Decerto vão ficar espantados com o potencial deste arbusto.
Miguel Boieiro
Em minha singela opinião, uma das iniciativas mais
importantes que ocorreram em Alcochete nos finais do século XX, foi a mudança
do velório de defuntos da Igreja da Misericórdia e a sequente implantação no
local do Museu de Arte Sacra e do Posto de Turismo. Não foi fácil a tarefa
porque o templo estava a ficar muito arruinado e era necessário encontrar uma
alternativa para o velório. Deve dizer-se que esta última função se dava em
condições bastante deficientes. Por vezes até, se via passar gordas ratazanas
pelo soalho carcomido, enquanto se realizavam os preparativos fúnebres.
Dado
que o edifício, construído nos fins do século XVI, se encontrava classificado
como imóvel de interesse municipal, foi necessário lançar três concursos públicos:
um para o projeto de remodelação, outro para a recuperação das pinturas do
retábulo e outro para as obras de remodelação. Na frente nascente do edifício
abriu-se uma entrada e criou-se o polo de informação turística de que a vila há
muito necessitava. Na parte exterior, para tornar mais atraente o local,
plantou-se uma palmeira Phoenix
canariensis. Mas, se nessa altura ainda não havia a praga do escaravelho
vermelho, subsistia outro flagelo para a arruinar. Tratava-se das marés-vivas
de setembro, cuja ondulação galgava facilmente a muralha e ia encharcar o solo
com água salgada. A palmeira não gostou e morreu. Vai daí lembrei-me de
recomendar que, em sua substituição, se plantasse uma salgadeira. Assim foi, e
um belo arbusto ornamental medrou escorreito no referido espaço. Tenho pena de
que agora já lá não esteja. É que se sucederam as obras para embelezar o local,
culminando com a implantação do panorâmico Passeio do Tejo, por onde dá gosto
deambular, quando não há nortadas.
E aqui chegados, vamos finalmente abordar a Atriplex halimus L que, segundo a
maioria dos botânicos, pertence à família das Chenopodiaceae, e é conhecida popularmente por salgadeira. Trata-se
de um arbusto halófito, é bem de ver, pois suporta a salinidade e pode
sobreviver em zonas inóspitas graças, em parte, ao seu sistema de raízes
profundas. Aguenta mesmo a exposição continuada do vento e suporta temperaturas
negativas. Atinge 2 ou 3 metros de altura e é muito comum nos sapais, muros das
salinas ou arribas marítimas, fora das zonas de imersão. As suas ramagens,
entre o verde esbranquiçado e o cinzento, estabelecem um curioso contraste com
os matizes das outras plantas, enriquecendo a paleta de cores dos jardins
urbanos. As folhas são pequenas, enrugadas e persistentes revestindo variadas
formas. Podem ser ovais, lanceoladas ou elípticas, sendo, todas elas,
pecioladas, ligeiramente grossas, mas muito macias. Os caules, de cor cinzenta,
são muito ramificados e emaranhados. As flores apresentam-se em panículas
compactas com uma curiosa característica, incomum noutras plantas: são
trimonóicas. O mesmo é dizer que, no mesmo indivíduo vegetal, há flores
unissexuais masculinas, unissexuais femininas e bissexuais. A polinização é
anemófila, isto é, proporcionada pelo vento. É o que se chama uma autêntica
versatilidade reprodutiva! Os frutos são aquénios com uma ala membranosa de cor
rosada.
As folhas da salgadeira são ricas em proteína, crómio,
potássio, hidratos de carbono, vitaminas C e D e provitamina A.
Pensa-se que a salgadeira é nativa do norte da África e da
Europa meridional, onde desde tempos remotos, lhe eram conferidas várias
utilidades. Eis, em resumo, uma lista das suas serventias:
- Estabelecimento de sebes para proteger da ventania os terrenos
de cultivo;
- Forragem para animais, dado não conter elementos tóxicos e
possuir boa palatabilidade;
- Proteção contra incêndios em zonas de risco, visto que a
sua salinidade dificulta a combustão;
- Efeitos ornamentais em jardinagem;
- Favorecimento dos ecossistemas mais frágeis pela fácil
produção de biomassa;
- Fabrico de sabões dado que as respetivas cinzas são ricas
em elementos alcalinos;
- Como condimento. As folhas depois de secas e pulverizadas
podem servir para temperar as comidas;
- Na alimentação humana. As folhas podem ser comidas cruas em
saladas. Cozidas, assemelham-se a espinafres, enriquecendo sopas e refogados. Por
sua vez, as sementinhas, que são proteicas, podem juntar-se às farinhas de
panificação;
-Em fitoterapia. A infusão das sumidades floridas combate a
acidez gástrica e reduz as flatulências. Estudos efetuados na Argélia por
especialistas universitários realçam as propriedades antioxidantes da
salgadeira e a sua atividade antidiabética.
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