sexta-feira, 31 de maio de 2013

Livros d'África








HENRIQUE NOVAIS PESSOA 




Nasceu em Camacupa, Angola, no ano de 1928, filho de um casal de comerciantes local. Aí cresceu e iniciou os estudos primários seguindo depois para o Kuíto (Silva Porto) onde viria a formar-se numa das mais respeitadas profissões do quotidiano colonial: enfermeiro.
Muitas vezes, por força da necessidade e das longas distâncias africanas, aqueles profissionais exorbitavam das suas competências e exerciam medicina como se de médicos se tratassem, ganhando por isso, e para sempre, o respeito das populações mais isoladas (e não só).
Os livros que o meu mais-velho e amigo enfermeiro Novais – como era, e é, conhecido pelas gentes de Camacupa e arredores – foi escrevendo, são relatos vividos e observados dessas experiências nos sítios por onde passou, desde as vilas e cidades até ao mato mais profundo, testemunhando situações que tanto vão do drama à comédia, como das lendas e mitos à realidade, e que nos transportam pelos caminhos da saudade de quem também as viveu.
Da obra “COMBOIO COMAKOVI (*)”, uma Edição de Autor de 1987, extraio alguns pequenos trechos de um episódio, deliciosamente narrado, sobre um acontecimento muito popular nas sanzalas dos arredores das povoações: a rebita, bailarico dos subúrbios.

“(…) A aparelhagem de som estava garantida com assistência própria e de quem sabia renovar música, havendo em troca uma gratificação por noite, além da garantia de refeição. Ofertas de aparelhagem não faltavam, eram uma espécie de orquestras que se contratavam. Estes eram os que sabiam viver à custa dos outros, quase evoluídos, conhecendo toda a espécie de discos. Para garantir a festa, faziam propaganda da música que tinham: discos do Congo, por estarem na moda, “Rumba Escandalosa”, “Majuba”, o “Tango dos Barbudos”, “Mariana Rebita”, e merengues, em especial o “Dona Antónia Candongueira”.

Apagava-se a luz e tudo dançava; no silêncio, os borlistas que não pagam nunca as entradas aproveitavam a ocasião, e os criados de pé descalço, meninos e bêbados não tinham entrada. Assim mandava o Quinda porque não queria makas. Eles não perdiam o ânimo, desarmavam, e fora do recinto aproveitando o som dançavam na mesma, homem com homem ou mesmo homem sozinho, não deixando de curtir a música que mais lhes agradava.

Num compartimento adaptado estava a funcionar o bar, um armário feito de caixotes, chumbado toscamente à parede, com duas gavetas, completamente empenadas, vendo-se uma chávena sem asa e alguns pratos de ferro esmaltado.

(…) As damas, umas muito fininhas e giras, outras com lábios carnudos salientando os lábios, olhos pequenos e astutos, (…) a cintura bem cintada a esconder os papos de celulite e o tecido flácido da barriga, os seios mais ou menos caídos, que se tentam erguer em soutiens pretos sobressaindo da blusa creme, ancas fortes, possivelmente devidas a alguns abortos feitos pela parteira, curiosa, lá do sítio.

(…) Um retardatário que queria arranjar dama à força, estendendo a mão à moça que ia a passar, tentava puxar, desequilibrava-se estatelando-se ao comprido. A dama libertada pelo acidente, dando meia volta resmungava: “Este senhor na vila não me conhece, aqui quer beijinho”. O homem insistindo de novo, recebia outra recusa: “MI LARGA! Seu borlista, merda!!!”.

Ah! A África da minha saudade… Resta-me acrescentar que a última missão deste respeitável cidadão de Alhos Vedros, em prole dos seus semelhantes, foi a bordo do velhinho “Gil Eanes, quando este navio prestava apoio de retaguarda às frotas pesqueiras portuguesas que laboravam pelos mares deste mundo.

(*) Komakovi – lento, ronceiro.


Tomás Lima Coelho

quinta-feira, 30 de maio de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

PÁSSARO EM RAMO DE OLIVEIRA 
 


LUÍS DELGADO

Óleo Sobre Tela 90 x 70
 

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Victor Lopes


Diretor, documentarista e roteirista nascido em Moçambique, radicado no Brasil há mais de 30 anos. Formado em Cinema pela Universidade Federal Fluminense. Seu primeiro trabalho na direção foi em 1987, com o curta Zed. Em 1992, corroteirizou e dirigiu Vênus de fogo, média-metragem de ficção destinado à prevenção da Aids entre prostitutas, premiado no Brasil e na Itália e que integra o acervo do MOMA, de Nova Iorque. Dirigiu a série educativaNoções de coisas, escrita pelo antropólogo Darcy Ribeiro. Em 2003, lançou Bala perdida, curta-metragem de ficção premiado no concurso da RioFilme/Canal Brasil, e ganhador de vinte prêmios em festivais nacionais e internacionais. Seu primeiro longa-metragem foi o documentário Língua – Vidas em português (2004)*, premiado pelo ICAM (Instituto de Cinema, Audiovisual e Multimedia) em Portugal, onde também ganhou o Grande Prêmio da Lusofonia em 2002, encerrando em hors-concours o Festival Internacional de Documentários de Lisboa.Um de seus próximos projetos é o longa de ficção O drible (título provisório), premiado pela IBERMEDIA para desenvolvimento de projeto.

(*)  Língua - Vidas em Português (Victor Lopes, 2004, Brasil/Portugal

"No fundo, não estás a viajar por lugares, mas sim por pessoas"
Mia Couto - Escritor moçambicano

"Não há uma língua portuguesa, há línguas em português"
José Saramago - Escritor português


O documentário "Língua - Vidas em Português", de Victor Lopes, é uma viagem através da língua portuguesa em uma tentativa de percorrer as várias histórias e culturas que ela abrange. Filmado em 6 países (Brasil, Moçambique, Índia, Portugal, França e Japão), o documentário trata a lusofonia sobretudo na fala de personagens diversos de 4 continentes. A questão que permeia o documentário é descobrir o que faz com que esta língua que tantos falamos seja chamada assim, "português", uma só. 

"Todo dia duzentas milhões de pessoas levam suas vidas em português. Fazem negócios e escrevem poemas. Brigam no trânsito, contam piadas e declaram amor. Todo dia a língua portuguesa renasce em bocas brasileiras, moçambicanas, goesas, angolanas, japonesas, cabo-verdianas, portuguesas, guineenses. Novas línguas mestiças, temperadas por melodias de todos os continentes, habitadas por deuses muito mais antigos e que ela acolhe como filhos. Língua da qual povos colonizados se apropriaram e que devolvem agora, reinventada. Língua que novos e velhos imigrantes levam consigo para dizer certas coisas que nas outras não cabe."

O documentário está disponível para download no site: 

Filmografia selecionada:

Diretor
  • Serra Pelada – A lenda da montanha de ouro (2013). Selecionado para o É Tudo Verdade.
  • As aventuras de Agamenon, o repórter (2011)
  • Língua – Vidas em português (2004)
  • Mapa da mina – Estrada de ferro Carajás (2001)
  • Bala perdida (2003). Curta-metragem.
  • Vênus de fogo (1992). Média-metragem.
  • Zed (1987). Curta-metragem.

Roteirista
  • Serra Pelada – A lenda da montanha de ouro (2013). Selecionado para o É Tudo Verdade.
  • Língua – Vidas em português (2004)
  • Mapa da mina – Estrada de ferro Carajás (2001)
  • Vênus de fogo (1992). Direção própria. Média-metragem.
  • Zed (1987). Curta-metragem.

notícia enviada por Margarida Castro



terça-feira, 28 de maio de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



3º. CADERNO

 

Sinceramente não sei se tanto eu como o Manuel estamos a saber lidar com estes novos sinais dos tempos que andam por aí, não propriamente por aqui, nesta santa terrinha que a PIDE e a censura ainda vão mantendo a salvo da refrega das ondas e onde as novidades sempre acabam por chegar com o selo vetusto do que ficou para trás, mas mais lá fora onde a agitação das juventudes se vai misturando na contestação à presença americana no Vietname com a crítica aos costumes que nestes últimos dois séculos se têm consolidado nas sociedades mais abastadas e desenvolvidas do planeta. É claro que sempre houve a irreverência dos mais jovens perante o convencional e o estabelecido, coisa que já Victor Hugo usou enquanto matéria de romance como o atesta “Os Miseráveis” ou o ilustram as personalidades de um Carlos da Maia ou um João da Ega que o nosso Eça tão genialmente inventou. Tenho até para mim que essa será uma das tensões próprias da Humanidade, a oposição entre o velho e o novo, os equilíbrios que se estabelecem entre a defesa de uns face aos avanços do outro e não errarei se defender ser esta uma das molas das mudanças sociais de que resultam novas situações e configuram aquilo que vulgarmente tomamos por progresso. Assim, não será bem isso que me assusta, pois, em princípio, tê-lo-ia como mais ou menos natural. Acontece que eu, na idade que os meus filhos têm agora, ou antes, as pessoas da minha idade e geração, mesmo tendo em conta todos as condicionantes de uma sociedade fechada e provinciana como aquela em que fomos criados e, basicamente, permanece no presente, nós queríamos ser como os nossos pais, apesar de podermos considerar que determinados hábitos nos parecessem ultrapassados, certas maneiras de pensar se nos afigurassem como retrógradas – qual era o mal em acompanhar o Manuel naquelas conversas e animadas discussões da “Brasileira”, ou o de algumas das minhas amigas fumarem como os homens? Porque não poderia eu sair sozinha com o Manuel sem ter a certeza que me haveria de casar com ele? – nós, apesar dessa reacção normal em jovens que pensam e procuram agir pela sua própria cabeça, fundamentalmente, nós queríamos ser como os nossos pais. Sabíamos que pretendíamos vir a ser adultos responsáveis e respeitados, tal qual eles o eram, querendo por isso encontrar uma profissão, um modo de vida e vir a viver como eles, afinal, tinham vivido. Era isso, precisamente, o que se esperava de nós e é o mesmo que nós acabamos por esperar dos nossos filhos. Ora é ai que as realidades se chocam e começa a minha incerteza quanto ao estarmos a agir bem, especialmente em relação ao Carlos Manuel, uma vez que o mais velho, pese embora todo o folclore em que imita os padrões berrantes da moda, a nova vaga, como eles dizem, acabou de entrar em medicina e dá mostras de querer vir a seguir as pegadas do avô e enveredar por uma carreira de médico e, como desde muito novinho tem mantido esse objectivo e lutado obstinadamente por ele, tendo sido sempre um excelente aluno, com isso certamente acabará por repetir o decurso que a vida deve ter. O irmão é diferente. Eu reconheço que no caso da nossa sociedade se junta ainda o impacto do espectro da guerra que não dá mostras de ter fim à vista, muito pelo contrário, Portugal vai ficando cada vez mais isolado e os movimentos que lutam pelas independências vão recebendo, por seu turno, mais e mais apoios sem que por isso haja qualquer indício de que podem vencer militarmente o conflito e que isso, em conjunto com as novas ideias de liberdade de comportamentos e atitudes, ainda mais num país em que rapidamente os jovens com a educação dos nossos, se apercebem de ser um campo árido para tais experimentalismos, seja gerador de uma angústia que a falta de perspectivas faça explodir em revolta mais ou menos explícita e acentuada. E também não é o facto de o rapaz ter decidido deixar crescer o cabelo e as barbichas que lhe vão despontando por entre o acne, nem mesmo as roupas mais descuidadas que lhe agrada vestir, nada disso é aquilo que me assusta e perturba. Lá está a antiquíssima tensão entre o velho e o novo que nada teria de pouco habitual. Ainda que eu não o entenda muito bem e, portanto, sem que saiba porquê, algo aconteceu para que um grupo de rapazes ingleses tenha ganho uma notoriedade no campo da música ligeira que os catapultou para o primeiro plano das atenções e das vendas a nível mundial. A maior parte do que fazem os outros conjuntos do género que se lhes seguiram e os imitaram, pura e simplesmente não me agrada. Ouvido com atenção, quanto a mim, para não dizer todos, na larga maioria dos casos, tudo se resume a gritos e barulheira em que mal se distinguem as notas. Mas devo confessar que desses “Beatles” há temas que me agradam, muito melodiosos e cheios de imaginação. Há algumas canções, se assim as posso apelidar, um tanto esquisitas e que custam ou pelo menos a mim custam a entrar no ouvido, mas mesmo algumas dessas acabei por gostar de ouvir. Mas atrás das músicas veio o conteúdo das letras que expressam novos desejos, novas vontades de afirmação e com isso as ideias críticas em relação às sociedades e à maneira de viver que temos. Ele há ideias simplesmente abjectas, como essa de uma mulher poder ter vários homens e um homem partilhar várias mulheres, coisa que sabemos ser prática em muitos mundos atrasados, em todo o caso, naqueles novos discursos, mais por motivos de liberdade individual que por hábitos tradicionais que até consagram a dependência e a subalternidade feminina entre esses grupos sociais. Mas o que mais me inquieta é a recusa que manifestam relativamente às culturas em que vivemos, é a oratória que proclama a destruição dos moldes em que estabelecemos as nossas vidas, é isso o que mais me atemoriza e é com isso que eu não estou mesmo nada certa de saber estar a lidar no que ao Carlos Manuel confere. Aqui neste pequeno paraíso, seria de esperar que a morte do filho do Palma, em Moçambique, a morte estúpida e absurda de um rapaz cheio de vida e um futuro do tamanho da vontade e da força em pleno que tinha, se misturasse com os receios de enfrentar a guerra que pairam na mente dos outros nossos rapazes. Contudo, no meu filho mais novo isso funcionou como uma lente de aumento da contestação que lhe tenho vindo a ouvir fazer relativamente ao porquê de ter que viver com horários e obrigações quando o viver é tão simples como apenas viver todos os dias, com os correspondentes reflexos nos objectivos que necessariamente se vão traçando para atingir um caminho próprio na vida que, naquilo que ele defende, tendo por encravado na distância a guerra, nem mesmo tem que ser planeada, pois tudo pode acabar repentina e abruptamente, como o que sucedeu ao César bem o deixou claro. Por vezes discutimos, mas a impressão que me fica é a do desperdício de tempo e que isso tão só tem contribuído para lhe acicatar mais a raiva e, como é fácil de perceber, não o poderíamos proibir de pensar assim. Mas fica-me a dúvida e essa incerteza martiriza-me, dilacera-me, pois ficaria triste se, por qualquer motivo, aquele meu filho não procurasse viver como pessoa de bem. O senhor Abel diz-me que não temos grandes motivos de preocupação, alegando que tudo o que nós poderíamos ter feito já o fizemos que foi colocar-lhe as sementes de um bom carácter que, tal como afiança, no fundo ele tem. E tenho que reconhecer o quão pacificante foi ouvir-lhe a sabedoria dita em palavras simples que, por muitas voltas que demos na vida, por muitos maus caminhos que até possamos vir a trilhar, aquelas marcas mais profundas virão um dia sempre ao de cima, pois são aquelas que, por estarem tão no centro do que somos, nunca sofrem qualquer alteração. “-E essas, meus queridos amigos…” –Foi assim que ele concluiu, fomos nós capazes de lhe introduzir bem no íntimo. “-Vocês têm ali um excelente filho e uma excelente pessoa.” –Rematou.
Mas fica a perplexidade e a perturbação. O que será o mundo dos nossos netos?

segunda-feira, 27 de maio de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (30)


                               Cafetaria Automática, Edward Hopper, 1927

                                             Óleo sobre Tela, 72,4x91,4cm
Amar
Amar de verdade, muitas vezes significa deixar o ser amado ir...voar... se assim ele é feliz...
Não aprisionar, talvez seja o maior dos desafios de amar...
Livre como um cavalo selvagem.
Leve como uma borboleta.
Ligeiro como um beija-flor.
Assim é o amor... Não tente aprisioná-lo, classificá-lo. Nada de catalogá-lo. Não lhe pregue etiquetas, rótulos, códigos de barra, nem data de vencimentos. Não tente armazenar....é a morte do amor...
Ele é volátil, e quando menos voce esperar,
perceberá que nada mais resta em seus "containers"...
O amor é como espirais de fumaça, gotículas de água, a melodia de uma música, a
beleza de uma orquídea...a fragilidade de uma libélula...
Admirar seu voo livre, seu colorido, seu alarido...
Ouvir seu canto, embriagar-se com seus encantos, chorar com seu pranto...
Mas jamais tentar prendê-lo,carimbá-lo, acorrentá-lo;
Engarrafar, represar, estancar, segurar... Jamais!
Amor é liberdade, é infinito, é intocável e admirável...
Amor é sonho, amor é ilusão, amor é emoção...
Amor é para sentir...aspirar, ouvir, sonhar, admirar...
Sorver, em doses mínimas, em pequeninas taças de fino cristal...
A efemeridade do amor é que o torna tão grandioso...
Deixo-o livre, e verá um desabrochar explendoroso... Um brilho esfuziante...
Deixe-o livre...E terá um espetáculo para apreciar, aplaudir, gritar "bravo"!
Aprisione o amor, e terás um funeral...
Portanto, dê-lhe belas asas...
Ensine-o a voar.. ajude-o...
Há que se bastar com isso...!

Alice Freitas


O MEU DESACORDO

Não posso estar mais em desacordo contigo, menina!

Amar de verdade, nunca significa deixar o ser amado voar sozinho...

Se quer ser um cavalo selvagem, carrega você no lombo...

Quer ser beija-flor, então você é a flor...

Não o prende, mas põe um freio para o poder conduzir...

Se é volátil, gotículas de água, então tem de condensá-lo, como fazem as plantas com o orvalho da manhã...

Se ele quiser voar, não lhe corte as asas: voe com ele...

António Tapadinhas

domingo, 26 de maio de 2013


RETRATOS – VI


Os retratos registam instantes para a posteridade.
Naturalmente que uns mais marcantes, outros mais irrelevantes. 
É por isso que quando visitamos aqueles álbuns antigos ainda nos surpreendemos, e emocionamos, com alguns registos que comprovam e nos elucidam sobre a passagem do tempo.

Para além dos retratos em papel, há o registo que guardamos na nossa memória fotográfica e que catalogamos em “pastas” a que chamamos de lembranças.
Por isso a capacidade de nos lembrarmos é tão importante no ser o que somos.

Vem isto a propósito do facto de que hoje, uma dessas pastas de lembranças que trazemos sempre connosco pois que moram em nós, se ter aberto por sua exclusiva vontade revelando-se com toda a naturalidade. A naturalidade era tanta, instalou-se com tanto desafogo, que percebi logo que não tinha pressa de partir, facto que se veio a confirmar.
Tem andado todo o dia comigo e, de vez em quando, sorri-me.
É agradável e não me importo nada com isso, caso contrário nem estaria a falar disso, não é verdade?!


Manuel João Croca



sábado, 25 de maio de 2013

Os caminhos do espírito



A Mística Selvagem

A mística pode ser anti-espiritualista.
Uma mística dos sentidos valorizará mais as realidades mundanas do que a procura de uma experiência religiosa. Neste sentido, a experiência puramente estética (beleza, música, pintura…) será preferível ao sentimento religioso.
Uma mística profana, uma santidade sem Deus.
Pode-se procurar exclusivamente a própria vida, sem imanência nem transcendência.
Tudo se pode reduzir a uma gargalhada cósmica. Na experiência mística o essencial é indizível, inefável. Não é possível lá chegar por palavras. “A rosa é sem porquê…”
A habitual escala crescente da consciência humana – sentir, emoção, desejo, memória, razão, intuição, espírito – carece de sentido.
O Amor Místico precisa doutro tipo de expressão que exceda a linguagem – a embriaguez dos sentidos, a poesia… o vinho invisível, a embriaguez mística como um estado diferenciado de consciência. Um descentramento do indivíduo que, todavia, se faz em direção ao centro de si mesmo.
Na experiência do Amor há uma suspensão do juízo, não há separação, não há dualidade. Raciocinar, pensar, implica sempre estabelecer um limite.
"Cala-te!" Pode-se compreender, mas não se pode expressar.
Ou, como diria Santo Agostinho: “Ama e faz o que quiseres.”

Carlos Rodrigues

FIM

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Convite



Em vida passada, o que fui,
Sou-o ainda mais intenso.
Os astros deram intensidade
À minha alma, a terra gira
E o amor determina
A beleza saudável da humanidade.

Hoje, procuro se não mais
A fuga  do passado e futuro
Encaixando-os onde me quedo,
Beber na minha alma a eternidade,
Cuspindo em chão defunto
Onde passeia realidade.

...................................................

Sou um passaporte para
O mundo senível por onde habito.
Venham visitá-lo, venham
Venham ver a minha verdadeira casa
Quem quer vir a minha casa????
Quem quer vir brincar comigo????

..................................................

Ao ouvir a bela canção
Medito a cada nota infinita
Pelo coração que a ouve,
Trasmitindo para ele indefinida
A ilusão em que a breve razão medita.

E o aguaceiro que atravesso, ai...
Transbordando chuva pelas pestanas dos umbrais
À boca de cena de um teatro em ruínas,
Em que dois actores tontos de lágrimas e outras emoções,
Abrem por fim o pano de um espectáculo em espiral,
Levantando ilusório o cume do céu.

Olhando bem, já se vêm por trás da lua ternamente sorrindo.




                                                                      Diogo Correia


quinta-feira, 23 de maio de 2013

D'ARTE - CONVERSAS NA GALERIA (2ª. SÉRIE)

ATÉ AO SILÊNCIO



CELESTE BEIRÃO

Acrílico sobre tela 150 x 220

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Dois Músicos... e Um Versículo







Um retrato é uma invenção…
maravilhosa.
Depende da regulação
da velocidade do disparo
da abertura do diafragma.
Luz e sombra,
impressão de Luz.



Fotografia de
Lucas Rosa


terça-feira, 21 de maio de 2013

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA





FOLHAS SOLTAS


Grande é o homem que tem a ousadia de plantar árvores e a humildade de saber esperar pelos proventos que a geração seguinte terá por seus, pois, quando plantamos um sobreiral, quando na terra deitamos as sementes de um pinhal, sabemos que só mais tarde poderemos apurar se os frutos que colhemos valeram a pena o esforço e a paciência. É o melhor paralelo que posso encontrar com esse outro arvoredo que são os filhos que legamos ao mundo. Também aí se trata de semearmos para colhermos mais tarde e igualmente de sabermos ir tratando, com todo o cuidado e carinho de que sejamos capazes e ter a visão de esperar que todo o trabalho que fizemos resulte num mundo que aos mundos acrescente algo de bom. E é justamente isso que hoje nos dizem os filhos que temos, já crescidos, uns ainda cobertos pela penugem que por ora os mantém no ninho, outros dando caminho às asas que batem segundo a sua própria vontade. Agora podemos olhar para trás e dizer que criámos bem os nossos rapazes e raparigas, fomos suficientemente inteligentes para reunirmos sólidas condições para lhes proporcionarmos um crescimento com a liberdade bastante para se irem afirmando por si e a responsabilidade necessária para darem conta das exigências a quem se vai preparando para vir a ser alguém e acima de tudo com a preocupação de considerar e respeitar valores de paz e sã convivência com o próximo e obviamente o de procurar ganhar a vida de forma honesta. Ora é esse o balanço que todos estes anos passados nos possibilitam neste momento e isso ainda acende mais a revolta que sentimos por enterrar os restos mortais de um desses que uma emboscada no Norte de Moçambique ceifou. O César, o filho do Francisco Palma e da Lisete que pareciam dois farrapos atirados ao chão na sombra do pinheiro manso onde a sua lápide faz agora companhia às duas que lá estavam, entre elas a da minha querida mãe de quem guardo tantas saudades. Na flor da idade, assim foram repentinamente apagados os sonhos de um rapaz inteligente e valoroso que preferiu o trabalho com os animais aos estudos e que ia escrevendo dos planos que tinha para mecanizar ordenhas e reconfigurar produções quando aqui voltasse e pudesse finalmente casar-se com a Sarinha, uma das filhas do Gustavo e da Viviana que entrou num estado de depressão que ainda mais adensa a raiva que experimentamos pela inutilidade daquela morte. Criamos nós um filho com tanto amor para que a demência de um regime caduco e retrógrado o atire para uma guerra que não tem qualquer sentido e que estadistas mais sensatos e providos de capacidade para verem longe teriam evitado e isto sem esquecer que há direitos portugueses sobre aqueles territórios e há toda uma população portuguesa cujos interesses naquelas terras têm que ser naturalmente defendidos. Mas Salazar é um velho tacanho que age como se estivéssemos no século dezasseis e o único direito que valesse fosse o da força bruta de cravar e defender um padrão a dizer que isto é nosso, como poderia ter a presença de espírito e a coragem de negociar com os nacionalistas uma transição de poderes que ao mesmo tempo que fosse passando para os naturais os mecanismos e as responsabilidades da organização da sociedade e das decisões políticas, desse espaço para quem quisesse recomeçar a vida num regresso à pátria ou fora dela, mas longe dos futuros novos países, o pudesse fazer, tal como a quem se quisesse integrar na realidade emergente e provavelmente será a maioria dos colonos brancos, igualmente dispor da oportunidade de o consumar. Só que esta canalha não vê que a história passou e eles estão do lado que ficou com as eras pretéritas e com a agravante de teimarem na posição de dar combate puro e simples a reivindicações a que não temos como negar a legitimidade, só irá produzir mais lágrimas e sofrimento e quantos como o César serão precisos para que se volte atrás? Tenho para mim que estamos perante um problema que é o de saber se haveremos ou não deixar que os nossos filhos sirvam de carne para canhão, logo agora que, entre eles e elas, são vários os que já trabalham connosco e outros tantos, aqueles que tendo prosseguido os estudos, apenas adiaram a data em que serão chamados para esse jogo medonho de brincar com a vida e a morte. E como é bom vê-los cheios de energia e entusiasmo, com à vontade dando opiniões aos mais velhos e propondo melhorismos que estes não alcançaram e continuam sem alcançar. Deve ter sido por isso que o filho do Quico, o Luís Carlos, quis casar antecipadamente com a Rosarinho, uma moça da Vila, filha do notário e, sem se fazerem esperar, trataram de dar o primeiro netinho daqueles que eram jovens, como eles o são, quando aqui chegámos. É a morte e a vida, o sofrimento e a alegria, a tristeza e a felicidade de que se faz, afinal, esta vida. Contudo, revolta vermos enterrar prematuramente pedaços de futuro e ainda mais quando a dor se emudece na impossibilidade de não calarmos a raiva e a vontade que temos de gritar bem alto que esta guerra a lado nenhum levará, a não ser à tristeza e ao maior e mais intenso dos padecimentos, para todos, os de lá e os de cá, sem outro retorno que não sejam as lágrimas irreversíveis da saudade que os que partirem deixarão.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (29)

            "The Jungle", Wifredo Lam, 1942-44,   240 x 228 cm. Museum of Modern Art, NY

A RECEPÇÃO AOS CONVIDADOS
A cerimónia estava marcada para as 5 da tarde, na Igreja Matriz. Os convidados começariam a chegar por volta das 2, mais coisa menos coisa.
Arranjou-se o jardim, dispuseram-se mesas e cadeiras, e um amigo de longa data, recém chegado da Martinica, veio preparar os cocktails. E ficou também, claro, porque também ele estava convidado.
Às 5 e meia ainda os convidados deambulavam pelo jardim, soltando esfuziantes gargalhadas, sem saber bem porquê, enquanto os saltos altos das senhoras se enterravam na relva viçosa do jardim! E (é claro!) que não se conseguiu a tradicional fotografia de grupo porque ninguém respondia às ordens do fotógrafo, que acabou por desistir…
Finalmente lá se partiu rumo à Igreja, onde o noivo já desesperava pela chegada da noiva. E as vizinhas daquela rua de 3 casas foram convidadas a beber uns cocktais e fazer companhia à empregada, que ficou a tentar pôr alguma ordem na desarrumação que ficou para trás!
No dia seguinte, eram 9 horas da manhã, já a sineta tocava – era uma das vizinhas, que queria ser a primeira a contar o sucedido. Ninguém sabia ao certo como tal tinha acontecido, mas tinham apanhado as três uma valente bebedeira – rebolaram na relva com as saias pelo pescoço e os maridos tiveram que as vir buscar, obrigando-as a dormir na rua, porque mulheres daquela idade e já avós não podem fazer figuras tão tristes… ‘Oh vizinha, mas que bebida era aquela que sabia a sumo e fez a gente ficar malucas?’, dizia uma, ‘Nunca me tinha acontecido uma coisa destas!’, dizia outra, ‘Em tantos anos foi a primeira bebedeira que apanhei!!’, queixava-se a terceira.
Boa pergunta… só sei que o Rum veio da Martinica… e que quando há mais movimento na rua das 3 casas as vizinhas assomam logo ao portão a perguntar: ‘Vizinha, hoje há festa?’ – e quando há, estão sempre convidadas!

domingo, 19 de maio de 2013



***

Os artistas, os escritores, dizem-nos segredos profundos
sobre quem somos.

*


Cartaz de Carlos Baptista (com M. J. Croca) 
a partir de fotografia de Edgar Cantante

Terminam hoje, domingo, com a apresentação – a cargo de Maria Dores Nascimento - do novo livro do nosso conterrâneo e Amigo Luís Filipe de Almeida Gomes, “Histórias da Margem Sul”, seguido de uma performance poética a cargo do Amigo António Tapadinhas os “Encontros de Primavera – 2013”, conjunto de iniciativas que pretendeu constituir-se como um espaço de reflexão colectiva e individual sobre a natureza, o propósito e o papel da(s) Arte(s) no arquitectar das sociedades.
O evento organizou-se em torno das ARTES PLÁSTICAS/PINTURA, do CINEMA, da MÚSICA e da LITERATURA.
Na primeira variante revelaram-se, através de exposição, os últimos trabalhos de PINTURA de dois artistas locais na geografia, já que no olhar se revelam bem mais universalistas, desde logo pelos universos revelados/partilhados. 


Pintura de Luís Delgado

No caso de Luís Delgado, e a partir de uma frase do celebrado impressionista francês Claude Monet “Gostaria de pintar como o pássaro canta.”, vem elaborando um caderno de esquissos (também patente na exposição) em que, privilegiando a técnica da colagem, realiza um conjunto de estudos que depois plasma na tela em óleos de grande beleza. 

Já em Celeste Beirão, somos convidados a penetrar no ambiente mágico e instigante das florestas, reinos de cor e sombras onde acedemos por trilhos que a artista criou para nós, tornando possível ao olhar, e restantes sentidos, o deslumbramento e o êxtase. Há quem garanta que se conseguem escutar os tambores e vislumbrar clarões de fogueira que arde numa clareira.



Pintura de Celeste Beirão


Para além destas exposições de pintura, realizou-se uma conferência subordinada ao tema “O Panorama Geral das ARTES PLÁSTICAS nos Séculos XX e XXI” proferida por Maribel Sobreira e Fabrícia Valente, arquitectas de formação e mediadoras culturais do CCB e Museu Berardo, muito enriquecedora e que premiou o tempo que lhe dispensámos.
Na área da MÚSICA privilegiou-se desta vez o Jazz. A sua comemoração fez-se a dois tempos. Primeiro, durante a tarde, através de uma conferência proferida por Iuri Gaspar, virtuoso pianista e professor na Escola de Jazz no Barreiro que nos falou das “Origens do Jazz, as Principais Correntes surgidas nos Últimos Cem Anos e os Intérpretes Mais Relevantes” e, confesso, muito nos foi revelado. À noite, fomos brindados com um magnífico concerto, responsabilidade de um sexteto da Escola de Jazz do Barreiro. A sala estava cheia, vibrante e tivemos de apelar à solidariedade do funcionário da C.M da Moita de serviço, para nos permitir prolongar a noite para além do horário inicialmente previsto.
O CINEMA marcou presença por via da projecção do filme de Phillipe Loiret, “Welcome”, que aborda problemáticas tão actuais como a emigração, a interculturalidade, a xenofobia,… Enfim, a relação com o “Outro” que nos permite completarmo-nos ou empequenecermo-nos. A escolha cabe a cada um.
A LITERATURA teve presença destacada. Com a apresentação do novo romance do escritor timorense Luís Cardoso – “O Ano em que Pigafetta Completou a Circum-Navegação” –, numa edição da Sextante Editora. A apresentação da obra esteve a cargo do seu editor e nosso amigo João Rodrigues. Seguiu-se um debate subordinado ao tema “Qual o Papel e Que Literatura Numa Sociedade em Crise” que contou com a presença, para além dos atrás referidos, de Sousa Pereira, Director do Jornal Regional “Rostos”.
O evento foi bastante proveitoso e, às muitas pessoas que nele participaram, decerto permitiu “ LIBERTAR O OLHAR, DESCOBRIR O SENTIR, CONSTRUIR A PALAVRA” , afinal o lema dos Encontros.
Quem não teve oportunidade de participar e gostaria, não desespere. Arranje um pouco de paciência e aguarde, porque, para o ano, provavelmente, terá oportunidade de participar nos “ENCONTROS DE OUTONO – 2014”. Assim a CACAV que organiza a iniciativa, tenha o propósito, a arte, o engenho e a energia para os concretizar.

 Manuel João Croca

sábado, 18 de maio de 2013

Exercício de Revolução Silenciosa


Senta-te com a coluna bem direita, numa cadeira ou numa almofada, com as pernas cruzadas. Abandona todas as preocupações com o passado, o futuro e o presente. Inspira e expira três vezes profundamente. 

Concentra-te no centro do peito, no coração da energia subtil e profunda, sentindo e se possível visualizando que há aí uma pequena chama luminosa, como a chama de uma vela ou um pequeno sol, que é a tua natureza profunda. Ela está viva e é ela que em ti respira em cada inspiração e expiração. Ao inspirares sente então que essa chama absorve em si, por compaixão, toda a negatividade, doenças e problemas que possam existir em ti, conhecidos ou desconhecidos, sob a forma de um fumo cinzento que, ao tocar a luz do coração, nela imediatamente se dissolve e transmuta, aumentando o seu brilho, intensidade e calor. Repousa então com a respiração suspensa com os pulmões cheios durante uns momentos, sentindo a intensificação da luz e do calor. Expira então, sentindo e vendo que do coração essa luz e esse calor irradiam, por amor, impregnando-te totalmente e levando-te tudo o que há de melhor e mais benéfico e mais necessitas: saúde, paz, alegria, felicidade, sabedoria e amor por ti e pelos outros. Repousa então de novo com a respiração suspensa com os pulmões vazios durante uns momentos, sentindo a plenitude desta experiência. Prossegue inspirando e expirando assim até que todo o teu corpo e todo o teu ser transpareçam e irradiem luz, calor e felicidade.

É então o momento de convidares para diante de ti os seres que te forem mais queridos, que amas mais incondicionalmente, esperando menos algo em troca. Sente-os e se possível visualiza-os claramente à tua frente. Sente e visualiza que a luz no teu coração inspira e transforma igualmente em si, por compaixão, tudo o que possa haver nesses seres, tal como em ti, de menos positivo, repousa uns momentos suspendendo a respiração nesse calor e luz e depois irradia-os ao expirar levando a eles e a ti, por amor, tudo o que houver de melhor, mais benéfico e necessário, fazendo como antes, até que tu e eles se tornem igualmente transparentes, luminosos e irradiantes de saúde, paz e felicidade.
 

Prossegue assim, abrindo cada vez mais a mente e o coração e expandindo o círculo da prática, convidando para diante de ti, por esta ordem - e vendo-os sempre a sair do teu coração e do coração dos teus entes queridos, de vós inseparáveis - , os teus amigos, aqueles que te são indiferentes, aqueles de quem não gostas e por quem tens aversão, adversários ou inimigos, os seres que vivem na mesma casa, edifício e quarteirão que tu, na mesma cidade ou localidade, no mesmo país, no planeta e no universo, humanos e não-humanos, visíveis e invisíveis, pensem, digam e façam o que pensarem, disserem e fizerem. Sente que ao inspirar e transformar a negatividade de cada vez mais seres a compaixão aumenta, que ao oferecer a luz a mais seres o amor aumenta, bem como a alegria e a imparcialidade, sentindo o mesmo por todos, sem exclusões nem preferências.
 

À medida que a luz em ti incluir mais seres sente o aumento do poder, benefício e alegria da experiência, sentindo que o aumento da luz a partir do coração, ou seja, da sabedoria, amor, compaixão, alegria e imparcialidade, é a progressiva manifestação da tua e nossa natureza profunda, comum a todos os seres, e que a dissolução do apego a alguns, bem como da indiferença e da aversão pelos outros, é a dissolução do teu e nosso ser egocêntrico e fictício, com toda a sua estreiteza, juízos e preconceitos. Aprecia o privilégio de poderes fazer isto, dissolvendo os medos, conceitos, emoções, muros, frieza e raivas que te oprimem e limitam.

À medida que a luz em ti inspira e expira tu e todos os seres convertem-se na própria luz. No final nada és senão luz que inspira tudo o que houver a inspirar em todos os seres em tudo o universo, o transforma em si e o expira oferecendo-se igualmente com todo o bem a tudo e a todos, sem qualquer excepção ou discriminação. Numa expiração deixa que essa luz tudo dissolva em si mesma, incluindo tudo o que imaginas ser e existir, e repousa tanto quanto quiseres nesta experiência, sem pensar, dizer ou fazer nada.
 

Afinal nada és e nada há senão o que desde sempre nós e todos os seres verdadeiramente somos: luz sábia, amorosa e compassiva, livre de todos estes conceitos.
 

Façamos isto no mínimo uma vez por dia, de preferência de manhã, recordemos ao longo do dia que o fizemos por todos os seres que virmos, ouvirmos ou em que pensarmos, e o mundo será inevitável e irreversivelmente outro, sem ruído, conflitos, vencedores ou vencidos.

Boa prática!

Paulo Borges
27/4/2013


sexta-feira, 17 de maio de 2013

Livros d'África




                                                          

VICTORIA BRITTAIN  

Nesta demanda de livros cujo tema central é África, com predominância de Angola, não devemos, na minha opinião, cingir-nos apenas aos autores angolanos ou lusófonos. Podemos (devemos) manter o espírito aberto a todas as opiniões, estilos e formas de escrever. O que verdadeiramente nos (me) interessa nestas abordagens é África, Angola. Vem este pequeno preâmbulo para trazer a esta partilha uma obra muito interessante cuja autora é uma jornalista ao serviço do “The Guardian”, respeitável jornal britânico especializado em questões africanas e do terceiro mundo.

O livro intitula-se “MORTE DA DIGNIDADE – A GUERRA CIVIL EM ANGOLA” com prefácio do escritor angolano Pepetela. Foi editado pelas “Publicações D. Quixote” em 1998.
Sobre a jornalista/escritora e sobre o seu trabalho Pepetela, prefaciando, diz o seguinte: “Victoria Brittain, durante as numerosas vezes que esteve em trabalho de reportagem, visitou a maior parte de Angola, falando com pessoas de todos os extractos de população, não se contentando com entrevistar meia dúzia de responsáveis dos vários lados em acção, como muitos fazem. Foi procurar o povo humilde e trabalhador, o que nunca é achado para nada, foi ouvir os relatos confrangedores dos deslocados de guerra, gravou os murmúrios dos mutilados, por minas ou bombas, procurou os órfãos, foi saber dos doentes e feridos nos hospitais. Teve assim a percepção da maneira como as pessoas iam sofrendo e perdendo a esperança, frustradas constantemente todas as ilusões, sabotados inexoravelmente todos os planos. E aponta corajosamente o dedo aos culpados.”

Durante a leitura deste livro torna-se óbvio que a autora beneficiou de uma liberdade de movimentos não acessível a todos. Mas a apreciação do conteúdo político vou deixá-la a quem o ler. Transcrevo apenas um pequeno parágrafo sobre Malanje, a cidade que fiz minha e que me adoptou. Cá vai:
“(…) Em 1984 a cidade de Malanje tentava “segurar as pontas” contra l’Afrique profonde. Era ainda mais fria que o Huambo e perdida na neblina e na chuva. As ruas cheias de buracos, os edifícios destruídos e as lojas fechadas contavam a mesma história de uma comunidade sob cerco virtual. Mas lá não havia desespero. Esta era uma cidade que lutava numa guerra que entendia claramente, como desencadeada pelo imperialismo. Nas paredes da rua principal, enormes murais do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, de Fidel Castro e de Che Guevara desafiavam os sul-africanos, a UNITA e os seus apoiantes dos Estados Unidos. Na praça principal, árvores cor de fogo faziam sombra sobre o monumento aos mortos de guerra, inteiramente construído por velhas espingardas AK-47 e munições gastas, que prestava homenagem aos soldados cubanos que aí tinham dado as suas vidas. Tal como no Huambo, a defesa da cidade era garantida por uma guarnição cubana, e havia ainda na província um campo clandestino de guerrilheiros sul-africanos do Congresso Nacional Africano (ANC).
Ficámos no palácio do Governador, um castelo em ruínas devido à falta de manutenção, mas com belas salas compridas cheias de sofás portugueses antigos e ornamentados, cadeiras de braços e espelhos baços.
(…) No último dia, quando ia para o encontro de encerramento com o Governador e o Partido, Lúcio Lara levou-me a ver uma das maravilhas de Angola, as quedas de água de Kalandula (no tempo colonial chamadas de Duque de Bragança). Fomos de carro ao longo de estradas alcatroadas já gastas, através de florestas de grandes árvores floridas e de campos de milho e de café. Quando saímos do carro para descer a pé até Kalandula, as realidades por trás da escolta de doze soldados, das ordens rigorosas de não andar fora do caminho devido ao perigo de minas, e de começar a voltar para trás muito antes de escurecer, foram esquecidas por um instante, diante da beleza daquelas quedas enormes e atroadoras, iridiscentes ao sol e emolduradas por fetos gigantes de flores cor-de-rosa e brancas. Era algo muito belo que passados poucos meses deixaria de poder ser visto durante anos, à medida que a UNITA avançava para o interior da província, cortando as estradas para Kalandula e outras estradas e zonas agrícolas. A bela Kalandula desaparecia na África profunda.”

Ainda hoje, passados mais de dez anos desde que a paz foi estabelecida, o acesso às belíssimas quedas de água de Kalandula continua a ser difícil. São (ainda) reflexos de uma guerra que marcou profundamente todo o quotidiano de um povo.
Mas agora venham comigo até Malanje e às quedas de Kalandula. Longe? Não. Estão mesmo aqui ao lado, à distância de um clic.

Tomás Lima Coelho