António Justo
Na provisoriedade de cada
orientação, a dOCUMENTA (13) quer ser uma orientação desorientada. Serve a
investigação artística aplicando-se às formas da natureza, do intelecto e da
vida pretendendo informar sem formar. Também se quer sentir humana desde que
na pele do símio. Pretende estabelecer uma aliança entre os diferentes domínios
que vão do sensual ao especulativo, da prática à teoria, do político à
ecologia. Esta dOCUMENTA quer conhecer sem reconhecer, desejando assim ser
integral sem se tornar integradora nem parte integrante. Contenta-se com a
vaidade e o histerismo do momento.
Kassel, uma cidade de
província da Alemanha, com 200.000 habitantes, consegue ser, de quatro em
quatro anos, o centro de peregrinagem, por cem dias (desta vez, de 9.06 a
16.09.2012), dum público que ronda o milhão de visitantes; este confere,
durante esse tempo, um ar exótico à cidade. Kassel quer-se metrópole ao
tornar-se o templo, o lugar de estadia que procura conectar todos os espaços e
expressões: do físico ao psicológico, ao cultural, ao histórico, ao
tecnológico, do real ao fantástico.
Pretende ser o vínculo dos
lugares e dos feitores da arte contemporânea a nível mundial. Numa palavra,
para quem vive nesta linda cidade: pretende ser o umbigo do organismo
artístico global. Um umbigo já elevado atendendo ao estado avançado de
gravidez próprio de artistas e especialmente devido à posição da chefe absoluta
da Documenta Carolyn Christov-Bakargiew, que se encontra em contínuo de graça e
em “estado de esperança”. Nos seus enjoos de estado não admite parteiras na
grande sala de parto. Segundo ela, os artistas não devem estar presentes na
discussão pública para que os seus objectos de arte não sejam perturbados por
outros objectos de atenção salvo o seu papel de matrona.
De facto, a arte, como acto
criativo, é um contínuo estado de parto, muitas vezes sem a responsabilidade de
ter de se preocupar com o objecto parido nem com o seu sentido. É-lhe
suficiente o momento da mudança e de conexão sem se fixar no lugar porque este
poder-se-ia tornar em limitação física duma realidade que ultrapassa a
possibilidade dos sentidos. Aqui arte e religião tocam-se mostrando-se aquela
intolerante perante esta. (Recordar o conflito da escultura da torre, do
artista Stephan Balkenhof, que na torre duma igreja estragava o conceito da
Documenta 13.)
Daqui a necessidade duma orientação
desorientada que, por mal dos seus pecados, tem de se socorrer de objectos de
arte bem físicos mas aproveitados e alargados pelo intelecto. O intelecto
torna-se aqui uma necessidade para que o lugar criativo tenha um tecto num
lugar que se pretende considerar como o espaço universal onde toda a espécie de
parto é possível.
Um problema da dOCUMENTA será
não poder transpor o espaço e o tempo. O ser só se apreende situado,
significando, por isso mesmo, no seu ser-aqui, limitação. O problema do acto criativo
não está no acto criador em si mas no seu tempo e na sua roupagem… Temos de nos
contentar com a roupagem e falar de roupas ganhando assim, nesse proceder, a
impressão, de transcender o próprio vestido. Também por isso, o artista é um
eterno insatisfeito, tendo de se reduzir a produzir o episódico, a gerar apenas
História, podendo apenas imergir na sua roupagem, muito embora na procura do
seu espírito.
A Direcção da dOCUMENTA, para
criar mais fascínio, pelos objectos de arte expostos no exterior, associa-lhes
histórias dirigidas à imaginação intelectual, dado o objecto nu, sem a roupagem
intelectual, deixar falar apenas a própria nudez num mundo que se quer tudo
mais. menos inocente. Aqui tudo se torna objecto, objecto para cobrir e
encobrir. O observador, esse, é objecto de arte e o artista o seu
complemento.
A História também se escreve
com a arte e especialmente com o amor aos factos e aos objectos.
Na dOCUMENTA encontra-se
muita arte, muitos artistas e também pensadores.
António da Cunha Duarte Justo
Sem comentários:
Enviar um comentário