Ilust.mo Senhor
J.R.C.C.C.,
Soube por um dos muitos que diariamente chegam a este páramo
onde jornadeio há 126 anos, que um bisneto meu também de nome Francisco Gomes,
não de Amorim e sim do Porto, se deu à extravagância de, ao jeito de Camões,
fazer um concílio dos deuses da literatura em português.
Já não será um jovem, cuido eu, essa vergôntea; e digo cuido
eu, porque com o tempo perdi a noção do tempo, preocupação que, aliás, seria
uma desnecessária perda de tempo.
Cuido, no entanto, que esse meu bisneto não terá nada de
peco; antes possuirá um espírito culto e dado a aventuras requisitando arrojo
de alma e estrambótica fantasia. Não sei a quem ele possa sair assim ainda tão
vivaço! A mim creio que não, pois fui o mais obscuro dos literatos e se me meti
em altas cavalarias foi por força dos tufões da vida, logo à nascença.
Bem procurei, nas folhas noticiosas daqui, esta ou aquela
local que me dessem conta de um tal Encontro de Escritores, em Alcobaça.
Não me espanto que a iniciativa não tivesse tido a
publicação devida. E sabe V. Senhoria por quê?
A imprensa, nomeadamente a de Lisboa, é, raríssimas
excepções, valhacouto de insignificantes, que exploram o ofício por todos os
meios que lhe possam render dinheiro, influência ou qualquer outra coisa útil.
Como todos os meios lhes servem, ninguém honesto os estima, não quer nada com
eles, e afasta-se, deixando-lhes o campo livre.
A maioria compõe-se de asnos e maus; só eles são grandes e
ilustres; fazem-se mutuamente imortais;
e os que vivem fora das suas cortes (?) podem ter talento, produzir bem e
muito, que os jornais não se ocupam deles. A imprensa não serve, geralmente,
senão para os pulhas se celebrarem e aplaudirem uns aos outros, explorando a patifaria
e a decadência dos costumes, sem pudor e sem honra.
Seu ex corde,
Francisco Gomes de Amorim
(desencarnado em 1891)
CC – José Rodrigo C. da Costa Carvalho
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