JOÃO
DE MELO
Professor, crítico
literário e escritor, nasceu na ilha de S. Miguel, Açores, em 1949. Em 1971,
mobilizado como furriel enfermeiro, embarcou para Angola de onde regressou em
1974.
Dessa experiência
escreveu vários livros sendo um deles, na minha modesta opinião, talvez a
melhor obra escrita por um ex-combatente das guerras de África: intitula-se
“AUTÓPSIA DE UM MAR DE RUÍNAS” e foi publicado pelo Círculo de Leitores em
1987.
Porque esse “pesadelo
de vinte e três anos nos salpicou a todos de dor, e sangue, e vergonha”, e porque em Portugal tudo se passava lá
longe e se tornava difuso, “anos mais
tarde, tendo escrito sobre a guerra de um milhão e quinhentos mil homens, o
furriel enfermeiro veria a multidão passar assim, deitado também nos passeios,
ouvindo dizer que era mentira, aquele país jamais estivera em guerra, era tudo
uma ficção de crise e os escritores eram uma espécie extinta e também sem
oportunidades.”
Acontecia o 25 de
Abril.
O Autor conduz a história
pela voz de dois narradores: a do agressor e a do agredido, o europeu e o
africano, umas vezes assim, outras vezes por ordem inversa, numa análise
equidistante dos contendores. Por exemplo, o agredido:
“Todas estas miúdas
coisas aconteciam era na guerra, na paz podre dos dias e do tempo que não ia
mudar ainda na nossa vida tão cheia de desgraça. Preso nas tripas, no estômago,
e na voz de sua revolta sempre tão calada em seus mistérios, o velho Loneque
pensava o valor das horas não existia já. Tinha a sua perna inchada, onde que a
pele começara estalar um pouco em toda a parte; tinha uma comichão danada, e
apetecia só rasgar com as unhas, ferir até ao fundo do sangue, mesmo sem
importar para nada o sofrimento que podia atrapalhar depois as noites e
destruir para sempre o sono; tinha sua voz fatigada da vida, desde o princípio
da alma até ao osso da escuridão, e não lembrava sequer o próprio deus
esquecido na sua velhice sem família neste mundo. Falava apenas:
- Aiuê! Chatice desta
guerra, num vai ter fim nunca mais.”
O livro tem
dedicatória: “À memória dos que morreram em Calambata,
por terrível que tenha sido vê-los matar e morrer em Angola.”
É uma obra dura, sofrida, mas essencial.
Tomás Lima Coelho
1 comentário:
Faz bem ouvir falar destes escritores que vão sendo afastados dos portugueses!
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