A
Natália trocou as voltas à vida e aproveitou a luz da lua cheia e viajou para a
eternidade. Partilho convosco o testemunho que eu e o Gil escrevemos para o
livro que a filha Helena Carqueijeiro preparava para lhe oferecer no dia dos
seus 80 anos amigos. 22 de Março.
"Natália
Pais - A princesa peregrina das crianças, dos pedagogos artistas, dos artistas
pedagogos e dos brincologos “
“A criança quando nasce é artista. O pior é quando cresce”
Pablo Picasso |
Pablo Picasso |
A educação estética é o caminho para o desenvolvimento
dessa condição de Ser do Humano”
Conceição Lopes
Conceição Lopes
Testemunhos de homenagem à nossa querida amiga
Natália Pais, Jardins suspensos com lago no Centro, peixes transparentes como
os dias da educação estética, da arte para crianças e das ludotecas, peregrina,
da formação de pedagogos artistas e de artistas pedagogos.
Natália Pais, o seu percurso de vida, na
Fundação Calouste Gulbenkian, no Centrinho, assim carinhosamente chamávamos ao
Centro Artístico Infantil, e no Serviço de Educação, está de certo modo
exposto, no livro “ E a Educação Estética onde fica – conversas sobre arte
educação”, editado em 2015 pelo Serviço de Educação da FCG.
Peregrina,
menina, fez milhares de quilómetros a compartilhar a palavra e a fazê-la
compreender com clareza e simplicidade, na formação de educadores e professores
de todos os níveis de ensino, da creche, ao Jardim de Infância, do ensino
básico ao secundário e ao universitário. A educação estética é a sua militância
experiencial. As crianças, a arte, a ludicidade, a ciência estão de mãos dadas,
na singularidade do seu pensar, interagir e intervir. Inovadora, empreendedora
com visão de futuro, com empenho, responsabilidade e compromisso, perante si e
os outros, a Natália Pais é defensora da cultura quotidiana das pequenas coisas
e dos pequenos projetos que ajudou a tornar grandiosos.
"A
arte é o casamento do ideal e do real. Fazer arte é um ramo da artesania.
Artistas são artesãos, mais próximos dos carpinteiros e dos soldadores do que
dos intelectuais e dos acadêmicos, com sua retórica inflacionada e
autorreferencial.
A
arte usa os sentidos e a eles fala. Funda-se no mundo físico tangível."
Camille Paglia, Imagens
cintilantes” (captado
web, 2017-03-04)
Artesã
sempre à frente do seu tempo, co-construindo futuros no presente, as equipas
são o seu meio natural no trabalho. Estudiosa, apaixonada e apaixonante.
Elegância bizarra como a arte contemporânea. Docemente criativa, no coração do
encontro permanente da arte -educação que tornou indivisível. A militância em
torno do pedagogo/a artista e do artista pedagogo/a não lhe dão descanso. Os
seus argumentos são sustentados pelo estudo continuado dos clássicos da
educação e da educação pela arte, portugueses e estrangeiros. Autores, muitos e
diversos, fazem parte da sua biblioteca e continuam à mesa dos seus olhos, na
mesas de casas em que habita. E, a sua casa é o mundo. Habitá-lo é o seu lugar
residente, ora itinerante, ora radiante. Esta menina, peregrina, mulher bela,
não pára. A vida é para ser vivida até ao tutano, na substância das coisas com
calma para ser saboreada, compreendida e, depois, compartilhada. Alma sorridente
ao tono das ondas do oceano vibrante. Psicopedagoga brilhante, a dança baila no
seu interagir. Investigadora, autora, gestora flexível, curiosa no entendimento
dos mundos de vida. Astuta, amiga e flexível, competente, atenta, ninguém lhe
fica indiferente. Em tudo o que toca faz multiplicar, qual enzima que propaga,
confiança estimulante, alegria, dádiva, discernimento, bases da motivação
extrínseca que sabe alimentar, de modo in—visível, a motivação intrínseca que
reside dentro daqueles que têm o privilégio de com ela trabalhar.
A sua vinculação à FCG começa no centro de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian, mais tarde, no Serviço de Educação, tem a seu cargo a assessoria e intervenção nos níveis de educação básica. Foi aqui que peregrinou como um arauto. EU VOU! EU ESTOU! ASSIM EU SOU! Contem comigo, lá estarei!
A sua vinculação à FCG começa no centro de Ciência da Fundação Calouste Gulbenkian, mais tarde, no Serviço de Educação, tem a seu cargo a assessoria e intervenção nos níveis de educação básica. Foi aqui que peregrinou como um arauto. EU VOU! EU ESTOU! ASSIM EU SOU! Contem comigo, lá estarei!
A
ligação a Madalena Perdigão reforça os laços e o desenvolvimento da arte
educação, cujo primórdios vinham do Conservatório Nacional com o curso de
educadores pela arte, projeto de Madalena Perdigão. O Centro Artístico Infantil
da FCG é a grande expressão dessa ligação. Lugar de encontro de crianças, de
todas as idades, de artistas, educadores, professores, lugar de formação,
intervenção, investigação-ação de afirmação dos binómios que foi estabelecendo,
pedagogo-artista e artista-pedagogo. O calendário das ações do Centrinho,
nomeadamente, exposições, cursos, oficinas, animações, dinamizações,
focalizava.se em temas do quotidiano experiencial: - “As Festas”; “As Flores”;
“Cidade Real-Cidade Imaginária”; “A minha Rua”; “Escrever é Comunicar”;
“Animais da Quinta”; “Som e Silêncio”; “Aventura nos Jardins da Fundação”;
“Semear é Lançar Sonhos à Terra”; “Plantar é Devolver à Terra os Sonhos da
Semente”; “Coisas que as Crianças Guardam nos Bolsos”; Olhar Picasso” ; “Dos
Sapatos ao Chapéu”; “Jogos e Brincadeiras”; “ O Cortejo do Galo”; “ Trago a
Primavera no Bolso e Papagaios no Olhar”; Arte-Ciência e computadores” foram
alguns, entre muitos outros eventos do Centrinho, sempre em atividade inclusiva,
intergeracional e com forte participação diária.
O
Centrinho foi , ao longo dos anos, um lugar feliz, uma referência nacional e
internacional. Há uma memória que não esquece e se encontra nos registos do
Serviço de Educação e na mente de todos os que tivemos o privilégio de lá nos
encontrarmos, fazer parte da equipa, frequentar os cursos, oficinas e, sempre,
a presença ativa das crianças. Hoje, algumas dessas crianças, com cerca de 40
anos, ainda falam do que lá viveram, compreenderam e recordam com entusiasmo o
que ali se fazia acontecer. Memórias que resistem ao esquecimento.
O
Centrinho com a Natália Pais e as suas equipas deixaram rasto e lastro na
educação estética em Portugal. A Ludicidade - educação - estética-arte –cultura
– tecnologias – ciência, conservação da natureza, numa visão transdisciplinar e
interdisciplinar atravessaram os vários projetos, num período em que, ainda,
Portugal não respirava de modo natural e generalizado a todas as crianças,
estes campos da educação estética.
As
ludotecas foram o outro dos empreendimentos da Natália Pais. EU VOU! Em novas
peregrinações foi compartilhando os estudos que fazia e recolhia de fóruns
internacionais. Peregrinando Portugal de lés a lés, muitas malas de viagem
carregadas de livros, brinquedos, jogos, diapositivos, e as suas roupas,
elegantíssima se apresenta. Quase sempre de comboio. Numa das viagens à
Universidade de Aveiro, ainda em Santa Apolónia roubaram as malas, só demos
conta à chegada. – Onde estão as malas? A resposta à situação preocupante foi
rir e encontrar solução ao problema a resolver. No dia seguinte fez a
conferência e a workshop, como se nada tivesse acontecido. Outras vezes, como
nas curvas e contracurvas para Bragança, ia de carro. Onde era preciso a
Natália Pais lá estava, em Escolas, Universidades, Associações Populares,
Hospitais, Autarquias, Museus. A Natália foi a mentora pioneira das Ludotecas e
da sua disseminação em Portugal. Tudo isto são expressões manifestas da pessoa
que a Natália é, que optou SER e Existir assim, deste modo, na convivialidade
connosco.
A
Natália tocou cada um de nós e contribuiu e contribui para o nosso próprio
percurso. Pela sua maneira de ver o mundo de forma integradora e positiva; pelo
seu entusiasmo contagiante; por projetos inovadores; pela determinação e humor
com que defendeu as suas convicções; pelo seu poder de ligar, criar pontes
entre pedagogos e artistas, entre ideias, coisas e as pessoas; pela sua
capacidade de amar; pela capacidade de excitar, pela sua elegância, exuberante,
glamorosa, o seu corpo é o altar dos rituais de celebração quotidiana da vida;
pela sua atitude de disponibilidade para vislumbrar o que outros não viam; pela
sua alegria; pela sua capacidade brincante e brincalhona; pela sua competência
em tudo a que se entrega, sem esquecer a sua atividade como psicóloga clinica
que exerceu durante largos anos em consultório, no acompanhamento e orientação
de crianças, jovens e famílias, por tudo aquilo que mais poderíamos
acrescentar, a Natália é um ser de luz, compartilha todas as suas descobertas.
Quem as queira desenvolver ela apoia e acompanha. Os seus olhos grandes atentos
a cada pormenor, capta a realidade , acrescenta-lhe a sua compreensão
reflexiva, elegantemente questionante e, em conjunto, coloca-se ao serviço do
bem comum. Contem Comigo! Eu VOU!
Agora
que a Natália vai fazer 80 anos em Linhas soltas, para voltar à memória que não
esquece da celebração do 1 de junho, Dia Mundial da Criança em que o Centrinho
aberto à Cidade, também se abria aos Jardins e ao Lago da Gulbenkian para
receber centenas de crianças de todo o país, e uma mão cheia de artistas de
todas as artes e estilos e a Natália não cedia à vulgaridade que hoje domina a
criação artística para crianças.
Flor do
Tempo e do Templo que é a Natália Pais, sublinhamos que aos 80 anos ela é
referência primeira de centenas de Centros de Arte para crianças e de
Ludotecas, que nasceram por todo o país a partir das Aulas Públicas que dava,
ela e por vezes as suas equipas, de onde destacamos, Arquimedes Silva Santos
(psicopedagogia da educação pela arte), João Mota (teatro/drama) Eurico
Gonçalves (artes Plásticas), Ana Ferrão (Música) , António Torrado (literatura
para crianças) entre tantos outros, pedagogos artistas e artistas pedagogos,
cada um a seu modo, sob a visão, dedicação e coordenação da Natália Pais
concretizaram a Missão da Fundação Calouste Gulbenkian, de Servir o bem comum
apoiando e desenvolvendo a Educação Estética em Portugal.
Princesa Peregrina, reconhecemos em nós, as raízes do teu peregrinar em torno
do centro impulsionador da lembrança do que fazes e do que continuarás a fazer.
Gratos te ficamos com o coração.
Aveiro,
5 de Março de 2017-03-05
Conceição Lopes | Prof. Associada c/
Agregação da Universidade de Aveiro | Dep. Comunicação e Arte
José Gil | Professor-Adjunto do Instituto Politécnico de Setúbal – Escola
Superior de Educação
Sem comentários:
Enviar um comentário