quarta-feira, 8 de março de 2017

Encontro de Escritores (2º testemunho)


Foi James Joyce que me sugeriu a busca da epifania das coisas e dos lugares. No sentido filosófico e não propriamente no transcendental mas, de facto, não sou capaz de deixar de imaginar as pessoas que estiveram ligadas a essas coisas e a esses lugares conferindo-lhes a essência que sempre procuro pelo que, mesmo sem um esforço especial, me chego relativamente perto da transcendência sem, contudo, lhe tocar. É claro que não chamo os espíritos sobre uma mesa de pé de galo nem dou a mão a xamãs; limito-me a imaginar as pessoas que por ali andaram e se mais houver, não é para aqui chamado. E com esta imaginação, tudo ganha uma expressão muito especial. Eis a busca do significado que tantos escritores tentam; alguns, em vão. Sugiro a quem me lê que faça esse tipo de exercício mental que, por enquanto, não paga imposto.

Compreende-se, assim, o entusiasmo com que correspondi ao desafio que o Francisco me lançou para testemunhar os seus «encontros» e para eu próprio contar o que nesse âmbito me aprouvesse. Sobre as descrições que o Francisco nos trouxe, posso dizer algo; sobre as descrições dos meus «encontros», outros que opinem.

Transcendências e seus rituais postos de parte ab initio, trouxe-nos o Francisco uma encenação de grande efeito pois foi escolher um local por onde passaram muitas histórias - tantas que será por certo impossível descrevê-las exaustivamente. Mais: esse local foi conhecido de quase todos os escritores (se não mesmo de todos) por ele convidados pelo que, directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, formatou a cultura de todos os invocados. Ou seja, o refeitório dos frades do Mosteiro de Alcobaça sendo, por definição, um marco inultrapassável da nossa Cultura, é cenário natural a todos os invocados que pertencem – uns mais militantemente do que outros - à esfera da lusofonia e não obrigatoriamente à da lusofilia.

Mas o Francisco, elegante como sabemos, foi buscá-los à lusofonia e «deixou para lá» essa questão mais diáfana que é a lusofilia. Eu próprio o fiz nos meus escritos mas, dentre os que foram menos afáveis para connosco, portugueses de Portugal, só invoquei aquelas duas Senhoras que, na aflição, nos procuraram e nos deram tudo o que tinham: a vida1.

A vastíssima cultura do Francisco sobra em relação ao espaço que decidiu conceder aos seus escritos. Poderia continuar, não sei até onde… A sua arte literária permitiu-lhe tecer diálogos interessantíssimos que a todos nos deu asas à imaginação e que, também eles, poderiam continuar por aí além…

A propósito dos diálogos entre escritores que viveram temporalmente tão longe uns dos outros, lembrei-me da Rainha de Sabá e do Rei Salomão2 que talvez nunca se tenham encontrado e que, mesmo assim, conseguiram fazer um filho, o primeiro Imperador da Etiópia. Mas como a fé não se discute, fiquemos assim.

Resta-me uma questão final: como é que uma Cultura tão policromada como a Lusíada em que ainda hoje, neste início do séc. XXI, proliferam hostes de analfabetos, tem conseguido produzir tantos escritores e poetas? E são tantos que nem conseguimos listá-los sem grandes omissões. Ensaio uma resposta bastamente discutível: é muito mais fácil romancear e versejar do que mourejar.
Salvo melhores opiniões.

Grande abraço ao Francisco e que continue…

HS – Henrique Sales da Fonseca
Janeiro de 2017

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