Escritor, regente
agrícola, antropólogo, realizador de televisão, cineasta, artista plástico e
poeta, tal é o currículo deste angolano, por opção, nascido em Santarém em
1941. Vivendo a infância e juventude em Moçâmedes (actual Namibe), cedo começou
a acompanhar o pai, caçador, pelas areias quentes do deserto do Namibe. Aí se
cruzou muitas vezes com os Kuvale, povo de pastores nómadas que ali vivem com o
seu gado. Através desses contactos aprendeu a conhecê-los e fez amigos. Essa
amizade perdura para além da morte: a sua campa, simples, está situada em pleno
deserto do Namibe, sempre cuidada, onde parece não haver vivalma. Mas é apenas
um local simbólico: as suas cinzas foram espalhadas pelo deserto, por sua
expressa vontade, onde certamente cantam poemas ao sabor do vento.
No seu livro “VOU LÁ VISITAR PASTORES”, publicado em 1999 pelo Círculo de Leitores, debruça-se sobre os usos e costumes dos Kuvale com um olhar que transcende a mera antropologia. Diria eu que é com um olhar de amizade e respeito. “(…) O que me lembro é de durante a noite em que fiquei sozinho, enquanto me interrogava sobre o que fazia ali e sobre o que já tinha escrito e haveria de escrever e dava conta que o “meu livro”, aquele que andava a procurar desde a minha adolescência e decidira por fim escrevê-lo para poder contar-me a mim mesmo o que sempre quisera saber sobre os Kuvale e ninguém mo dizia porque afinal ninguém o sabia, esse livro jamais eu o faria, e nem podia, porque andava a vivê-lo.”
É um olhar livre de
preconceitos, humilde, onde o autor sabe muito bem que ali, no deserto, entre
os Kuvale, tem tudo a aprender. “(…) Mas ele sabe
muito melhor do que eu que é entre a terra, o espaço (território) e a água que
tudo se joga na vida dele, comum, quotidiana, verdadeira. Ele fala-me com
grande precisão nos capins e nas ramas que a terra dá, e onde as há e em que
tempo, e quando é que convém que o gado as coma, do sal que ocorre aqui e só
tem mais é muito para lá. (…) E das águas do chão, boas e salobras, tanto para
os carneiros como para os bois, mais para os carneiros, a água doce não os cria
bem, eles gostam é dessa, assim com sal, que lhes faz nascer as crias e aqui é
que aumentam mais.”.
Sabedoria. E depois há ainda
que apreciar a bela prosa poética com que o livro é escrito. Mas, para isso, o
melhor é lê-lo.
Deixo-vos um poema do
Ruy Duarte de Carvalho:
Das águas que o rino* escolhe
da pedra a que o vento encosta
do unto a que o tempo obriga
dos sais que a estação abriga
do pasto a que o gado aspira
da lua em que o vento vira
não há pastor que não saiba.
Não há pastor que não saiba de alguma curva da infância.
(in, Hábito da terra, 1988)
(*) rinoceronte
Tomás Lima Coelho
3 comentários:
Informação preciosa esta sobre Ruy Duarte Carvalho. Um livro a não perder. Terei oportunidade de o recomendar aos meus alunos de Antropologia Cultural. Muito agradecemos ao Tomás pela informação que aqui disponibiliza, nesta rubrica do Estudo Geral que muito nos honra. Bem sabemos, que este seu trabalho sobre literatura africana, de reconhecidíssima qualidade, vai muito além da sua participação no Estudo Geral e que vivamente recomendamos.
Abraços.
Muito obrigado em nome do Ruy Duarte de Carvalho, ele mereceria muito mais atenção da parte das elites literárias. Valha-nos o Estudo Geral que nos dá espaço para partilharmos estas gotas de Cultura. Abraços!
Também eu me permito considerar Ruy Duarte Carvalho como um dos grandes escritores de língua portuguesa.
E, ainda por cima, multifacetado.
Obrigado ao Tomás por o trazer ao nosso convívio.
Um abraço.
Manuel João Croca
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