segunda-feira, 6 de maio de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (27)


Taller de  Costura, Botero, 2000
Óleo sobre Tela, 205x143cm

 HISTÓRIAS

Há muito, muito tempo, num reino distante e verde, vivia uma princesa muito bonita e bondosa chamada Maria Rosa. Com ela vivia apenas um gato de patas compridas.
Pormenores sem importância nesta história, mas que servem para a começar. 
Pois é assim que se começa uma história.
 

Na realidade, a mulher não é bonita, nem bondosa, nem princesa. Também não se chama Maria Rosa.
 
É feia, gorda e bêbada. Chama-se Valentina e tem um gato feito de loiça que vive no patamar. No nosso patamar…
O que tem de especial o gato da minha vizinha não são as patas. É, antes, a capacidade de continuar pacientemente à espera que eu lhe dê um pontapé.
 

A outra, a princesa bonita e bondosa,
 
a Maria Rosa,
 vivia num palácio e tinha muitos criados. 
Um alisava-lhe os cabelos, outro vestia-lhe o colete e outro massajava-lhe os pés. A princesa gostava tanto do seu gato que ela própria, com as suas mãos macias e longas, lhe alisava o pelo, lhe vestia o colete e lhe massajava as patas.
 
A Valentina faz rissóis para fora.
 
No patamar. No nosso patamar…
E não tem quem a ajude.

No meu patamar pintado de verde, mora um príncipe. Chama-se Miguel e é estrábico. Tem mamas como as mulheres, mas anda a fazer um tratamento… ou lhe caem as mamas, ou lhe cai o resto. O cabelo já lhe caiu, mas, por enquanto, é segredo.
Às vezes, a minha vizinha, de tão gorda e de tão feia, descai-se e chama-o “Miguel Careca”.
 
Ele pensa que é da bebida... e as coisas lá vão andando.

Há dias, a Valentina, bêbada, queimou-se toda.
 
O Miguel, do tratamento das mamas tinha lá uma pomada e foi o que lhe valeu.
 
Até a Maria Rosa, a princesa desta história,
 
veio do reino encantado
 
parou quando aqui chegou
olhou o Miguel de lado
o gato ficou deitado.
 
E a Valentina. Sorriu.

Agora já não é gorda.
 
O Miguel mudou de nome.
 
Chama-se Maria Rosa, tem um gato de verdade e mora noutra cidade. É feliz.

O gato da Valentina partiu-se.
No patamar. No nosso patamar…
Mas não fui eu.





Maria Teresa Bondoso


4 comentários:

Amélia Oliveira disse...

Bom dia, Teresa e António!

Teresa,
Que história deliciosa! E que animação esse patamar, onde tudo acontece (parece-se com os nossos patamares, não é?)! A minha preferência vai para o Miguel, é claro, fiquei muito satisfeita com o facto de se ter transformado em Maria Rosa. Porque tem bom coração - mereceu!
Não me canso de te dizer o quanto gosto das tuas personagens e destes mundos (Irreais?) que nos vais trazendo! Parabéns, mais uma vez!

António,
Continuo a achar que não merece assim esse descanso todo - ou melhor, merece, mas nós também merecemos umas palavrinhas sobre os magníficos quadros que vai escolhendo para ilustrar as histórias do 'Real...' - ficaríamos (eu, decerto, ficaria) um pouquinho mais sabedora! Adoro as senhoras gorduchas de hoje e o gato com 'cara' de quem precisa do mesmo tratamento do gato de loiça! É claro que o António falaria das 'formas arredondadas...' em vez de 'mulheres gorduchas', o que vem comprovar a minha teoria... :)

Um beijo aos dois!

Amélia

A.Tapadinhas disse...

Amélia Oliveira: Quem pode resistir a um pedido assim formulado?

Conheci Botero em 1998 quando, ao passar no Terreiro do Paço, fui surpreendido pela instalação de dezoito esculturas monumentais do artista.
Durante alguns dias namorei os conjuntos. E foi um interesse correspondido, porque alguns deles ficaram por cá, para meu deleite e prazer pessoal. E, nas suas esculturas, a sensação de quão importantes nós somos é tão gratificante que chega a ser aterradora!
Da sua pintura sei o que li. Ainda não vi nenhuma ao vivo. E confesso que tenho uma enorme curiosidade, porque na obra de Botero não se pode estabelecer uma distinção evidente entre as obras com figuras e as naturezas-mortas. Um motivo tão comestível como uma pêra, com o tamanho real de 10 ou 15cm enche uma tela de 241x196cm! Por outro lado, as figuras humanas, e até os animais, não mostram qualquer sentimento ou actividade cerebral, limitam-se à mais pura e enorme corporeidade, com o olhar parado, a fixar o vazio. Para o artista colombiano, o essencial são as formas da pintura que mal cabem nas enormes telas em que são pintadas!
Parece-me que ele leva a sério o pedido que Cézanne, irado, fez a um dos seus modelos: quero que poses como se fosses uma maçã!
Os modelos de Botero, também nesse aspecto, são perfeitos!

Beijo,
António

Amélia Oliveira disse...

Bom dia, António!

Muito interessante a sua explicação - outra coisa não seria de esperar! Vou procurar ver mais alguns quadros no Google (como vivíamos antes do Google, pergunto eu???).

A sardinhada será por minha conta! :)

Beijo,
Amélia

MJC disse...

Mais uma história muito bem escrita como é normal nas coisas da Teresa que tenho lido.

Ao lê-la ocorreu-me um dito popular que reza assim:
"Não há bem que sempre dure nem mal que não acabe"

Não sei porquê.

Eu gosto das formas do Botero talvez desde a mesma altura do António (a exposição de esculturas na Pç. do Comércio). Os esclarecimentos do António sobre o artista também justificam os meus agradecimentos.

Abraços.

Manuel João Croca