quinta-feira, 30 de março de 2017

Salgadeira


Decerto vão ficar espantados com o potencial deste arbusto.

Miguel Boieiro


Em minha singela opinião, uma das iniciativas mais importantes que ocorreram em Alcochete nos finais do século XX, foi a mudança do velório de defuntos da Igreja da Misericórdia e a sequente implantação no local do Museu de Arte Sacra e do Posto de Turismo. Não foi fácil a tarefa porque o templo estava a ficar muito arruinado e era necessário encontrar uma alternativa para o velório. Deve dizer-se que esta última função se dava em condições bastante deficientes. Por vezes até, se via passar gordas ratazanas pelo soalho carcomido, enquanto se realizavam os preparativos fúnebres.

Dado que o edifício, construído nos fins do século XVI, se encontrava classificado como imóvel de interesse municipal, foi necessário lançar três concursos públicos: um para o projeto de remodelação, outro para a recuperação das pinturas do retábulo e outro para as obras de remodelação. Na frente nascente do edifício abriu-se uma entrada e criou-se o polo de informação turística de que a vila há muito necessitava. Na parte exterior, para tornar mais atraente o local, plantou-se uma palmeira Phoenix canariensis. Mas, se nessa altura ainda não havia a praga do escaravelho vermelho, subsistia outro flagelo para a arruinar. Tratava-se das marés-vivas de setembro, cuja ondulação galgava facilmente a muralha e ia encharcar o solo com água salgada. A palmeira não gostou e morreu. Vai daí lembrei-me de recomendar que, em sua substituição, se plantasse uma salgadeira. Assim foi, e um belo arbusto ornamental medrou escorreito no referido espaço. Tenho pena de que agora já lá não esteja. É que se sucederam as obras para embelezar o local, culminando com a implantação do panorâmico Passeio do Tejo, por onde dá gosto deambular, quando não há nortadas.

E aqui chegados, vamos finalmente abordar a Atriplex halimus L que, segundo a maioria dos botânicos, pertence à família das Chenopodiaceae, e é conhecida popularmente por salgadeira. Trata-se de um arbusto halófito, é bem de ver, pois suporta a salinidade e pode sobreviver em zonas inóspitas graças, em parte, ao seu sistema de raízes profundas. Aguenta mesmo a exposição continuada do vento e suporta temperaturas negativas. Atinge 2 ou 3 metros de altura e é muito comum nos sapais, muros das salinas ou arribas marítimas, fora das zonas de imersão. As suas ramagens, entre o verde esbranquiçado e o cinzento, estabelecem um curioso contraste com os matizes das outras plantas, enriquecendo a paleta de cores dos jardins urbanos. As folhas são pequenas, enrugadas e persistentes revestindo variadas formas. Podem ser ovais, lanceoladas ou elípticas, sendo, todas elas, pecioladas, ligeiramente grossas, mas muito macias. Os caules, de cor cinzenta, são muito ramificados e emaranhados. As flores apresentam-se em panículas compactas com uma curiosa característica, incomum noutras plantas: são trimonóicas. O mesmo é dizer que, no mesmo indivíduo vegetal, há flores unissexuais masculinas, unissexuais femininas e bissexuais. A polinização é anemófila, isto é, proporcionada pelo vento. É o que se chama uma autêntica versatilidade reprodutiva! Os frutos são aquénios com uma ala membranosa de cor rosada.

As folhas da salgadeira são ricas em proteína, crómio, potássio, hidratos de carbono, vitaminas C e D e provitamina A.
Pensa-se que a salgadeira é nativa do norte da África e da Europa meridional, onde desde tempos remotos, lhe eram conferidas várias utilidades. Eis, em resumo, uma lista das suas serventias:
- Estabelecimento de sebes para proteger da ventania os terrenos de cultivo;
- Forragem para animais, dado não conter elementos tóxicos e possuir boa palatabilidade;
- Proteção contra incêndios em zonas de risco, visto que a sua salinidade dificulta a combustão;
- Efeitos ornamentais em jardinagem;
- Favorecimento dos ecossistemas mais frágeis pela fácil produção de biomassa;
- Fabrico de sabões dado que as respetivas cinzas são ricas em elementos alcalinos;
- Como condimento. As folhas depois de secas e pulverizadas podem servir para temperar as comidas;
- Na alimentação humana. As folhas podem ser comidas cruas em saladas. Cozidas, assemelham-se a espinafres, enriquecendo sopas e refogados. Por sua vez, as sementinhas, que são proteicas, podem juntar-se às farinhas de panificação;
-Em fitoterapia. A infusão das sumidades floridas combate a acidez gástrica e reduz as flatulências. Estudos efetuados na Argélia por especialistas universitários realçam as propriedades antioxidantes da salgadeira e a sua atividade antidiabética.

E pronto! Creio já ser o bastante para despertar a curiosidade de todos os que procuram as plantas para fruírem dos seus benefícios. Quem diria que a humilde salgadeira poderia ser tão útil?

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