domingo, 17 de agosto de 2014


30 / 2014

O ESTADO DO TEMPO:  - VIDA NO CAMPO

Agora em Vale de Touros, acoitado das erupções da tarde, aguardo que o calor amanse para ir regar.
Árvores, arbustos e flores sedentas aguardam a frescura da água.
Quase clamam.
Se estivermos com atenção quase podemos ouvir.
É o que me parece agora escutar.
Um pedido de água.
Deve-se dar água a quem tem sede.
Por isso, suspendo a redacção destas linhas e apresto-me a obedecer.
Até já.

O chão é areia.
Aqui chamam-lhe terreno-roto por não reter a água.
A areia escalda.
O mundo vegetal não se manifesta de uma única maneira.
Assim como nos humanos varia de espécie para espécie.
Algumas das árvores ficam com as folhas encarquilhadas às primeiras sedes, já outras, revelam outro estoicismo.
Também com as flores acontece o mesmo.
Umas desfalecem e soçobram como que desmaiadas, outras resistem por mais tempo.
O Sol, entretanto, abalou.
Dizem que é ao início da noite que se deve regar.
Com o chegar da noite conserva-se por mais tempo a humidade e frescura na terra.
Acho que faz todo o sentido.
Para além de lógico a Ciência comprova-o e, a partir desse momento, deixa de ser uma mera possibilidade.
Acabei de regar e vou jantar.
Jantei.

Depois do jantar e antes de subir ao 1º andar para acabar esta “crónica” para o EG, vou ao quintal fumar um cigarro.
A noite já caíu e o efeito da rega resplandece no quintal.
As árvores abanam-se na brisa, as flores espargem-se em aromas pelo quintal.
Na natureza, e desde que cada um cumpra o seu papel, os contractos não são atraiçoados.
A Vida, ensina-nos.
Eu esforço-me para te alimentar e proporcionar condições propícias ao bem-estar, tu verdejas e floresces no tempo devido.
E assim é, não há tergiversões nem renegociações de última hora.
As aves pousam nos ramos.
De há muitos anos as andorinhas fazem o ninho na arrecadação do ferrementário de jardim.
Por isso, aquela porta há muitos anos não se fecha.
Nem de noite nem de dia.
Como um compromisso, uma espécie de contracto mesmo que não escrito ou não falado.
Talvez porque não pensado.

Acabei o cigarro e subi ao 1º andar.
Subo as escadas, impregnado num sentir de harmonia e aroma adocicado, e peno:

A cada pergunta uma resposta (mesmo que se dúvida);
a cada promessa um firme propósito;
a cada conquista um novo sonho;
e a cada amor uma entrega.

A Vida mostra, a Natureza ensina que a complementariadade só é possível na reciprocidade.
Naturalmente e sem ser necessária qualquer filosofia.
Sem pensar.
E eu, pensando, pensava se não seria o pensamento a fonte de toda a hesitação, angústia e …, pronto ok não sei…

Pratico o exercício de me pensar.
A mim, ao meu Mundo e a mim no e com o meu Mundo.
O meu Mundo, aquele que eu conheço.

MJC



Foto: Olga Pereira

2 comentários:

A.Tapadinhas disse...

Um texto que eu tenho escrito muitas vezes, quando penso, fazendo os trabalhos simples que descreves.

Só que... assim como um pintor faz de cada imagem, real ou mental, um objecto de prazer para si ou para outros, tu e as tuas palavras conduzem-nos a esse mundo que fazes o favor de partilhar connosco.

(Apenas critico o início de um parágrafo que sei não ser metafórico! Não digo qual, porque acho que vais adivinhar qual é!)

Grande abraço,
António

MJC disse...

Pois é Amigo António, quando o visível e o induzido se aliam e complementam contam-nos histórias que nos humanizam e enriquecem. Por vezes, andamos a correr, não damos oportunidade a nós próprios de as escutar e com elas aprender mas, outras vezes, ouvimos e o sortilégio acontece.
Quanto ao parágrafo que referes é algo que vou acabar por ter de resolver.

Abraço.

MJC