vieram para se juntarem à festa de parabéns e partilharem a alegria de um pai babado que não se cansava de vir à sala dizer que estava tudo calmo, ou que o menino parecia estar a olhar para ele como se já o conhecesse, para de imediato regressar à cabeceira dos beijos e carícias com que apaparicava a mãe que não escondia a felicidade por o ter ali e de o ver em todo aquele estado de euforia. É verdade, é um acontecimento, como disse o Francisco Palma que é amigo de um dos presentes e que sem pensar trocou o lugar que tinha numa tesouraria pública qualquer pela oportunidade de estar aqui e logo ele que até agora nunca interveio em qualquer conversa e nunca antes abrira a boca além das solicitações do quotidiano, foi quem se lembrou de acrescentar que isto nos força a encontrarmos um nome para o local para que a criança possa vir a identificar de onde é natural. Ninguém tinha reparado nisso e todos concordaram com ele, mas não foi essa a discussão que se seguiu, antes foi a do nome para o rebento que, justamente por ser o primeiro natural deste sítio e o primeiro a nascer no contexto desta nossa aventura, os pais pediram aos convivas para proporem. Pois mais uma vez o Francisco resolveu o problema e sem necessidade de uma segunda tentativa e só por isso posso escrever que o Adão nasceu. Seja então muito bem-vindo a este mundo e que no mesmo venha a ser uma pessoa de bem e aí encontre a felicidade que a todos assiste almejar. Mas não é tudo em termos de nascimentos ou, para ser mais precisa, previsíveis nascimentos. Confirmadas pelas próprias, temos mais duas grávidas entre nós e na expressão alegre da Mariana, ao que tudo indica, há uma outra que igualmente estará de esperanças. O futuro está assim a fazer-se.
É bom termos engenhocas entre nós que não só sabem pensar como também são capazes de imaginar as soluções práticas para os problemas que pretendem resolver. Só por isso solucionámos as necessidades de aquecimento das habitações. A invenção que o Alberto apresentou de uma rede, sob o soalho que levasse o calor às outras divisões a partir da areia aquecida sob o chão da lareira, foi muito bem transformada numa teia de calha feita por telhas assentes pela convexidade que, de acordo com a geometria de cada quarto, se estende por todos os espaços assoalhados da casa de que ficaram de fora a cozinha e a casa de banho que só pelo entre abrir das portas se deixam contaminar por via do aquecimento do ar. O certo é que a madeira do soalho aquece e permite que o calor se liberte e nos forneça este ambiente de conforto que deixa a invernia a falar sozinha do lado de lá das vidraças e que me fez descobrir o gosto de andar descalça dentro de casa.
Entretanto a Lua foi amarelecendo no seu percurso pelo céu. Agora, há uma moeda de prata manchada que nos deixa distinguir claramente os vultos da noite. Chegou o momento de subir para a cama.

FRESCOS


A Lua suspensa, por vezes encoberta pelas nuvens. Mas o vento liberta-a, como os ramos que se alvoroçam num turbilhão verde e ficam brilhantes sempre que as silhuetas se acentuam no céu. A Lua suspensa, sobre os telhados – entrementes o tempo passa.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

domingo, 5 de agosto de 2012

Do bóson de Higgs e da multidimensionalidade (WIGHT EAGLE)


A linearidade científica dos métodos atuais jamais comprovará a essência do bóson de Higgs (b.H.). A abertura ao multidimensional, a entrada nesses espaços, não se fará utilizando as ferramentas normais da ciência em que a mente prevalece em detrimento de todos os outros potenciais humanos que aguardam em embrião o seu despertar. Ao b.H. atribuem-lhe o nome de partícula, não o sendo. Caleidoscópio de portais, parecendo ser apenas um, o b.H. será um quebra-cabeças indecifrável para a mente humana. O novo só será permeável pelo estado de pureza e simplicidade de uma criança, pela sua espontaneidade, pela sua não prevenção, pela sua entrega. O b.H. será um brinquedo fácil de manejar nesse estado Infantil, permitindo abrir o que não é um só portal mas uma multiplicidade de portais, cada um dando abertura a milhares de outros.
Então essa criança percorrerá todos esses portais e as suas manifestações de alegria ecoarão em todas as múltiplas dimensões, pois recordar-se-á a cada passo que der que os caminhos já lhe são conhecidos.

A.A.

sábado, 4 de agosto de 2012

ABANDONO


É o poema declamado com que re-inicio a minha rubrica POEMA DA SEMANA , após as maravilhosas férias de 2012, no mais belo jardim do mundo que é Portugal.
Tive de novo  o prazer de rever a abraçar  muitos dos meus bons amigos que durante a  minha estadia  me proporcionaram gratíssimos momentos de salutar convívio onde a amizade voltou a sorrir. O meu mais sincero obrigado a todos.

Veja e ouça esta breve lição da vida em poema da semana ou aqui neste link:
http://www.euclidescavaco.com/Poemas_Ilustrados/Abandono/index.htm

Euclides Cavaco
cavaco@sympatico.ca

Aceite o meu convite e venha tomar comigo um cálice de poesia.
Entre por aqui na minha sala de visitas e saboreie da que mais gostar...
www.ecosdapoesia.com

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Lourenço Marques (2) - Do seu estabelecimento



Voltemos a Lourenço Marques e comecemos ... pelo começo!
Assim que D. João II tomou conhecimento da entrada de Lourenço Marques na baía que levou seu nome, escreveu logo a Dom João da Castro que estava como Vice Rei na Índia:


Dom Joam de Castro Amiguo. Eu elrrey vos emuio muito saudar. Per bernaldo nacere capitão da naao de garcia de saa que chegou aquy no mês de feuereiro pasado receby a carta que me escreuestes de moçambique e dou muytas graaças a noso senhor da boa viagem que le¬vastes, de que folguey de me dardes conta tão particularmente; ......
Do descobrimento daqueles rios que fez Louremço marques folguey de saber, e parece que será cousa muy ymportante e necesaria acabarse bem de saber, pelo que vos emcomemdo muyto que ordeneis loguo mamdar da ymdia pêra iso hum navio ou fusta, qual vos parecer maes comveniente: e pela emformaçam e pratica que jaa disto tem louremço marques me parece meu serviço emcarregardelo desta viagem, ao qual dareis regimemto muy particular de tudo o que faça e procure de saber. E parecemdouos bem leuar ele no dito navyo algüas mercadorias, como parece que será necesareo, será bem mamdardeslhas, com as quaes ele poderá milhor resgatar as da terra, e saber uerdadeiramemte as que haa nela. E do que se nisto fizer me avisares. E posto que uos diga que mamdeys a isto Louremço marques, não o encaregareys diso, senam parecendouos que he tam soficiente pera iso que podereyes de mamdar a iso outra pesoa...

Bartolameu froes a fes em allmeyrim a oyto de março de 1546.

- Rey

Pera dom Joam de Castro


(Ainda que foi Lourenço Marques o primeiro explorador da bahia d'esse nome e rios que n'ella esboçam é de ver que já fora conhecida dos nossos navegadores desde a epocha em que D. Manuel mandou Cyde Barbudo(1) e Pedro de Quaresma(2) examinar a costa desde o Cabo até Sofalla para obter noticias de Francisco de Albuquerque e Pedro de Mendonça quen'aquellas paragens tinham desapparecido : a armada sahiu de Lisboa em setembro de 1505, e o regimento dado a Cide Barbudo pôde ver-se nos Annaes marítimos e coloniaes, serie 4.a paginas 162 e seguintes.)

O que parece se ter passado a seguir foi um quase abandono dos portugueses com o comércio naquela baía, até à sua “retomada” em 1781.
Portugal, por ter descoberto o caminho para a Índia, reservava-se o exclusivo do comércio europeu desde o Cabo até Sofala. Para norte já havia árabes e indianos há muito tempo.

Quatro anos antes, 1777, um aventureiro inglês, Guilherme Bolts, homem culto, arguto e diplomata, tipo “homem das arábias”, depois de ter trabalhado para os ingleses na Índia, e de ter enriquecido por meios escusos – que tudo perdeu porque a companhia inlgesa lhe sequestrou os bens - aparece em Lisboa e daqui vai a Viena e Trieste, onde consegue que alguns comerciantes lhe confiem um navio e mercadorias, esperando o “belo e lucrativo retorno”. Como a sua fama era conhecida em Portugal, onde nada conseguiu, passou à ilha da Madeira onde também não lhe venderam vinhos, depois Rio de Janeiro e finalmente em Lourenço Marques, onde não encontrou qualquer autoridade que o prejudicasse. E ali fundou uma feitoria, em nome de sua magestade imperial a arquiduquesa Maria Theresia Walburga Amalia Christina von Österreich, arquiduquesa e soberana da Áustria, Hungria, Bohemia, Croácia, Mântua, Milão, Galícia e Lodomeria, Parma e Países Baixos Austríacos. Pelo casamento, tornou-se duquesa da Lorena, grã-duquesa da Toscana e imperatriz consorte do Sacro Império Romano-Germânico. (É considerada um dos "déspotas esclarecidos", mas não se pode negar que não tenha sido “um bom partido” e uma grande parideira: teve 16 filhos!)

Bolts quiz a seguir negociar na Índia onde após uma série de “portas fechadas” conseguiu por fim fazer algum negócio, o que mereceu forte censura dos ministros e deputados da Junta da Fazenda da Índia. Dizia o ministro: “O dito Bolts tem arte, destreza, e astúcia, acompanhada de um grande conhecimento do comércio na Ásia, para poder persuadir e talvez determinar a Corte de Viena com estas ideias a formar uma Companhia em Trieste, ainda que ocorra o mesmo que à de Ostende”. Para ele “Bolts era um aventureiro e pirata por se intitular diretor geral de uma companhia que nem existe”!

Isso não o impediu de assonhorear do comércio com os régulos da região, correndo até com navios ingleses que ali aportaram.

Em 3 de Maio de 1777 assinou o primeiro tratado com o régulo Capela que designa por Rajá Mohaar Capelle, sempre assinando em nome de sua Magestade Imperial!
Dias depois assina novo tratado com o régulo Matola, a quem chama Rajá Chibanzan Matola, assinado também pelo Rajá Mafumo, que lhe vendeu toda a terra onde hoje se encontra a cidade de Maputo!

Portugal decidiu então correr dali com os “intrusos invasores” e a 31 de Março de 1781 ancorou, em frente do forte de S.José uma fragata, comandada pelo tenente-coronel Joaquim Vicente Godinho de Mira, que ali encontra três outros navios: um português, outro inglês e o terceiro, o Principe Fernandi da companhia de Trieste.
Godinho de Mira assim “que deu fundo” mandou logo apresar o navio “imperial” e com alguma tropa desceu em terra e sem encontrar resitência tomou conta da bateria de artilharia! No dia seguinte arvorou a bandeira portuguesa, notícia que logo se espalhou por toda a região, e os régulos acorreram para saber o que se passava, sendo o primeiro o régulo Mafumo, recebido a bordo com toda a dignidade.

No texto anterior transcrevemos o relato da visita do rei da Matola, o segundo a comparecer. No dia seguinte:


Em o dia 5 de abril, pelas nove horas da manhã, chegou a bordo da fragata uma pessoa do rei Capélla, mandado pelo dito, a fazer-nos saber que elle vinha já em marcha para ter o gosto de nos fallar, e que esperava nós fossemos encontrá-lo ao logar onde se fazia a agua, porque a bordo o dito rei não podia vir; o tenente coronel lhe procurou o motivo de não querer vir à fragata aonde já o rei Matolla tinha vindo, e entre elles era costume virem a bordo de todas as embarcações que ali chegavam; a pessoa do rei não respondeu nada, senão que o rei não vinha a bordo, a que respondeu o tenente coronel fizesse o que quizesse, comtanto que o dito rei ordenasse se nos viesse vender tudo que precisasse a fragata e que passasse ordem para se deixar fazer aguada, e tudo o mais que fosse preciso á fragata de Sua Magestade Fidelíssima; com esta resposta se foi a pessoa do rei, e o tenente coronel desembarcou para a terra aonde tinha a tropa da legião, e achando-se no mesmo sitio o capitão de mar e guerra, chegaram a este tempo pessoas do dito rei, dizendo que o rei era já perto d’aquelle sitio, e nos queria ali mesmo fallar e que vinha acompanhado da sua gente, que seriam três mil cafres antes mais do que menos; o tenente coronel respondeu que fossem dizer ao rei, que podia vir, que ali esperava, ainda que o logar era bem impróprio; retiraram-se as pessoas, e o tenente coronel fez desembarcar as peçinhas de amiudar, e alguma tropa de infanteria, e pondo tudo em or¬dem esperou o dito rei, que não tardou muito em chegar ao dito logar aonde se achava a tropa formada com os seus ofticiáes, o capitão de mar e guerra, e alguns, oíficiaes do corpo de marinha, que todos estes se avànçaram alguns passos a receber o rei e conduzi-lo a uma pequena barraca, aonde depois de muitos cumprimentos lhe foi dito pelo tenente coronel a pouca rasão que o rei tinha para deixar fazer estabelecimentos n’aquêlles logares, não o podendo, nem devendo consentir ali outra nação que não fossem portuguezes, a quem só era permittido o poder ali ir commerciar, e que por esta vez mandava Sua Magestade Fidelíssima fazer-lhe constar, que não era do seu real agrado aquelles estabelecimen¬tos, que lhe levaria muito a mal todas as vezes que elle consentisse n'aquellas terras alguma outra bandeira que não fosse a de Portugal; foi respondido pelo rei, que elle não queria a outros amigos senão os portu¬guezes, e que se estes tivessem continuado em levar saguates grandes, e roupas para a sua gente, que elles não teriam recebido outros, nem deixariam levar o seu marfim senão aos portuguezes, a quem elles tratam como irmãos; depois d'esta falla lhe assegurou o tenente coronel, que haviam vir áquelle sitio bastantes embarcações a levar-lhe os géneros precisos, e que elles olhassem a bandeira de Sua Magestade Fidelíssima com aquelle respeito, amor e veneração que deviam; que tivessem o maior cuidado, em que se lhe não fizesse nunca insulto, aliás seria obrigado a tornar áquelle logar aquella mesma fragata para os castigar. O rei protestou amisade e respeito á bandeira de Portugal; a esta resposta deu-se-lhe muito de comer, muito mais de beber, deu-se-lhe saguate com que foram satisfeitos, e se despediram, e ao sair da barraca se lhe deram nove tiros de peçinha; marchou a tropa para elle ver, de que gostou muito, e deram grandes gritos a sua gente; isto se passou tudo sendo presente todo o corpo de officiaes, e eu que por verdade o escrevi e me assignei,
==Antonio Joaquim Pinto Gollares, escrivão,

Notas:
1.- Cide Barbuda foi capitão do mar. Quando D. Francisco de Albuqueque, em 1505, se perdeu na volta de Cananor a Portugal, D. Manuel I ordenou que saisse de Lisboa uma esquadra, cujo comando foi entregue a Cide Barbuda e Pero de Quaresma, com a finalidade de procurarem Albuquerque e Pero de Mendonça que com ele viajava. Barbuda navegou até ao Cabo e dali a Sofala, mas todas as pesquisas foram baldadas.


2.- Pero Quaresma foi um dos construtores da fortaleza de Sofala em 1506.




26/07/2012