domingo, 31 de agosto de 2014



MIRADOURO 32 / 2014


O ESTADO DO TEMPO – IV

Enquanto o Interior está cada vez mais votado ao abandono e isolamento, os jovens a quem falta o atrevimento da abalada envelhecem precocemente e os velhos aguardam de forma mais ou menos conformada a chegada da morte, no Subúrbio aumentam as falências dos pequenos negócios que resistem até não poder mais (as fábricas que existiam já há muito que fecharam), definham as expectativas de vida no sucumbir dos sonhos de quem procura, procura e não encontra e a exclusão social cresce e alarga-se como uma praga.
Os jovens não conseguem iniciar qualquer carreira profissional porque não há emprego e, como tal, emigram ou resguardam-se no apoio dos pais, aqueles que ainda podem e não estão, eles também, desempregados.
O desemprego é de longa duração ou vitalício.
A fome entra em cada vez mais casas.
Um número crescente de enfermos de vários males negligencia ou suspende os tratamentos por falta de recursos.
Os salários continuam a baixar e os impostos a aumentar.
A extrema e continuada austeridade mata a já de si frágil economia tornando impossível qualquer desejada e necessária recuperação.
A classe dominante afoga-se em escândalos e corrupção perante uma justiça cúmplice ou inoperante que nunca consegue encontrar culpados.
Os ricos são cada vez menos e mais ricos e os pobres são cada vez mais e mais pobres.
E enquanto isto, entram em cena a toda a hora os governantes.
Perante um povo incrédulo e estupefacto cantam os méritos de um país que não há ou, pelo menos, não reconhecem como o seu. Exibem toda uma panóplia de truques e passes de mágica ensaiados pelos assessores no recato dos gabinetes. Transfiguram e manipulam resultados e indicadores que interessam com rostos “sérios” e olhares “acutilantes” que por vezes se adoçam em esboços de sorrisos.
Há um ovo de serpente a germinar, sente-se, mesmo que não se saiba bem.
Depois vêm outros comentar o que estes disseram.
E todos sabem tudo.
Cada um sabe melhor que todos os outros.
Dizem e pronto fica dito como se o trabalho ficasse feito.
E isto vai-se repetindo e repetindo e repetindo …
E nós vamos ouvindo e pensando cada vez mais comummente, creio:
Para quando um saber que some os saberes de todos e se possa concretizar em projecto credível, concretizável, unificador e mobilizador?
Para quando o erguer dos pilares que sustentarão o edifício?
Cada vez há mais gente com vontade de arregaçar as mangas, unir esforços, mobilizar vontades.
A vida é todos os dias e cansa-se de tanto adiamento, tanta espera.
Porque é que é tão difícil assim?


 MJC


Foto: Edgar Cantante

sábado, 30 de agosto de 2014

Poema da Semana: MIRA - Princesa do Mar


Esta semana presto um tributo a MIRA com este poema declamado que muito peculiarmente lhe dedico, recordando que muitos dos seus filhos que residem na diáspora estão nesta altura ali a passar férias , aproveitando as maravilhas da sua tão atraente PRAIA DE MIRA.
Poderão ver e ouvir em Poema da Semana ou aqui neste link:

http://www.euclidescavaco.com/Poemas_Ilustrados/Mira_Princesa_do_Mar/index.htm


Euclides Cavaco
cavaco@sympatico.ca

Venha tomar comigo um cálice de poesia
entre por aqui na minha sala de visitas
www.euclidescavaco.com

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Bate nas pedras doces da manhã


Bate nas pedras doces da manhã
Hoje eu acordei com saudades de tudo... 
Dos passeios com o Gil. As lágrimas das pedras de Serpa
Do sol, do céu, das nuvens próximas  de Lisboa - o verão
Parece que vamos voar assentados no algodão doce.

Clara cidade. Tudo limpo e brilhante, Sol de pessoas
Fresca como uma mulher em banho de águas termais.
Seus jardins coloridos lembram um quadro vivo.
Os museus de bater a pedra quantas, quantas histórias belas
das viagens com a Solange, os jardins, as flores


Solange Alvarenga e José Gil
Do novo livro "Poemas do Sol

11 de Agosto 2014.

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

À Volta do Acordo Ortográfico


O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 é um tratado internacional firmado em 1990 com o objetivo de criar uma ortografia unificada para o português, a ser usada por todos os países de língua oficial portuguesa. Foi assinado por representantes oficiais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe, em Lisboa, em 16 de dezembro de 1990. Também Timor-Leste,depois de recuperar a independência, aderiu ao Acordo em 2004. O processo negocial que resultou no Acordo contou também com a presença de uma delegação de observadores da Galiza.

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 pretendeu instituir uma ortografia oficial unificada para a língua portuguesa, com o objetivo explícito de pôr fim à existência de duas normas ortográficas oficiais divergentes, uma no Brasil e outra nos restantes países de língua oficial portuguesa, contribuindo assim, nos termos do preâmbulo do Acordo, para aumentar o prestígio internacional do português. 

Na prática, o acordo estabelece uma unidade ortográfica de 98% das palavras, contra cerca de 96% na situação anterior.
É dado como exemplo motivador pelos proponentes do Acordo o castelhano, que apresenta diferenças, quer na pronúncia quer no vocabulário entre a Espanha e a América Hispânica, mas está sujeito a uma só forma de escrita, regulada pela Associação de Academias de Língua Espanhola.

O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa entrou em vigor no início de 2009 no Brasil e em 13 de maio de 2009 em Portugal. Em ambos os países foi estabelecido um período de transição em que tanto as normas anteriormente em vigor como a introduzida por esta nova reforma são válidas: esse período é de três anos no Brasil e de seis anos em Portugal. Com exceção de Angola e de Moçambique, todos os restantes países da CPLP já ratificaram os documentos conducentes à aplicação desta reforma.

Margarida Castro
dialogos_lusofonos@yahoogrupos.com.br 

Nota do Editor: O Brasil adiou por três anos a implementação do Acordo que está agora prevista para 1 de Janeiro de 2016.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

FANTASIANA E OUTROS LUGARES

PENSAVERSANDO



ESCREVER, PERCORRER UM ESPAÇO EM BRANCO COM IDEIAS NO PLURAL


Sento-me.
Uma folha em branco,
um lápis
e começo a percorrer
trilhos de escrita,
trilhos de pensamentos
que se cruzam
formando um ponto de fuga,
criando a minha perspectiva,
o mundo recriado pelos meus olhos
pela leitura do meu cérebro,
por todas as minhas vivências,
por todas as que poderia ter vivido
E não vivi.

Continuo sentada,
voando nestes grafemas,
nestes fonemas,
transformando
a folha em branco em
folha-imagem, em
folha-vivida-sentida.

O lápis percorre
o resto do espaço em branco.
Cada vez mais
o ponto de fuga aproxima-se.
As cores adensam-se
e penetram em mim, como se o meu interior
fosse o seu prolongamento,
como se fosse um espelho,
um reflector.

Pouco espaço físico de escrita
me resta...
e tantos pensamentos
e tantos caminhos
e eu, os eus
e os nós,
aqui, agora,
parados
absorvidos pela cultura
do vazio, do nada!

Mas a minha linha de fuga
está perto...
levanto-me,
salto
e saio deste quadro
. .................................
Cá estou de novo,
do outro lado do espelho
do outro lado da vida.

O lápis não se cansa,
persiste em caminhar
ao meu lado, a continuar
um caminho de palavras,
de cheiros doces e acres.
de sons suaves, sofridos,
sabedores e sábios.
(Será da idade?)

O lápis tem razão!
Tanto para contar
(ou descontar,
ou até recontar)
nem que fosse (des-)
continua-
mente,
mas com continuidade,
com muita vida
para dar ao Futuro.

Ponto final.

Ponto final? Não.
Não liga com vida....
e muito menos com Futuro...

Levanto-me,
poiso o lápis.

(Quem sabe se ele não queira pegar na minha mão e voltar a sonhar...fica
em aberto...)

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

REAL... IRREAL... SURREAL... (94)

Os Pilares da Sociedade, George Grosz, 1926
Óleo sobre Tela, 200x108 cm

 Vive-se ali num estado mais puro. É como brincar aos pobrezinhos
Cristina Espírito Santo na Herdade da Comporta

Não sei se é o meu espanhol que traduz mal uma palavra e não dá para perceber o que diz Séneca, ou não estou de acordo com ele. Em Portugal no tempo da ditadura, diziam que os pobres eram mais felizes do que os ricos, porque tinham menos problemas. Levado ao extremo, dir-se-ia que ter fome é bom, porque quando tivermos de comer, saberemos valorizar mais esse facto. Infeliz te julgo por nunca teres sido infeliz. Não! Prefiro : feliz te julgo por sempre teres sido feliz! Meu amigo, isto é utópico, eu sei, mas não vamos lutar só pelas causas já ganhas, não achas? Um grande abraço.


António Tapadinhas

domingo, 24 de agosto de 2014



31 / 2014

Na energia que nasce, nos ritmos que se animam a querer ser vontade de compor outra canção, é a vida que se apresenta.
Manda o bom senso que afastemos os gritos de fora para melhor escutar a voz de dentro e continuemos na procura da harmonia etapa primeira da felicidade.
E isso é sempre e agora, a partir daqui.
 
MJC
 
 

Foto: Edgar Cantante

sábado, 23 de agosto de 2014

Carola Justo




Carola Justo

Princesa da Rota da Seda IV

50X50

Acrílico




sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Livros d'África





JOÃO COUTINHO


Nasceu em 1944 no antigo Congo Belga, hoje República Democrática do Congo, onde o acaso fez com que os seus pais se conhecessem depois de terem abalado de Portugal em busca de um futuro melhor. Dali partiriam para Angola onde se fixaram no Chissingui, entre o Kuito e Kamakupa, na província do Bié. É licenciado em Línguas e Literaturas Modernas, foi professor, faz traduções e colabora na área do desporto com a RTP-Madeira.

Como todos os jovens da sua geração foi obrigado a participar na guerra colonial onde foi tomando contacto com novas gentes e novas realidades, constatando haver muitas coisas que desconhecia e que não vinham nos compêndios escolares. Foi o pretexto para que, tendo como pano de fundo a História de Angola, se decidisse a escrever um livro onde se cruzam histórias de luta e sacrifício daqueles heróis, anónimos alguns, que foram construindo a Angola que hoje conhecemos: desde Bernardino Freire de Abreu e Castro que, partindo do Brasil em 1849 com cerca de cento e sessenta pessoas, chegou a Moçâmedes para fundar uma colónia, até acompanhar o sertanejo Silva Porto (que também não tivera sorte no Brasil) nas suas viagens pelo interior de África. Depois vivemos a história de Mariana, a degredada, que se cafrealizou totalmente para conseguir sobreviver; seguimos a saga de Lazló Magyar, um húngaro quase ignorado que abriu sertões desconhecidos; relembramos o médico canadiano Walter Strangway que, na Missão da Chissamba, tanto bem fez a quem precisava sem olhar à cor da pele, ou seja, o autor desvenda-nos um grande número de episódios que fizeram parte da atribulada epopeia luso-angolana ao longo de quinhentos anos, alguns desconhecidos da grande maioria.

 São muitos os episódios que, como os que atrás referi, vêm descritos neste livro, publicado em 2005 pela Editora Ausência, intitulado “OS VERDES DO MATO NÃO ACABAM”, belíssimo título que reflecte a imagem telúrica da força regenerativa das terras africanas. Mas, sobre ele, escutemos o Autor:
“Este livro conta histórias verdadeiras e outras só imaginadas. A fronteira entre umas e outras só o leitor a poderá estabelecer. Porque são histórias de pessoas e de sofrimento, são verdadeiras. Porque são histórias de utopia, são falsas.
Mas só o currículo oculto do leitor será capaz de ver para além do que está escrito. Como sempre. Só que este pretende ser um testemunho de gerações, que vai tentar ajudar a compreender como foi possível ter acontecido a grandeza e a tragédia humana que aqui se narra. As personagens são a amálgama de muitos milhares que viveram e povoaram a geografia sacrificada de Angola. A certa altura, algumas desaparecem do livro. Não se lhes conhece o destino. Mas foi o que se passou na realidade.
A última geração teve de passar pela chamada guerra colonial ou de libertação. Nestas histórias poderão compreender um pouco mais a experiência vivida. Será também o regresso a uma realidade que alguns fizeram por esquecer. Mas não puderam. Em contrapartida os seus filhos de quase nada souberam ou sabem.
Cada um terá uma explicação para o facto.”


Tomás Lima Coelho

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Prisioneira da Vida


Fui uma prisioneira da vida
Sem (quase) dar conta
Esperei, suportei, acreditei…
Porém, nada vi
Cansei, cansei…
Desisti!

Mas o teu amor, enfim

vai libertar-me!



Florir em Agosto


Texto e Foto de Luís Souta


terça-feira, 19 de agosto de 2014

FANTASIANA E OUTROS LUGARES

VERÃO NO QUINTAL!


A Nina é uma gata quase toda branquinha, olhos azuis e muito vaidosa. 
Avança lentamente, senta-se, lambe a pata, lava a cara e estica-se para fazer uma soneca à sombra de uma parreira. 
 - Está muito calor! Diz ela abrindo bem a boca. 
A juntar-se a ela, eis que aparece a lagartixa Mimi, de patinhas muito elegantes, escolhe antes o alecrim. 
- Que calor, miguinha! Vou ficar de barriga bem coladinha ao chão! 
O Jair e a Sisi, um casal de gansos, vão passeando pelo quintal até ao seu alguidar monumental. 
- Amigas, venham para a nossa piscina. Podem dar os mergulhos que quiserem. Está tão fresquinha! 
Mas a Nina, como gata que se preze, miou, virou-se e ronronou qualquer como dizendo: 
 - Água? Que horror! Mas obrigada, na mesma! E continuou a dormir. 
A Mimi também agradeceu, mas desculpou-se com as suas patas curtinhas e continuou de barriga colada ao chão. 
E os gansos fizeram a festa sozinhos... pensavam eles, porque, logo de seguida, vieram os patos: o Quá Quá, o Patolas e o Bico Comprido! 
Tamanha foi a confusão do tal alguidar monumental que a água desapareceu. 
Depois, todos fresquinhos foram também dormir a sesta ao pé da Nina e da Mimi.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

REAL... IRREAL... SURREAL... (93)

Baía do Seixal, Autor António Tapadinhas, 2009
Óleo sobre Tela, 80x100cm
No Mar, podemos encontrar o invisível, tudo o que a nossa imaginação for capaz de criar. Durante longos anos, passei muitas noites à pesca nas praias, desde o Meco até Sagres, a respirar o ar salsuginoso, revigorando os pulmões e a mente com o sonho de peixes míticos e de sereias verdadeiras.

O invisível acaba, muitas vezes, quando se abrem os olhos...

António Tapadinhas

domingo, 17 de agosto de 2014


30 / 2014

O ESTADO DO TEMPO:  - VIDA NO CAMPO

Agora em Vale de Touros, acoitado das erupções da tarde, aguardo que o calor amanse para ir regar.
Árvores, arbustos e flores sedentas aguardam a frescura da água.
Quase clamam.
Se estivermos com atenção quase podemos ouvir.
É o que me parece agora escutar.
Um pedido de água.
Deve-se dar água a quem tem sede.
Por isso, suspendo a redacção destas linhas e apresto-me a obedecer.
Até já.

O chão é areia.
Aqui chamam-lhe terreno-roto por não reter a água.
A areia escalda.
O mundo vegetal não se manifesta de uma única maneira.
Assim como nos humanos varia de espécie para espécie.
Algumas das árvores ficam com as folhas encarquilhadas às primeiras sedes, já outras, revelam outro estoicismo.
Também com as flores acontece o mesmo.
Umas desfalecem e soçobram como que desmaiadas, outras resistem por mais tempo.
O Sol, entretanto, abalou.
Dizem que é ao início da noite que se deve regar.
Com o chegar da noite conserva-se por mais tempo a humidade e frescura na terra.
Acho que faz todo o sentido.
Para além de lógico a Ciência comprova-o e, a partir desse momento, deixa de ser uma mera possibilidade.
Acabei de regar e vou jantar.
Jantei.

Depois do jantar e antes de subir ao 1º andar para acabar esta “crónica” para o EG, vou ao quintal fumar um cigarro.
A noite já caíu e o efeito da rega resplandece no quintal.
As árvores abanam-se na brisa, as flores espargem-se em aromas pelo quintal.
Na natureza, e desde que cada um cumpra o seu papel, os contractos não são atraiçoados.
A Vida, ensina-nos.
Eu esforço-me para te alimentar e proporcionar condições propícias ao bem-estar, tu verdejas e floresces no tempo devido.
E assim é, não há tergiversões nem renegociações de última hora.
As aves pousam nos ramos.
De há muitos anos as andorinhas fazem o ninho na arrecadação do ferrementário de jardim.
Por isso, aquela porta há muitos anos não se fecha.
Nem de noite nem de dia.
Como um compromisso, uma espécie de contracto mesmo que não escrito ou não falado.
Talvez porque não pensado.

Acabei o cigarro e subi ao 1º andar.
Subo as escadas, impregnado num sentir de harmonia e aroma adocicado, e peno:

A cada pergunta uma resposta (mesmo que se dúvida);
a cada promessa um firme propósito;
a cada conquista um novo sonho;
e a cada amor uma entrega.

A Vida mostra, a Natureza ensina que a complementariadade só é possível na reciprocidade.
Naturalmente e sem ser necessária qualquer filosofia.
Sem pensar.
E eu, pensando, pensava se não seria o pensamento a fonte de toda a hesitação, angústia e …, pronto ok não sei…

Pratico o exercício de me pensar.
A mim, ao meu Mundo e a mim no e com o meu Mundo.
O meu Mundo, aquele que eu conheço.

MJC



Foto: Olga Pereira

sábado, 16 de agosto de 2014

"Sejas Feliz", por Fernanda Gil





Nota: O "Sejas Feliz" é uma embarcação tradicional do Rio Tejo, um bote de fragata, construído no Gaio em 1947, e recuperado agora no Estaleiro de Sarilhos Pequenos, de Mestre Jaime Costa, o último estaleiro de construção e reparação de embarcações típicas do Tejo ainda em actividade. No "bota-a-baixo estiveram presentes, como Mestre Lopes gosta de referir, pessoas que gostam do rio. Apadrinhou a embarcação o Prof. Carvalho Rodrigues. O "Sejas Feliz" voltou assim a navegar em 9-8-2014.


sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Notas sobre o Culto do Espírito Santo na Arrábida



 por Maurícia da Conceição    



De memórias ancestrais da tradição histórico-cultural portuguesa, passando por reminiscências de Prisciliano (séc. IV), confluíram no séc. XIII, influências vindas da Calábria, na teologia do cisterciense Joaquim de Flora (ou, de Fiore). O abade teorizou a história humana em três fases: Idade do Pai, do Filho e a terceira Idade, do Espírito Santo, que consumaria a fraternidade entre todos os povos, conforme o significado Pentecostal expresso no Evangelho de S. João.

Estas ideias expandiram-se para a Península Ibérica, veiculadas pelos Franciscanos Espirituais, em Aragão, encontraram eco na obra e acção do médico, estudioso de alquimia, Arnaldo de Vilanova, seguido por discípulos, como Ramon Lull, também ligado aos franciscanos. As tendências difundidas na época, em Portugal tiveram concretização no Culto do Espírito Santo imaginado e instituído pela Rainha Santa Isabel, coadjuvada  pelos Franciscanos espirituais e o apoio do Rei D. Dinis.

Agostinho da Silva realçou que, desde séc. XIII, “Na sua forma mais perfeita, consistia a Festa, celebrada por altura do Pentecostes, na coroação de um imperador do Império do Espírito Santo, geralmente uma criança, na celebração de um banquete ritual, gratuito para todos que o quisessem, e no libertar-se presos da cadeia local”.

Com os Descobrimentos, este culto genuinamente português, estendeu-se aos Açores, Brasil, América, tendo sido silenciado em Portugal continental a partir do séc. XVI, pela Contra- Reforma. Resistiu ainda no séc. XX, em algumas localidades como Tomar, ou Sintra onde foi interrompido.

Na Serra da Arrábida, retomámos esta tradição transmitida pelo Pensamento de Agostinho da Silva, no encontro organizado pelo Império de S. Filipe do Espírito Santo. a 19 de Maio 1991, domingo de Pentecostes; com a presença de António Quadros dedicando “Trovas para o Menino Imperador - no Dia de Pentecostes”, ao ritual de Coroação das Crianças. Também, Dalila Pereira da Costa se uniu a esta celebração, como António Cândido Franco, Paulo Borges, Eduarda Rosa e outros amigos, António Telmo colaborava, então, connosco no projecto da Casa de Estudos Universo, em Setúbal.

Este encontro pentecostal tem sido continuado pelo Convento Sonho e Associação Agostinho da Silva, com o apoio do Convento da Arrábida - Fundação Oriente.

Enaltecendo a íntima harmonia com a Natureza, reiniciou-se o ciclo do Culto do Espírito Santo, preservando na essência: a Coroação da Criança, símbolo da inocência a imperar no mundo; a Liberdade de ser, e a Paz, simbolizadas na Pomba; a partilha do pão para todos, concretizada no Bodo; a exaltação do ideário de Fraternidade no convívio ecuménico, em diversidade de crenças, religiões e culturas.

Afirmou Agostinho da Silva, acerca desta celebração e relativamente às Trovas para o Menino Imperador, de António Quadros: “poema extraordinário, marcado a um tempo pela atenção ao Povo de Portugal e pela compreensão do que há de fundamental em sua cultura, em seu Amor da Terra e do Céu, e do Menino, como símbolo da perfeição que pode atingir em ambos seus campos, se realizou, íamos dizendo, a Festa do Espírito Santo na Serra da Arrábida, festa que foi de todo Portugal no século XIII, reinado de Dom Dinis e Santa Isabel, festa não apenas comemorativa, o que já seria muito, mas prospectiva e programática, o que é o supremo do pensamento e da acção. [...] Creio que o da Arrábida foi o ressurgir dele, a Grande Festa Portuguesa, o seu ressurgir para o País e para o Mundo” (George Agostinho, Uma Folhinha de Quando em Quando – Junho 91, Império do Espírito Santo).

quarta-feira, 13 de agosto de 2014




UM SISTEMA BALOFO


Vendas Novas, 31 de Julho de 2014

Por muito que palrem os inteligentes do costume, massacrando os ouvidos dos escutantes, explicando o desastre do GES/BES, ninguém ouve nem ninguém diz qual é a essência do problema que afecta a crise financeira mundial, da qual este desastre é apenas um espirro. Ora, a essência é que estamos encurralados num sistema no qual as trocas especulativas financeiras são infinitamente maiores do que as trocas económicas propriamente ditas. O que é bom é juntar notas macho com notas fêmeas e dizer-lhes: crescei e multiplicai-vos. Pra viver a tripa forra e ter os pés lambidos pelos mansos rebanhos dos profissionais do paleio, o que é preciso é ter uma import/export de coisa nenhuma e um viveiro de reprodução de euros, dólares e similares, os quais, a bem da ecologia, nem sequer precisam de ser impressos, podem muito simplesmente ser virtuais.

Este é um sistema onde quem verdadeiramente manda e traz por conta os políticos em quem o povo vota vive muito acima das nossas possibilidades e só deixa que respire quem dedicadamente o serve. E nisto tudo – desiludam-se os crédulos – o povo, por muito que seja invocado, nada conta, ou antes: conta para bater palmas e ser tosquiado.

Apetece-me lembrar aqui o Albino Forjás de Sampaio: «Os mendigos não têm coroa? Que a roubem. E um dia roubá-la-ão». Deixemos isso e façamos um pequeno exercício:
Imaginemos um planeta pequenino onde todo o dinheiro existente totaliza 100 qualquer coisa e está nas mãos de um só banqueiro. O banqueiro, que pode ser um espírito santo ou um espírito pecador, tanto faz, empresta a dez por cento, por exemplo. Chega o produtor de favas contadas e pede-lhe todo aquele dinheiro, aquela pipa de massa, como diria o camarada Veiga – já não me lembro se era Veiga se era Mário, esse do antigo livro vermelho – e não esqueçamos que só havia aquele dinheiro, os tais cem qualquer coisa.

«Sim senhor – diz o banqueiro – mas daqui a um ano vais ter de me devolver o capital e os juros: CENTO E DEZ».

Pergunto eu, na minha ignorância, como é que o produtor de favas contadas vai dar ao banqueiro 110 se todo o dinheiro que existe totaliza apenas 100?

Eis explicada a razão de um banqueiro poder viver acima das nossas possibilidades e nós não. O resto é conversa de economista para entreter ouvidos pacientes e justificar a si próprio as tretas que aprendeu nas sebentas e fotocópias do seu contentamento.


ABDUL CADRE 
http://comunidade.sol.pt/blogs/abdulcadre/archive/2014/07/31/UM-SISTEMA-BALOFO.aspx

terça-feira, 12 de agosto de 2014

FANTASIANA E OUTROS LUGARES

Portugal
Irreal!
País que vive,
Que chora e pouco ri
(só em alturas marcadas no calendário!),
País que alguém apelidou de “jardim à beira-mar plantado”,
Mas que, hoje, não passa de
Um jardim de ervas daninhas,
Uma faixa de terra que se quer atirar ao mar,
Que se quer deixar engolir,
Um jardim onde o salitre
Tudo corrói, tudo destrói
E nada parece crescer!
Portugal
Surreal!
País que existe sem existir,
País de braços abertos
Mas sem abraços
Para o receber!
Portugal Inventado,
País em que o Azul se deslumbra com a sua cor,
Em que o Mar abraça céu e terra,
Em que o Sol é mais brilhante, é mais luz
E não se cansa
De sorrir!
Portugal
Revisitado
Que se vai
Recriando,
Revivendo
Passados,
Glórias
Mas sempre com olhar no futuro...
Mas vêm as nuvens,
Os nevoeiros,
Os corvos (que não trazem santos)...
Mas Portugal
Não desiste,
Portugal resiste
E já sonha futuras glórias,
Futuros fados!

 Ana Maria Santos
02/08/2013

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

REAL... IRREAL... SURREAL... (92)

Lua Negra, António Tapadinhas, 2007
Óleo sobre Tela, 50x30cm

Sempre achei que o medo da morte, assim como a preocupação com o futuro, não têm sentido: inevitavelmente vão chegar...

António Tapadinhas

domingo, 10 de agosto de 2014

 
 
29 / 2014
 
 

 
 
VONTADE
E quando de súbito surge o rubor, trata-se de espontânea manifestação da exaltação que por dentro se acende ainda que por causas indeterminadas.
Essa capacidade de exaltação é-nos indispensável já que garante por si mesmo que estamos vivos e ansiamos porque é essa exaltação, que é sempre um começo, que por vezes se agiganta e noutras esmorece, que tempera e faz eclodir aquilo a que chamamos de vontade.
Vontade de,
vontade para,
vontade por,
sei lá…
Vontade.
MJC


Foto de Edgar Cantante

sábado, 9 de agosto de 2014

Sociedade e Educação


O Bébé nasce sem qualquer Educação. E o Homem possui assim o poder de controlar a Educação, se aplicar uma Educação diferente da existente, numa geração recente, poderá modificar grandemente o curso evolucionário da civilização e das sociedades.Considero a Educação o factor mais fiável ,rápido e seguro para transformar o mundo sem grandes sobressaltos.
Se quisermos uma sociedade cultural bem mais avançada, então a Educação terá forçosamente de saltar para novos níveis de valor, diferentes dos existentes. Actualmente a economia está baseada puramente na motivação do lucro e a Educação tem sido por muito tempo,regionalista,militarista,exaltadora do ego e buscadora do sucesso. Quando este cenário for ultrapassado, ela irá finalmente ser aberta ao mundo, tornar-se idealista,auto-realizadora e abrangente do ponto de vista cósmico.
A Educação é a ocupação maior da vida,é ela que nos traz o conhecimento das coisas, a compreensão dos significados e a apreciação dos valores. O propósito da Educação é desenvolver e tornar mais aguçados os dons inatos da mente humana e todos os valores positivos e bons,o propósito da civilização é expressá-los.
Apenas o Amor e a irmandade podem impedir que os fortes oprimam os fracos e para esse staus amoroso e fraterno muito contribui uma verdadeira Educação.    

Em relação à aplicação e distribuição da riqueza, suponho que os recursos naturais deveriam ser administrados como posses sociais, como propriedade da comunidade.
Os recursos excedentários gerados após satisfeitas as necessidades básicas de sobrevivência deveriam ser canalizados para os seguintes itens:
1º Na ciência,na educação e na filosofia, sempre em busca de uma maior aproximação à verdade.
2º Aplicados ao lazer social, ás artes e aos jogos.
3º Ao serviço social altruísta e à religião.
4º Uma reserva-seguro contra acidentes,incapacidades,doenças e outros desastres inevitáveis.

A transformação da sociedade actual e desta civilização deveria assentar nos seguintes pilares:
1-A preservação das liberdades individuais.
2-A proteção do lar.
3-A promoção da segurança económica.
4-A prevenção das doenças.
5-A educação compulsória.
6-O emprego compulsório.
7-Uma utilização proveitosa do lazer e tempos livres.
8-Cuidar os desventurados e desfavorecidos.
9-O aperfeiçoamento da raça.
10-A promoção da ciência e das artes.
11-A promoção da filosofia e da sabedoria.
12-A ampliação do discernimento espiritual.

Dias Felizes
Rui Madeira


sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Livros d'África




           JOÃO DE MELO


Professor, crítico literário e escritor, nasceu na ilha de S. Miguel, Açores, em 1949. Em 1971, mobilizado como furriel enfermeiro, embarcou para Angola de onde regressou em 1974.
Dessa experiência escreveu vários livros sendo um deles, na minha modesta opinião, talvez a melhor obra escrita por um ex-combatente das guerras de África: intitula-se “AUTÓPSIA DE UM MAR DE RUÍNAS” e foi publicado pelo Círculo de Leitores em 1987. 

Porque esse “pesadelo de vinte e três anos nos salpicou a todos de dor, e sangue, e vergonha”, e porque em Portugal tudo se passava lá longe e se tornava difuso, “anos mais tarde, tendo escrito sobre a guerra de um milhão e quinhentos mil homens, o furriel enfermeiro veria a multidão passar assim, deitado também nos passeios, ouvindo dizer que era mentira, aquele país jamais estivera em guerra, era tudo uma ficção de crise e os escritores eram uma espécie extinta e também sem oportunidades.”

Acontecia o 25 de Abril.
O Autor conduz a história pela voz de dois narradores: a do agressor e a do agredido, o europeu e o africano, umas vezes assim, outras vezes por ordem inversa, numa análise equidistante dos contendores. Por exemplo, o agredido:
“Todas estas miúdas coisas aconteciam era na guerra, na paz podre dos dias e do tempo que não ia mudar ainda na nossa vida tão cheia de desgraça. Preso nas tripas, no estômago, e na voz de sua revolta sempre tão calada em seus mistérios, o velho Loneque pensava o valor das horas não existia já. Tinha a sua perna inchada, onde que a pele começara estalar um pouco em toda a parte; tinha uma comichão danada, e apetecia só rasgar com as unhas, ferir até ao fundo do sangue, mesmo sem importar para nada o sofrimento que podia atrapalhar depois as noites e destruir para sempre o sono; tinha sua voz fatigada da vida, desde o princípio da alma até ao osso da escuridão, e não lembrava sequer o próprio deus esquecido na sua velhice sem família neste mundo. Falava apenas:
- Aiuê! Chatice desta guerra, num vai ter fim nunca mais.”

O livro tem dedicatória: “À memória dos que morreram em Calambata, por terrível que tenha sido vê-los matar e morrer em Angola.”
É uma obra dura, sofrida, mas essencial.

Tomás Lima Coelho



quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Cerrados (4)






Cerrado com Neve

Kity Amaral

Óleo sobre Eucatex
30x60 cm

2001



Notinha:
As savanas brasileiras - o Cerrado e a Caatinga - são uma forma de vegetação que tem diversas variações fisionómicas ao longo das grandes áreas que ocupam do território do país. É uma área zonal, como as savanas de África, e correspondem grosso modo ao Planalto Central.
O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro, estendendo-se por uma área de 2.045.064 Km2, abrangendo oito estados do Brasil Central: Minas Gerais, Goiás, Bahia, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Piauí e o Distrito Federal.


terça-feira, 5 de agosto de 2014

FANTASIANA E OUTROS LUGARES

UMA MELGA


Uma melga
E outra melga e meia
Discutiam quem seria a mais bela!
- Tu és uma flausina, toda magrinha!
 Dizia a Francelina.
- Tu és uma bolinha, toda redondinha!
Respondia a Laurinda.
- Tu nem sabes voar, é o vento que te leva!
Dizia a Francelina.
-Tu só sabes rebolar, nem consegues parar!
Respondia a Laurinda.
Uma melga
E outra melga e meia
Discutiam quem seria a mais bela!

 Veio uma almofada… e escolheu as duas!

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

REAL... IRREAL... SURREAL... (91)

Decalcomania, Magritte, 1966


A DANÇA DE UM LOUCO

Todos os dias, um homem sério e responsável, de emprego estável, família perfeita, casa grande e carro novo, se levantava cedo. Fazia trinta minutos de passadeira, seguidos de um banho rápido, um copo de água natural e um prato composto de modo exemplar por cereais e fruta fresca.
Todos os dias os seus pais estavam ainda vivos e moravam perto. De caminho para o emprego, a pé, parava e dava um beijo à sua mãe antes de cumprimentar educadamente o dono da papelaria onde comprava o jornal. Aí, olhava com interesse a prateleira dos cigarros e quase hesitava um sorriso por se ter conseguido livrar finalmente daquele vício.
Todos os dias sorria serenamente enquanto continuava o seu caminho até chegar a uma porta onde se lia «HOSPITAL PSIQUIÁTRICO»

Todos os dias um homem completamente louco dançava com um cisne.

Lá fora, a vida fazia-se outra vez enquanto um líquido transparente lhe percorria as veias e lhe fechava os dias num quarto que partilhava com outros doentes. No hospital, uma pena completamente branca era recolhida, já sem surpresa, pelo enfermeiro de serviço e ele adormecia serenamente. 
Todos os dias.



Maria Teresa Bondoso

domingo, 3 de agosto de 2014


28 / 2014

e

n
o

e
n
t
a
n
t
o

s
ó

p
a
r
a

l
e
m
b
r
a
r

que há linhas que dividem o mundo que habitamos retalhando-o e retalhando-nos.
 Claras e evidentes umas, agredindo valores que julgávamos invioláveis e brutais
mais subtis e menos palpáveis outras mas, admitimos, igualmente prejudiciais
nos muros que erguem ou trincheiras que cavam, dividindo-nos.

 se o amor é porta que tudo abre e constrói
a indiferença é a que tudo fecha e destrói.

nos e pelos caminhos percorridos, algo se deduz e emerge da reflexão:
o tempo urge e é preciso construir pontes e canais
com bom-senso e no respeito pelos direitos essenciais
no sentido e em serviço do escutar do coração.

     
   Manuel João Croca



Fotos: Edgar Cantante