sexta-feira, 31 de maio de 2013

Livros d'África








HENRIQUE NOVAIS PESSOA 




Nasceu em Camacupa, Angola, no ano de 1928, filho de um casal de comerciantes local. Aí cresceu e iniciou os estudos primários seguindo depois para o Kuíto (Silva Porto) onde viria a formar-se numa das mais respeitadas profissões do quotidiano colonial: enfermeiro.
Muitas vezes, por força da necessidade e das longas distâncias africanas, aqueles profissionais exorbitavam das suas competências e exerciam medicina como se de médicos se tratassem, ganhando por isso, e para sempre, o respeito das populações mais isoladas (e não só).
Os livros que o meu mais-velho e amigo enfermeiro Novais – como era, e é, conhecido pelas gentes de Camacupa e arredores – foi escrevendo, são relatos vividos e observados dessas experiências nos sítios por onde passou, desde as vilas e cidades até ao mato mais profundo, testemunhando situações que tanto vão do drama à comédia, como das lendas e mitos à realidade, e que nos transportam pelos caminhos da saudade de quem também as viveu.
Da obra “COMBOIO COMAKOVI (*)”, uma Edição de Autor de 1987, extraio alguns pequenos trechos de um episódio, deliciosamente narrado, sobre um acontecimento muito popular nas sanzalas dos arredores das povoações: a rebita, bailarico dos subúrbios.

“(…) A aparelhagem de som estava garantida com assistência própria e de quem sabia renovar música, havendo em troca uma gratificação por noite, além da garantia de refeição. Ofertas de aparelhagem não faltavam, eram uma espécie de orquestras que se contratavam. Estes eram os que sabiam viver à custa dos outros, quase evoluídos, conhecendo toda a espécie de discos. Para garantir a festa, faziam propaganda da música que tinham: discos do Congo, por estarem na moda, “Rumba Escandalosa”, “Majuba”, o “Tango dos Barbudos”, “Mariana Rebita”, e merengues, em especial o “Dona Antónia Candongueira”.

Apagava-se a luz e tudo dançava; no silêncio, os borlistas que não pagam nunca as entradas aproveitavam a ocasião, e os criados de pé descalço, meninos e bêbados não tinham entrada. Assim mandava o Quinda porque não queria makas. Eles não perdiam o ânimo, desarmavam, e fora do recinto aproveitando o som dançavam na mesma, homem com homem ou mesmo homem sozinho, não deixando de curtir a música que mais lhes agradava.

Num compartimento adaptado estava a funcionar o bar, um armário feito de caixotes, chumbado toscamente à parede, com duas gavetas, completamente empenadas, vendo-se uma chávena sem asa e alguns pratos de ferro esmaltado.

(…) As damas, umas muito fininhas e giras, outras com lábios carnudos salientando os lábios, olhos pequenos e astutos, (…) a cintura bem cintada a esconder os papos de celulite e o tecido flácido da barriga, os seios mais ou menos caídos, que se tentam erguer em soutiens pretos sobressaindo da blusa creme, ancas fortes, possivelmente devidas a alguns abortos feitos pela parteira, curiosa, lá do sítio.

(…) Um retardatário que queria arranjar dama à força, estendendo a mão à moça que ia a passar, tentava puxar, desequilibrava-se estatelando-se ao comprido. A dama libertada pelo acidente, dando meia volta resmungava: “Este senhor na vila não me conhece, aqui quer beijinho”. O homem insistindo de novo, recebia outra recusa: “MI LARGA! Seu borlista, merda!!!”.

Ah! A África da minha saudade… Resta-me acrescentar que a última missão deste respeitável cidadão de Alhos Vedros, em prole dos seus semelhantes, foi a bordo do velhinho “Gil Eanes, quando este navio prestava apoio de retaguarda às frotas pesqueiras portuguesas que laboravam pelos mares deste mundo.

(*) Komakovi – lento, ronceiro.


Tomás Lima Coelho

4 comentários:

luis santos disse...


Conheço o Sr. Novais e família. Fui seu vizinho próximo durante aproximadamente 15 anos, enquanto vivi em casa dos meus pais. Os quintais das respetivas casas tocam-se e as naturais relações de vizinhança estabeleceram-se.

O testemunho que aqui gostaria de deixar é sobre a extrema educação e correção com que sempre as nossas famílias se relacionaram. Os mais novos descendentes familiares cresceram a brincar entre casas. Nunca houve o mais pequeno atrito ou desavença, em grande parte pela extrema formação que o Sr. Novais e família sempre revelaram.

Pessoa reflexiva, profundamente humanista, preocupado com o bem comum, excelente terapeuta, sempre pronto a ajudar de quem dos seus cuidados necessitava, revela uma história de vida de uma riqueza ímpar.

A enfermagem foi a preciosa especialização que inventou para servir o outro. Em África, no "Gil Eanes" pelos mares fora, em Portugal. A sua história dava um bom filme. Mas na escassez de bons realizadores de cinema locais, talvez que este seu dom para a escrita nos possibilite o legado pretendido de uma autobiografia. Deus queira.


Tomás disse...

What!!!???

luis santos disse...


Tomás
Disseram-me que era um comentário pirata e eu apaguei.
Abraço.

agplagoa disse...

Boa noite

O meu blog tem muitos livros sobre África, Brasil, etc,
http://agplagoa.wordpress.com/
Cumprimentos