quinta-feira, 30 de março de 2017

Salgadeira


Decerto vão ficar espantados com o potencial deste arbusto.

Miguel Boieiro


Em minha singela opinião, uma das iniciativas mais importantes que ocorreram em Alcochete nos finais do século XX, foi a mudança do velório de defuntos da Igreja da Misericórdia e a sequente implantação no local do Museu de Arte Sacra e do Posto de Turismo. Não foi fácil a tarefa porque o templo estava a ficar muito arruinado e era necessário encontrar uma alternativa para o velório. Deve dizer-se que esta última função se dava em condições bastante deficientes. Por vezes até, se via passar gordas ratazanas pelo soalho carcomido, enquanto se realizavam os preparativos fúnebres.

Dado que o edifício, construído nos fins do século XVI, se encontrava classificado como imóvel de interesse municipal, foi necessário lançar três concursos públicos: um para o projeto de remodelação, outro para a recuperação das pinturas do retábulo e outro para as obras de remodelação. Na frente nascente do edifício abriu-se uma entrada e criou-se o polo de informação turística de que a vila há muito necessitava. Na parte exterior, para tornar mais atraente o local, plantou-se uma palmeira Phoenix canariensis. Mas, se nessa altura ainda não havia a praga do escaravelho vermelho, subsistia outro flagelo para a arruinar. Tratava-se das marés-vivas de setembro, cuja ondulação galgava facilmente a muralha e ia encharcar o solo com água salgada. A palmeira não gostou e morreu. Vai daí lembrei-me de recomendar que, em sua substituição, se plantasse uma salgadeira. Assim foi, e um belo arbusto ornamental medrou escorreito no referido espaço. Tenho pena de que agora já lá não esteja. É que se sucederam as obras para embelezar o local, culminando com a implantação do panorâmico Passeio do Tejo, por onde dá gosto deambular, quando não há nortadas.

E aqui chegados, vamos finalmente abordar a Atriplex halimus L que, segundo a maioria dos botânicos, pertence à família das Chenopodiaceae, e é conhecida popularmente por salgadeira. Trata-se de um arbusto halófito, é bem de ver, pois suporta a salinidade e pode sobreviver em zonas inóspitas graças, em parte, ao seu sistema de raízes profundas. Aguenta mesmo a exposição continuada do vento e suporta temperaturas negativas. Atinge 2 ou 3 metros de altura e é muito comum nos sapais, muros das salinas ou arribas marítimas, fora das zonas de imersão. As suas ramagens, entre o verde esbranquiçado e o cinzento, estabelecem um curioso contraste com os matizes das outras plantas, enriquecendo a paleta de cores dos jardins urbanos. As folhas são pequenas, enrugadas e persistentes revestindo variadas formas. Podem ser ovais, lanceoladas ou elípticas, sendo, todas elas, pecioladas, ligeiramente grossas, mas muito macias. Os caules, de cor cinzenta, são muito ramificados e emaranhados. As flores apresentam-se em panículas compactas com uma curiosa característica, incomum noutras plantas: são trimonóicas. O mesmo é dizer que, no mesmo indivíduo vegetal, há flores unissexuais masculinas, unissexuais femininas e bissexuais. A polinização é anemófila, isto é, proporcionada pelo vento. É o que se chama uma autêntica versatilidade reprodutiva! Os frutos são aquénios com uma ala membranosa de cor rosada.

As folhas da salgadeira são ricas em proteína, crómio, potássio, hidratos de carbono, vitaminas C e D e provitamina A.
Pensa-se que a salgadeira é nativa do norte da África e da Europa meridional, onde desde tempos remotos, lhe eram conferidas várias utilidades. Eis, em resumo, uma lista das suas serventias:
- Estabelecimento de sebes para proteger da ventania os terrenos de cultivo;
- Forragem para animais, dado não conter elementos tóxicos e possuir boa palatabilidade;
- Proteção contra incêndios em zonas de risco, visto que a sua salinidade dificulta a combustão;
- Efeitos ornamentais em jardinagem;
- Favorecimento dos ecossistemas mais frágeis pela fácil produção de biomassa;
- Fabrico de sabões dado que as respetivas cinzas são ricas em elementos alcalinos;
- Como condimento. As folhas depois de secas e pulverizadas podem servir para temperar as comidas;
- Na alimentação humana. As folhas podem ser comidas cruas em saladas. Cozidas, assemelham-se a espinafres, enriquecendo sopas e refogados. Por sua vez, as sementinhas, que são proteicas, podem juntar-se às farinhas de panificação;
-Em fitoterapia. A infusão das sumidades floridas combate a acidez gástrica e reduz as flatulências. Estudos efetuados na Argélia por especialistas universitários realçam as propriedades antioxidantes da salgadeira e a sua atividade antidiabética.

E pronto! Creio já ser o bastante para despertar a curiosidade de todos os que procuram as plantas para fruírem dos seus benefícios. Quem diria que a humilde salgadeira poderia ser tão útil?

quarta-feira, 29 de março de 2017

Vivências


José Flórido

     Antigamente, havia Cafés que eram verdadeiros centros de convívio. Alguns eram mesmo autênticas Universidades livres, como o Café Colonial, nos Anjos, que eu considerava uma espécie de dependência da minha casa. Quando saía, muitas vezes cansado e pesaroso do meu emprego, ou mesmo depois de já ter jantado, encontrava sempre ali um refúgio mágico, uma convivência cordial de estudantes, de professores, de escritores e de jornalistas. E, dentre os mais assíduos, saliento as figuras que pontificavam pelo saber e pela experiência: O José Marinho, pensador platónico, saudosista e metafísico, e o Álvaro Ribeiro, filósofo de fundo aristotélico. Mas havia mais: o António Quadros, o Orlando Vitorino, o Jorge Preto, o António Telmo, o Luís Espírito Santo, o Fernando Sylvan, o António Braz Teixeira, a Ana Hatherly, a Natália Correia, o Luís Furtado, o Fernando Vasconcelos, o Luís Zuzarte, o Alberto Gonçalves... E apareciam também, de vez em quando, o Delfim Santos e o Sant' Anna Dionísio... E, foi a partir de quase todos estes pensadores que se criaram dois órgãos de divulgação literária: O "57" e, mais tarde, a revista "Espiral". 

    Quando nesses convívios o diálogo não atingia sempre o mesmo nível e parecia declinar, aproximando-se da superficialidade ou mesmo da mediocridade, o José Marinho dizia, com um sorriso irónico: "Isto, nem sempre pescada, nem sempre sardinha..." . Dele, recordo a sua presença de Mestre e reavivo a gratidão de ter sido por seu intermédio que tive o privilégio de conhecer Agostinho da Silva. Dele, recordo também a sua "Teoria do Ser e da Verdade", livro tão laboriosamente e demoradamente escrito, sobre o qual quis também apresentar uma leitura. E memorizei mesmo, até ao dia de hoje,  o parágrafo inicial, não porque disponha de uma memória acima do normal, mas porque aquelas palavras, genialmente alinhadas, que o compunham eram, por todos nós, repassadas inúmeras vezes: "Aquele a quem foi dado ser plenamente como a quem e negado todo o parcial ser e, no ver do que é, infinitamente ultrapassa todo o ver e saber finito, esse, no mesmo instante em que frui a mais pura alegria, sabe para sempre toda a verdade."

     
O Marinho, como quase toda aquela gente que o acompanhava, amava muito (ou mesmo em demasia) as palavras e, por isso, tentava "dizer o indizível". Considerava esse primeiro parágrafo a sua "coroa de glória", que era talvez a síntese e a perceção de tudo o que seria desenvolvido posteriormente. E quando, certo dia, lhe telefonei a dizer que o interpretara como expressão da "Parábola do Filho pródigo", ficou muito interessado e quis imediatamente falar sobre esse assunto. Encontrámo-nos então num Café próximo do local onde residia e, algum tempo depois de iniciada a conversa, declarou: "Quando você me apresentou o sua interpretação pelo telefone, pensei para comigo mesmo: "Estás completamente a leste... Mas, agora vejo que foi mais longe do que eu pensava... e acho até que a sua leitura é muito interessante. Veja lá se me ajuda a perceber este livro!" Ora, este pedido de auxílio do autor para a compreensão de um livro, por ele próprio escrito, é quase um fenómeno hilariante. Contudo, justifica-se, se conhecermos a natureza e a dimensão do seu pensamento: José Marinho sempre me pareceu acreditar que aquilo que escrevia estava acima da sua condição humana. Tudo lhe era, de certo modo, revelado, sendo ele apenas um intermediário consciente dessa revelação. Mas, a conversa não se fixou demoradamente nesse assunto. Derivámos para o Fernando Pessoa e para o Teixeira de Pascoais, que eram os Poetas relevantes da "Filosofia Portuguesa". O Marinho era "Pascoalino". Tinha sido amigo de Pascoais e nutria por ele uma admiração quase sobrenatural. E sempre que confrontava Pessoa com Pascoais, ponderava: "Pessoa "pessoliza" a Poesia; Pascoais deixa-se atravessar por ela..." E já no fim do nosso encontro,declarou: "Você soube demasiadamente cedo certas coisas... E agora tem de sofrer as consequências...".  Mas, só muitos anos depois, consegui compreender as "consequências" a que o Marinho se estava a referir. É que tem de haver um tempo para tudo... e se nos antecipamos, quase sempre temos de pagar, mais tarde, a fatura da nossa antecipação.

     Do Álvaro Ribeiro não tenho uma recordação tão precisa. Mas nunca esqueci o facto de, certo dia, me ter advertido pela irreverência da minha juventude. Imaturamente, queria emitir opiniões sobre todos os assuntos, antes de, primeiramente, aprender a pensar e a escutar os mais sábios e os mais experientes. Hoje, dou-lhe razão. E, por isso, sempre tentei fazer ver aos meus alunos o quanto é precioso ser recetivo, antes de se ser prematuramente, e precipitadamente, emissivo, embora reconheça que a mais importante aprendizagem é, não a de escutarmos os outros, mas a de nos "escutarmos a nós próprios", ouvindo a voz do nosso Mestre interior. É nisso que consiste realmente o despertar da "Intuição", palavra que significa propriamente, e de acordo com o seu étimo, "ouvir de dentro".

      Mas foi, como já referi, o José Marinho que me apresentou o Agostinho da Silva. Para isso, convidou-me para assistir e tomar parte numas conferências que se realizavam no IADE, cujo diretor, segundo creio, era o Lima de Freitas. No dia aprazado,  vi entrar na sala um homem modestíssimo, quase um campónio, mas irradiando uma fascinante serenidade. Era o Agostinho. Cumprimentou as pessoas presentes e, depois, dirigindo-se a mim, perguntou: "E este senhor, quem é?" O Marinho fez a apresentação. E o Agostinho da Silva, que não me conhecia de lado algum (nem eu a ele), declarou com um sorriso imensamente franco: Tem graça... era mesmo consigo que eu queria falar..."

in, http://joseflorido.weebly.com/textos/vivencias
3/15/2017

terça-feira, 28 de março de 2017

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

VAMOS CANTAR AS JANEIRAS

Faleceu o Sr. José Ribeiro Chula Júnior, amigo de sempre do meu pai e homem que gostava da vida e a viveu com a paixão e a intensidade de quem correu mundos e construiu um império, mas sempre gentil e delicado, respeitador do próximo a quem nunca ofendeu por dolo e jamais negando o convívio de muitos pratos já que, para ele, o estar vivo era isso mesmo, o acto de festejar alegrias uma vez findo o trabalho. 

A esta hora estará certamente a rever as faenas mais bonitas das incontáveis corridas que perseguiu por toda a Espanha que era a coisa que mais gostava de ver e o único devaneio que a si mesmo se permitiu ao longo de toda uma vida de labuta e progresso. Padrinho de Pedrito de Portugal, foi um aficionado até ao último suspiro e teve a justa recompensa no cortejo fúnebre em que a urna foi transportada pelas mãos dos forcados da Moita que em ele perderam um grande amigo e admirador. 

Criador de gado, com a ajuda da mulher que muita força e auxílio lhe deu, teve a capacidade de ver ao longe e conseguir transformar uma exploração tradicional de ovinos em vacaria leiteira industrial e mais tarde, depois do filho mais velho concluir os estudos e de se ter posto a trabalhar ao lado dele, teve a presença de espírito para compreender os novos tempos e deixar que a nova geração enveredasse pela aplicação do melhor aparato tecnológico a nível mundial, com o que formaram uma exploração de topo nacional que actualmente, com meia dúzia de braços, produz mais de quinze mil litros de leite por dia. 

Eu sempre admirei este homem que para mim representou o que de melhor tem o espírito empreendedor da Humanidade e que, pela cortesia e bons princípios, me foi apontado e serviu de exemplo. 

Tenho a certeza que agora estará junto de Deus que em seu Reino tem sempre lugar para as pessoas boas. 



Pois ao dia pardacento e húmido seguiu-se uma noite levrinhante. 
Sabemos que a Lua está lá por causa do clarão que as nuvens mais magras deixam transparecer quando passam. 



O robot “Spirit” continua a enviar excelentes imagens para a Terra mas, infelizmente, parece ter um problema que lhe impede a locomoção. Um dos airbags que lhe amorteceu o embate na superfície marciana está a prender-lhe uma das peças que lhe proporcionam o movimento. 
Naturalmente, os cientistas estão agora a avaliar e a preparar respostas ao problema. 
Façamos votos para que a operação de salvamento seja bem sucedida e a missão possa prosseguir com a mesma qualidade na recolha de dados com que até aqui nos presenteou com as fotografias. 



Hoje os alunos fizeram exercícios com as vogais e algumas das palavras dadas. Completaram a manhã com os números aprendidos. 



A Sorbonne suprimiu a cátedra de estudos de língua e cultura portuguesa. 
Falta de tempo, estão a perceber? 



E o que dizer da proposta de uma deputada do PSD para que se legisle no sentido de limitar o acesso da imprensa e a possibilidade de certas notícias de casos em processo de justiça. 
Fico arrepiado com o que ouço. 
Isto é o primeiro sinal do assalto ao aparelho legislativo que, por ora, ainda consagra as liberdades de expressão e informação entre nós. Para já não tem pernas para ir para a frente, seria demasiado descaramento uma vez que estamos em pleno decurso de um processo que envolve figuras do poder político e do alto funcionalismo do estado, bem como dos meios mediáticos. Contudo, receio que a coisa não fique por aqui. 
A lição Watergate serviu para todos, não tenho dúvidas disso e a verdade é que a liberdade de imprensa, hoje em dia, em Portugal, é mais um paradigma teórico que algo consistente na prática dos meios de comunicação social. 
Para que a actual classe dirigente – o termo tem valor sociológico – se mantenha no poder já não há alternativa à ditadura, naturalmente mitigada mas, é bom de ver que dada a nossa pertença à União Europeia, aquela não pode e também não precisa de ser explícita. Basta que o SIS investigue e fiche os mais inconvenientes da sociedade civil e depois será cair-lhes em cima com os desempregos ou as maquinações fiscais e legais e, com o pão e o circo em eco mediático, o povo acabará por ir à bola e ao cinema e não reparar que as fériazinhas estão garantidas pelo silêncio de toda e qualquer injustiça que, eventualmente, fosse corrosiva para a paz apodrecida em que este país de opereta passará a viver. Depois a criminalidade tratará do resto e, por preferência pela segurança, aceitaremos todos os policiamentos que nos queiram impor. 

Dizem que o vinte e cinco de Abril de setenta e quatro foi o primeiro movimento de uma onda democrática que se veio a repercutir por todo o mundo, levou à queda das ditaduras latino-americanas e do comunismo e ainda hoje faz sentir as suas réplicas. 
Pois bem, esperemos agora que a solução portuguesa não venha a consagrar a vitória das máfias sobre as democracias e a transformação dos estados de direito em protectorados legais do crime organizado. 

Deus queira que eu esteja redondamente enganado. 



E como é que eu posso deixar de viver encantado? 
Ao almoço tive um coro de meninas, com coreografia e tudo que quiseram presentear o pai com as canções aprendidas na hora de educação musical. 

Agora vou dar um beijinho aos meus anjinhos e depois dormirei com um sorriso na boca. 


 Alhos Vedros 
   08/01/2004

sábado, 25 de março de 2017

Alimentação e Saúde


Para fortalecer o Sistema Imunitário e promover a auto cura:

1) modificar a dieta:  evitar ou retirar da alimentação as carnes vermelhas e derivados (enchidos, etc), o glúten, leite e lacticínios de vaca, e açúcar!

2) Tomar alguns suplementos de boa qualidade para limpar o organismo e ajudá-lo a curar-se: 3 gr de vit C/dia ou mais, Vit D + vit K2B12ácido fólicoóleo de peixe ou de fígado de bacalhau, o anti-inflamatório "evening primrose", curcuma + pimenta preta, alimentos  anti-fúngicos (alho, cebola, orégãos, óleo de côco, óleo essencial tea tree, vinagre de cidra), sumo de aloe veraprobióticos.

3) Chá verde, exercíco físico moderado e bom sono.


Informe-se com um profissional de saúde e seja responsável pela sua saúde!



~Paz&Luz~
Paula Soveral
paulasoveral.terapias@gmail.com 
  

quinta-feira, 23 de março de 2017

“POR VEZES TEMOS O FOGO NA BOCA”


por Barbara Pollastri e José Gil



Celebração da Poesia no seu Dia Mundial,  21 de março de 2017, com um “Atelier de Animação Teatro e Performance” numa colaboração entre a Biblioteca Municipal do Pinhal Novo e a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal.

“O meu País é o meu Corpo” é o título do Atelier que realizámos na sala multimédia da Biblioteca com o objetivo de Sentir, Dizer e Fazer uma Performance de palavras, frases, versos, poemas inspirados por “Lençóis Bordados” da pintora contemporânea Lourdes Castro.

Participaram neste evento jovens da Escola Secundária do Pinhal Novo, acompanhados  pela sua  professora, e estudantes da ESE das Licenciaturas em  Tradução e Interpretação de Língua Gestual Portuguesa com as professoras Sandra Marques e Ana Silva e da Licenciatura em Animação e Intervenção Social com a professora Sandra Cordeiro.

                A música e a luz serenas criaram o ambiente criativo num chão povoado de lençóis e jornais. Num primeiro tempo, alguns dos participantes deitaram-se e relaxaram nos lençóis, enquanto outros desenhavam contornando os corpos com marcadores pretos [para sermos fiéis à referência da Pintora Lourdes Castro, num workshop mais prolongado no tempo, os lençóis seriam a seguir bordados].

                Num segundo tempo, cruzámos com outros corpos contornando também e deixando espaços vazios de interação para escrever palavras, frases, versos, poemas alusivos ao olhar refletido dos participantes.

                Resultou desta experiência laboratorial de “ensino” da poesia [alguns diriam “escrita criativa”] os “trabalhos” que foram paginados numa marcação própria para poemas a dizer na performance que se realizou de seguida:

(1)
“Por vezes temos o fogo
Na boca (…)
O avanço do relógio
Dá-nos uma certa
Alegria
Luz na
Vida”
João, 13 anos Escola Secundária do Pinhal Novo

(2)
“Dançarino dança na lua
Livre
Como as aves voam
Com as asas
No céu azul”
Mariana Silva, 13 anos Escola Secundária do Pinhal Novo

(3)
“A voz do sol,
Comeu a maçã do joelho
Uma ave tocou nos lábios
Com azeite
Com a cabeça”
Gabriel, 13 anos Escola Secundária do Pinhal Novo

(4)
“O otorrinolaringologista
Comeu com o cabelo o
Abacaxi e o ovo
Que estavam
No frigorífico
Na sua
Casa em
Júpiter
João Ribeiro, 13 anos Escola Secundária do Pinhal Novo 7º E, nº 14

Neste Atelier desenvolvemos técnicas da Professora e Poetisa Maria Alberta Meneres,  publicadas no seu livro “Um poeta faz-se aos 10 anos”, nos anos 70, e de outros colegas “professores de Poesia” que criaram com o estudante Rosi, de 12, anos o seguinte texto:

“O TEXTO
Era uma vez um texto
Era uma vez uma casa no texto
Era uma vez um cão no texto
Era uma vez um gato no texto
Há um pássaro
Ele voa
No texto”

O pensamento o a inquietação deste tipo de Ateliers retratam as temáticas de Alda Bizarro, bailarina e coreógrafa num livro recente “10X10 Encontros entre Arte e Educação”, Fundação Calouste Gulbenkian, 2017, p.41: “fica de fora [da educação] as danças malucas, o espaço dos que não têm jeito para jogar, dos gorduchos, dos que temem a competição, dos que gostam de se sentar no chão, ou até dos que gostam de estar deitados a ouvir, a escrever ou a desenhar. Na escola, bem como no resto da sociedade, a posição sentada ganha prevalência na hierarquia das posições. No entanto, a minha experiência no 10X10 diz-me que a estratégia de aprendizagem que põem as cadeiras de lado e recorrem a atividades que envolvem diretamente o corpo têm um enorme impacto junto dos alunos, suscitando o seu entusiasmo e a sua motivação”.

Performance Recital
A partir do Atelier com os  jovens, realizámos a Performance Recital que envolveu alguns estudantes dos cursos de Licenciatura da Escola Superior de Educação de Setúbal TILGP (Flávia Silva, Sara Tavares, Catarina Cândido, Barbara Pollastri e Ana Pires); AIS (Patrícia Brioso, Ana Catarina Barroqueiro, Ana Isabel Muge dos Reis, Ana Maria Ferreira, Sara Monteiro, Eulália Matta);  a estudante Erasmus Cecília Boechat e os jovens da Escola Secundária do Pinhal Novo.
Os poemas lidos foram, em alguns casos, criados pelos próprios estudantes da ESE, ao longo das aulas do 2º semestre, como é o caso seguinte:

“Quadris”

“Balançando ao som da Canção
Entre contração e Convulsão
Os passos consoados vão desenhando a dança

O movimento dos quadris aos poucos revela
A sedução velada que o corpo não nega
Mas esconde do tabu instituído e velado

O corpo fala enquanto a mente consente
Com as regras infundadas mas conscientes
E funciona como escape para o real desejo

E quando liberto o corpo explode
Extravasa, respira, suspira, transborda
E revela a verdadeira essência da carne”
(Cecília Boechat, março de 2017)

De salientar ainda o poema da colega Eulália Matta, escrito no próprio momento da Performance.

A Performance realizou-se em língua portuguesa de Portugal e do Brasil, bem como em crioulo, francês e italiano, enriquecida com a Língua Gestual Portuguesa, desenvolveu-se num cenário protagonizado pelos lençóis desenhados ao longo do Atelier.

quarta-feira, 22 de março de 2017

Artes Plásticas: Ana Pereira



Ana Pereira

Sem título

Mixed Media on Canvas

40x50

Notem bem: Ver mais da autora AQUI



terça-feira, 21 de março de 2017

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

O DESPORTO E A LIDERANÇA

A Margarida, neste momento, está a ler uma história para a Matilde. 
Daqui a nada levantar-me-ei para lhes dar um beijinho e desejar-lhes boa noite. 
“-Durmam bem, pardalitos.” 

E os meus anjinhos voltam-se e fecham os olhos. 
Dentro de momentos o sono tomará conta dos acontecimentos. 



O Partido Socialista só não vai de mal a pior porque já não tem qualquer grau qualitativo a que descer mais baixo. A não ser que se transformasse num bando de mal feitores, mas aí deixaria de ser um partido político propriamente dito. 
Hoje soube-se que Edite Estrela pretende retomar o seu lugar no Parlamento. 
Quer dizer que a senhora que ontem foi condenada a cumprir uma pena de prisão – ainda que remível em dinheiro – por abuso de poder, terá um mandato na sede do poder político. 

Lindo! 



Bin Laden voltou a dar um ar do seu ódio em mais uma cassete que a Al-Jazira passou nos seus noticiários. 
Referindo a prisão de Saddam Hussein, exortou à resistência no Iraque e à guerra santa contra os interesses americanos, em particular e ocidentais, em geral. 
Enquanto não for capturado, a guerra mundial que a Al-Qaeda espoletou não terá fim à vista. 

A Humanidade tem um holocausto apontado ao futuro. 


E eu que gostaria tanto que as minhas filhas vivessem num mundo decente e pacífico. 
Pois são estes amorzinhos, são muitos e muitos amorzinhos como estes que poderão fazer valer os valores e os comportamentos de uma civilização de paz e voltada para o desenvolvimento humano. 
É que os filhos, num certo sentido, também são um dos nossos actos de esperança e aí, em conformidade, justificamos o nosso esforço para que essas plantinhas cresçam vigorosas e saudáveis, mas igualmente com as doses de virtude e bom senso e a sabedoria suficiente para que sejam pessoas de carácter e respeitadoras do seu semelhante. 
Tal caminho é longo, penoso e incerto. 
Mas não temos alternativa e nós queremos mesmo deixar o nosso contributo para que entre os homens possa haver harmonia. 



O governo distinguiu personalidades ligadas ao desporto e lá estava o inenarrável presidente do Futebol Clube do Porto. 

Talvez por isso, o nosso primeiro, com ar sorridente e cândido, disse que todos nós sabemos ser o desporto uma escola de liderança. 
Não, isto não é uma gafe, é o resultado de um acto de vassalagem. 
Sempre tinha ouvido falar em escola de virtudes, agora de liderança… 
Deve ser por isso que há tanta promiscuidade entre o mundo da bola e o da política, especialmente ao nível do poder. 

Vivemos num ambiente de fim de regime. 



Na aula de hoje, os alunos aprenderam o número seis a respeito do qual se debruçaram os exercícios do dia. 



Bem e agora está na hora de ler um pouco. 
Voltaremos a conversar amanhã. 


 Alhos Vedros 
  07/01/2004

segunda-feira, 20 de março de 2017

REAL... IRREAL... SURREAL... (247)

Desenho de Pedro Sousa Pereira,
in Ode Triunfal
...
Mas, ah outra vez a raiva mecânica constante! 
Outra vez a obsessão movimentada dos ónibus. 
E outra vez a fúria de estar indo ao mesmo tempo dentro de todos os comboios 
De todas as partes do mundo, 
De estar dizendo adeus de bordo de todos os navios, 
Que a estas horas estão levantando ferro ou afastando-se das docas. 
Ó ferro, ó aço, ó alumínio, ó chapas de ferro ondulado! 
Ó cais, ó portos, ó comboios, ó guindastes, ó rebocadores! 
...
ÁLVARO DE CAMPOS
SELECÇÃO DE ANTÓNIO TAPADINHAS

sexta-feira, 17 de março de 2017

RESILIÊNCIA DE CAIM


Um novo poema a meu amor sempre

o violoncelo ágil, claro e incisivo no teu corpo
o teu ritmo vegetal em finos raios de luz
um íntimo esboço nas ondas
para libertar os tons amarelos
nos trilhos das pernas doces

traço a traço as tuas costas
na delicadeza da música dos
dedos

desenho um cais de chegada

José Gil


quinta-feira, 16 de março de 2017

“Caio Equilibrado E Sem Pânico Algum Nos Abismos Infindáveis Do Contexto Polissilábico”



Caio muitas vezes em poços abismais até ao meio
Abro paraquedas feitos de efémeras nuvens claras
Tento por tudo travar o mais possível e o impossível
Agarro-me com todas as mãos imaginárias às paredes
Quebro a velocidade no entretanto para poder meditar

Finco os pés lateralmente descalços de preconceitos ígneos
Cravo no próprio vácuo a vontade de parar a queda
Bato com a cabeça nua nas várias densidades do ar
Enfio-me em cada nesga de buraco ou de túneis abertos
Falta-me vislumbrar a luz remota oculta lá ao fundo

Em socalcos de proféticas montanhas oiço o que o vento traz
Há tanto barulho contido no silêncio que mal o distingo bem
Bato com o nariz empinado mesmo no centro do solo fértil
Rebenta de seguida uma velha semente ali plantada há muito
Cresce um arbusto carregado de esperança e de menus prontos

Desço aos confins do universo mental para beber um copo de água
Refresco-me com palavras soltas na correnteza de frases liquefeitas
Amontôo silabas em pacotes cheios de tantas outras dissilábicas
Misturo-me com a humidade ambiente de cada sentença curta
Seco a pele com o pó de letras tão antigas quanto o tempo

Deixo que um sem número de serpentes passe pelo meu passado
Apago a imensidão de memórias e ideias à pressa com um apagador
Lavo todas as reminiscências de lembranças com champô multifunções
Múltiplo pelo nada absoluto um amontoado de contas de dividir
Unifico o pensamento de agora como alguns antigos de autoria dúbia

Penso limitar-me às circunstâncias mais ou menos envoltas em questões
Abro a boca para responder a perguntas para as quais há limites nas respostas
Reponho a verdade por de cima de uma pilha de inverdades encobertas
Desligo a luz a uma parte da realidade que mais parece uma mentira pegada
Desapego-me a custo da materialidade pressentida de um pequeno momento

Conecto-me com maior facilidade a uma caixa cheia de surpresas imprecisas
Encaixo-me perfeitamente no resto do jogo jogado por vias intelectuais
Dissimulo regras que nada têm que se pareça com uma sequência lógica
Piso nos quadrados brancos e pretos da vida visualizando uma ponte para cegos
Atravesso o deserto da ignorância em tempestade controlada a velocidade moderada…

Equilibro-me sem esforço e sem sofrimento alguns entre o abstracto e o concreto da ilusão...

Escrito com muita alegria e esperança, por Manuel (D’Angola) De Sousa, em Luanda, Angola, na sessão de lançamento do (importantíssimo compendio/obra de perscrutação) livro “Autores e Escritores de Angola – 1642-2015”, de autoria de Tomas Gavino Coelho (nascido em Angola), na União de Escritores Angolanos, a 3 de Março de 2017. Por tal única, grandiosa e louvável iniciativa. Por tal, sou a Homenagear merecidamente, não só o autor aqui em questão, mas, todos os Angolanos que têm tido a coragem e a vontade em escrever o que lhes vai na Alma e de o compartilhar com todos nós, os Angolano e com todos os outros honrosos Seres Humanos do Mundo…

Este livro em si, é um autentico hino e homenagem aos Criadores Literários Angolanos ou ligados a Angola, desde a primeira edição de que se tem regist(r)o oficial ou conhecimento, às edições mais actuais produzidas em Angola ou por Angolanos.

Viva a Literatura Mundial e todos os impulsos possíveis que possam ser dados por todos nós, tanto leitores como escritores, para que haja liberdade de expressão e produção literária em todo o Mundo Terrestre, pois, só assim, a Humanidade e o Planeta Terra podem-se desenvolver harmoniosamente e em proporção equilibrada e simultânea…

quarta-feira, 15 de março de 2017

Reencarnação

terça-feira, 14 de março de 2017

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

O Presidente da República falou sobre o chamado caso Casa Pia e pediu contenção e bom senso e manifestou profundo desagrado com o episódio da divulgação de cartas anónimas que o implicavam e a outras personalidades em tão sórdida história; deixou a velada ameaça de agir contra os responsáveis pelo acto tão infeliz. 

E uma pessoa decente só pode corar de vergonha. 
E não é preciso sermos nacionalistas para nos enchermos de revolta. 
Gostaríamos tanto de viver num país normal. 

Mas logo pela manhã bateu-se o recorde da desfaçatez. 
O “Jornal de Notícias”, o diário que publicou a tal cartinha, veio a público comunicar que a culpa é do Procurador-Adjunto que a integrou no processo. 
Mais reles é impossível. 


Caricatamente, por abuso de poder, hoje foi condenada a cento e vinte dias de prisão, remíveis em multa, a ex-presidente da câmara de Sintra, Edite Estrela, outra das figuras gradas do guterrismo. 



Em contrapartida, a escola das minhas queridas filhas é uma alegria. 

A Luísa apurou que até Março, às sextas-feiras, no contexto do horário escolar, os alunos da classe da Matilde terão aulas de patinagem na Moita. 
E eu devo reconhecer que o pardalito, afinal, tinha comunicado a informação toda certinha. 

Ora hoje foi dia de reis na escola e houve festarola alusiva com bolos e tudo.
Na aula dos novatos, a manhã foi preenchida com trabalhos manuais próprios da ocasião. Assim, os alunos fizeram a respectiva coroa em cartolina. E a Matoldas lá saiu sorridente com o seu distintivo real na cabeça. 



Trinta e cinco por cento no aumento do preço do pão? 
Já ouvi testemunhos de industriais do ramo dizendo que a subida do preço das farinhas não justifica uma tão grande mexida no preçário daquele produto final. No entanto, há padarias que já cobram por aquela quantia. 

A DECO pede o boicote a esses estabelecimentos e eu digo, muito bem! 



As fotografias de Marte que a “Spirit” está a enviar para a Terra são pura e simplesmente fantásticas. 
Vamos sonhar com o planeta vermelho. 


 Alhos Vedros 
  06/01/2004

segunda-feira, 13 de março de 2017

REAL... IRREAL... SURREAL... (246)

Fernando Pessoa com Abutre, Autor António Tapadinhas 
Tinta da china sobre cartolina rosa, 27,5 x 27,5 Pormenor


A Exposição de “Almada Negreiros: Uma maneira de ser moderno” que está patente na Gulbenkian até 5 de Junho, apresenta cerca de 400 trabalhos, muitos deles inéditos e acontece cerca de um quarto de século depois da última grande mostra dedicada ao artista do modernismo português.

Nela está destacada a presença do cinema e da narrativa gráfica, a que se juntam obras e estudos inéditos, com aquele que assinou "O manifesto anti-Dantas e por extenso".
Fica o convite.


Selecção de António Tappadinhas

sábado, 11 de março de 2017

Poemas com Jazz


Canto Cupido

Na boca que te leva a dizer que me amas
Dorme um desejo profundo, que a mim,
Gesticula mudo um sinal de apocalipse
E a terra treme.

No fim os teus cabelos ascenderam os céus
E toda a casa que partilhamos endividará o senhorio.
Nossa ausência, o perfume que deixas,
O gato que morre de fome, os relógios que eu deixo,
Toda nossa louça bordalo pinheiro que nos une aos dois
E teremos de deixar.

Tu prometias quando dançavas com o olhar
Na direção dos meus olhos,
Fitava-los prometendo e prometendo
E continuando a prometer até a íris que te contorna a alma
Derramar em silêncio sobre as pálpebras a emoção contida
Que te escorria ao longo da face.

Lembras-te disso?
E lembras-te quando ouvíamos a música das galáxias por cima de nós?
Nessa noite em que a lua nos disse que o sol nunca deixaria brilhar.
Pois foi nessa mesma noite que o sol pediu a noite em casamento.
A lua, essa mesma lua que ocultava o sol
Para que eu te dissesse baixinho a palavra "Amo-te".

Na nossa casa brilhavam luzes cintilantes
Mas ficou tudo tão escuro.
Será que apaguei o gás? Lembro lá de tal coisa.
Ou foste tu? Consegues lembrar-te?
Impossível, ainda ontem tomaste um banho quente
Enquanto eu fui comprar um tabaco.

Científicos estudos teus detectaram o buraco negro
Em que oráculos meus pressentiram o apocalipse,
O declínio do nosso império deu-se e a terra tremeu.
O teu corpo flutua agora e o meu caminha
Só a memória nos une em direcção ao sol.

Consigo ver os teus olhos na escuridão
Consigo sentir o odor do teu corpo e as fragancias em te banhavas.
Consigo escrever em pormenor todos teus sonhos
Quando declaravas que Copérnico e Galileu estavam errados
E que o nosso amor era o centro do Universo.

E os dois corações estremeciam de repente quando
O carteiro batia á porta dizendo ser correio
E e nos tranquilizávamos
Porque pensava-mos que nos vinham penhorar os sonhos,
Daquilo que cada um de nós sentia e nunca foi capaz de ao outro.

Pois dentro de nossos peitos havia uma guerra humana
Tremenda, insegura, trágica, sanguinária,
Sim, porque a consciência é como um teatro de guerra
Onde se move a artilharia do corpo fazendo recuar infantaria da alma
E em havendo um cessar fogo final tudo volta ao mesmo,
Deixando desnudas as nações que nos unem,
Os pássaros voltam a cantar, o rio a correr, o sol a brilhar e crianças a nascer.

Tu tinhas em teus frágeis dedos o cristal
Daquele serviço de copos que compramos na Boémia.
Ficavam bem na mesa da sala não achas?
Eu ria-me para ti como uma criança enquanto bebia vinho,
Pegava-te nos dedos finos e do teu olhar reprovador
Nascia um sorriso terno e a seguir chamavas me tonto.

Fomos tudo e nada
Onde o tudo e o nada se juntam para que haja vida.
Ao menos um rasto de vida, alguma coisa que justifique
Que o amor entre duas pessoas é necessário para uma vida completa.

Agora já sei, o destino disse me ao ouvido,
Já me provou, só me resta rir e ser alegre.
Um pássaro voa, o vento levante ergue-se e o sol põe-se,
Retribuo te todos os meus sorrisos, a vida flutua,
E o mundo não dá por nada.

Málaga 2017

P.S.: Para jazz clique no nome do autor

sexta-feira, 10 de março de 2017

Morreu Natália Pais


 Para a nossa  geração e para muitas gerações que se cruzaram e cruzam nas pontes  da multidisciplinaridade da Arte e Educação é um exemplo, uma memória de criatividade Natália Pais do Centro de Arte Infantil da Fundação Calouste Gulbenkian uma das  grandes impulsionadora das Ludotecas em todo o país .Por isso partilho hoje com a Conceição (Conceição de Oliveira Lopes) este testemunho.
A Natália trocou as voltas à vida e aproveitou a luz da lua cheia e viajou para a eternidade. Partilho convosco o testemunho que eu e o Gil escrevemos para o livro que a filha Helena Carqueijeiro preparava para lhe oferecer no dia dos seus 80 anos amigos. 22 de Março.
"Natália Pais - A princesa peregrina das crianças, dos pedagogos artistas, dos artistas pedagogos e dos brincologos “
“A criança quando nasce é artista. O pior é quando cresce” 
Pablo Picasso |
A educação estética é o caminho para o desenvolvimento dessa condição de Ser do Humano”
Conceição Lopes
Testemunhos de homenagem à nossa querida amiga Natália Pais, Jardins suspensos com lago no Centro, peixes transparentes como os dias da educação estética, da arte para crianças e das ludotecas, peregrina, da formação de pedagogos artistas e de artistas pedagogos.
Natália Pais, o seu percurso de vida, na Fundação Calouste Gulbenkian, no Centrinho, assim carinhosamente chamávamos ao Centro Artístico Infantil, e no Serviço de Educação, está de certo modo exposto, no livro “ E a Educação Estética onde fica – conversas sobre arte educação”, editado em 2015 pelo Serviço de Educação da FCG.
Peregrina, menina, fez milhares de quilómetros a compartilhar a palavra e a fazê-la compreender com clareza e simplicidade, na formação de educadores e professores de todos os níveis de ensino, da creche, ao Jardim de Infância, do ensino básico ao secundário e ao universitário. A educação estética é a sua militância experiencial. As crianças, a arte, a ludicidade, a ciência estão de mãos dadas, na singularidade do seu pensar, interagir e intervir. Inovadora, empreendedora com visão de futuro, com empenho, responsabilidade e compromisso, perante si e os outros, a Natália Pais é defensora da cultura quotidiana das pequenas coisas e dos pequenos projetos que ajudou a tornar grandiosos.
"A arte é o casamento do ideal e do real. Fazer arte é um ramo da artesania. Artistas são artesãos, mais próximos dos carpinteiros e dos soldadores do que dos intelectuais e dos acadêmicos, com sua retórica inflacionada e autorreferencial.
A arte usa os sentidos e a eles fala. Funda-se no mundo físico tangível."  
Camille Paglia, Imagens cintilantes” (captado web, 2017-03-04)
Artesã sempre à frente do seu tempo, co-construindo futuros no presente, as equipas são o seu meio natural no trabalho. Estudiosa, apaixonada e apaixonante. Elegância bizarra como a arte contemporânea. Docemente criativa, no coração do encontro permanente da arte -educação que tornou indivisível. A militância em torno do pedagogo/a artista e do artista pedagogo/a não lhe dão descanso. Os seus argumentos são sustentados pelo estudo continuado dos clássicos da educação e da educação pela arte, portugueses e estrangeiros. Autores, muitos e diversos, fazem parte da sua biblioteca e continuam à mesa dos seus olhos, na mesas de casas em que habita. E, a sua casa é o mundo. Habitá-lo é o seu lugar residente, ora itinerante, ora radiante. Esta menina, peregrina, mulher bela, não pára. A vida é para ser vivida até ao tutano, na substância das coisas com calma para ser saboreada, compreendida e, depois, compartilhada. Alma sorridente ao tono das ondas do oceano vibrante. Psicopedagoga brilhante, a dança baila no seu interagir. Investigadora, autora, gestora flexível, curiosa no entendimento dos mundos de vida. Astuta, amiga e flexível, competente, atenta, ninguém lhe fica indiferente. Em tudo o que toca faz multiplicar, qual enzima que propaga, confiança estimulante, alegria, dádiva, discernimento, bases da motivação extrínseca que sabe alimentar, de modo in—visível, a motivação intrínseca que reside dentro daqueles que têm o privilégio de com ela trabalhar. 
A sua vinculação à FCG começa no centro de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian, mais tarde, no Serviço de Educação, tem a seu cargo a assessoria e intervenção nos níveis de educação básica. Foi aqui que peregrinou como um arauto. EU VOU! EU ESTOU! ASSIM EU SOU! Contem comigo, lá estarei!
A ligação a Madalena Perdigão reforça os laços e o desenvolvimento da arte educação, cujo primórdios vinham do Conservatório Nacional com o curso de educadores pela arte, projeto de Madalena Perdigão. O Centro Artístico Infantil da FCG é a grande expressão dessa ligação. Lugar de encontro de crianças, de todas as idades, de artistas, educadores, professores, lugar de formação, intervenção, investigação-ação de afirmação dos binómios que foi estabelecendo, pedagogo-artista e artista-pedagogo. O calendário das ações do Centrinho, nomeadamente, exposições, cursos, oficinas, animações, dinamizações, focalizava.se em temas do quotidiano experiencial: - “As Festas”; “As Flores”; “Cidade Real-Cidade Imaginária”; “A minha Rua”; “Escrever é Comunicar”; “Animais da Quinta”; “Som e Silêncio”; “Aventura nos Jardins da Fundação”; “Semear é Lançar Sonhos à Terra”; “Plantar é Devolver à Terra os Sonhos da Semente”; “Coisas que as Crianças Guardam nos Bolsos”; Olhar Picasso” ; “Dos Sapatos ao Chapéu”; “Jogos e Brincadeiras”; “ O Cortejo do Galo”; “ Trago a Primavera no Bolso e Papagaios no Olhar”; Arte-Ciência e computadores” foram alguns, entre muitos outros eventos do Centrinho, sempre em atividade inclusiva, intergeracional e com forte participação diária.
O Centrinho foi , ao longo dos anos, um lugar feliz, uma referência nacional e internacional. Há uma memória que não esquece e se encontra nos registos do Serviço de Educação e na mente de todos os que tivemos o privilégio de lá nos encontrarmos, fazer parte da equipa, frequentar os cursos, oficinas e, sempre, a presença ativa das crianças. Hoje, algumas dessas crianças, com cerca de 40 anos, ainda falam do que lá viveram, compreenderam e recordam com entusiasmo o que ali se fazia acontecer. Memórias que resistem ao esquecimento.
O Centrinho com a Natália Pais e as suas equipas deixaram rasto e lastro na educação estética em Portugal. A Ludicidade - educação - estética-arte –cultura – tecnologias – ciência, conservação da natureza, numa visão transdisciplinar e interdisciplinar atravessaram os vários projetos, num período em que, ainda, Portugal não respirava de modo natural e generalizado a todas as crianças, estes campos da educação estética.
As ludotecas foram o outro dos empreendimentos da Natália Pais. EU VOU! Em novas peregrinações foi compartilhando os estudos que fazia e recolhia de fóruns internacionais. Peregrinando Portugal de lés a lés, muitas malas de viagem carregadas de livros, brinquedos, jogos, diapositivos, e as suas roupas, elegantíssima se apresenta. Quase sempre de comboio. Numa das viagens à Universidade de Aveiro, ainda em Santa Apolónia roubaram as malas, só demos conta à chegada. – Onde estão as malas? A resposta à situação preocupante foi rir e encontrar solução ao problema a resolver. No dia seguinte fez a conferência e a workshop, como se nada tivesse acontecido. Outras vezes, como nas curvas e contracurvas para Bragança, ia de carro. Onde era preciso a Natália Pais lá estava, em Escolas, Universidades, Associações Populares, Hospitais, Autarquias, Museus. A Natália foi a mentora pioneira das Ludotecas e da sua disseminação em Portugal. Tudo isto são expressões manifestas da pessoa que a Natália é, que optou SER e Existir assim, deste modo, na convivialidade connosco.
A Natália tocou cada um de nós e contribuiu e contribui para o nosso próprio percurso. Pela sua maneira de ver o mundo de forma integradora e positiva; pelo seu entusiasmo contagiante; por projetos inovadores; pela determinação e humor com que defendeu as suas convicções; pelo seu poder de ligar, criar pontes entre pedagogos e artistas, entre ideias, coisas e as pessoas; pela sua capacidade de amar; pela capacidade de excitar, pela sua elegância, exuberante, glamorosa, o seu corpo é o altar dos rituais de celebração quotidiana da vida; pela sua atitude de disponibilidade para vislumbrar o que outros não viam; pela sua alegria; pela sua capacidade brincante e brincalhona; pela sua competência em tudo a que se entrega, sem esquecer a sua atividade como psicóloga clinica que exerceu durante largos anos em consultório, no acompanhamento e orientação de crianças, jovens e famílias, por tudo aquilo que mais poderíamos acrescentar, a Natália é um ser de luz, compartilha todas as suas descobertas. Quem as queira desenvolver ela apoia e acompanha. Os seus olhos grandes atentos a cada pormenor, capta a realidade , acrescenta-lhe a sua compreensão reflexiva, elegantemente questionante e, em conjunto, coloca-se ao serviço do bem comum. Contem Comigo! Eu VOU!
Agora que a Natália vai fazer 80 anos em Linhas soltas, para voltar à memória que não esquece da celebração do 1 de junho, Dia Mundial da Criança em que o Centrinho aberto à Cidade, também se abria aos Jardins e ao Lago da Gulbenkian para receber centenas de crianças de todo o país, e uma mão cheia de artistas de todas as artes e estilos e a Natália não cedia à vulgaridade que hoje domina a criação artística para crianças.
Flor do Tempo e do Templo que é a Natália Pais, sublinhamos que aos 80 anos ela é referência primeira de centenas de Centros de Arte para crianças e de Ludotecas, que nasceram por todo o país a partir das Aulas Públicas que dava, ela e por vezes as suas equipas, de onde destacamos, Arquimedes Silva Santos (psicopedagogia da educação pela arte), João Mota (teatro/drama) Eurico Gonçalves (artes Plásticas), Ana Ferrão (Música) , António Torrado (literatura para crianças) entre tantos outros, pedagogos artistas e artistas pedagogos, cada um a seu modo, sob a visão, dedicação e coordenação da Natália Pais concretizaram a Missão da Fundação Calouste Gulbenkian, de Servir o bem comum apoiando e desenvolvendo a Educação Estética em Portugal.
Princesa Peregrina, reconhecemos em nós, as raízes do teu peregrinar em torno do centro impulsionador da lembrança do que fazes e do que continuarás a fazer. Gratos te ficamos com o coração.
Aveiro, 5 de Março de 2017-03-05
Conceição Lopes | Prof. Associada c/ Agregação da Universidade de Aveiro | Dep. Comunicação e Arte
José Gil | Professor-Adjunto  do Instituto Politécnico de Setúbal – Escola Superior de Educação