uma história antiga da região onde
vivo... O Triangulo Mineiro
Foto: arquivo
particular
Devido à dificuldade em se manter a lei, na
época do Brasil Império, o interior foi entregue à Guarda Nacional, entidade
formada pelos chefes políticos locais, em geral fazendeiros de grandes
latifúndios, que recebiam uma carta patente assinada pelos próprios funcionários
do Império, e mais tarde pelos funcionários da República, até 1930 quando foi
extinta.
Amparados pelos poderes político e
policial, esses Coronéis eleitos pelo governo, nomeavam para cargos políticos
locais, a seu bel-prazer, amigos, correligionários, parentes, em geral gente de
destaque social, que em rede de amizade e fidelidade lhes garantia o prestígio.
A soldadesca era escolhida pelos seus feitos, em lutas e brigas onde
demonstravam valentia.
Cercado por capangas e jagunços que lhes
davam a “respeitabilidade” os Coronéis eram como se fossem reis
no Sertão Brasileiro. Disputas, querelas, desentendimentos, eram
frequentemente resolvidos à bala, às claras ou em emboscadas, em caminhos ou
lugares estrategicamente escolhidos. Em geral conhecia-se ou desconfiava-se
quem eram os executores, gente contratada para trabalhos dessa índole, que
depois do “serviço” desapareciam nos matos, fazendas, ou em sítios
longínquos. Os contratantes nunca eram
descobertos ou denunciados, principalmente se fossem poderosos, pois nada
acontecia a eles.
Naquele final de tarde, na birosca da
estrada que levava às fazendas da Descarga, a raia miúda, após a lida, contava
os “causos” embalados por doses de uma envelhecida” branquinha”. Foi quando,
por ironia do destino, Zacarias e Tomé,
dois importantes fazendeiros, antigos amigos de infância, ali se encontraram.
Desde que um curso de água de uma copiosa mina que nascia nas terras de um
deles foi desviado para irrigar uma
plantação, tirando a água que abastecia um pequeno córrego que atravessava os
campos do outro, que a amizade entre eles azedou. Entre um copo e outro de
pinga o assunto da água veio à baila. Em instantes a discussão surgiu e se
acalorou. Pressentindo um desfecho violento entre os dois homens, os "catireiros"
suspenderam as
negociatas, os peões deixaram nos pratos os “engasga-gatos” (bolinhos de
carne bastante apimentados, fritos na hora, em gordura de porco) e se afastaram devagar, enquanto o dono da venda, preocupado, procurava com olhar a lazarina que pendurada na parede aguardava ser
solicitada...
Anoitecia. Atrás das colinas, no céu uma
luminosa faixa vermelha, rastro de um sol que aos poucos se escondia, e o canto
estridente das cigarras previam um dia seguinte calorento. A Vésper, já se mostrava, límpida,clara como um grande
diamante. Era a hora em que nas fazendas todos param para rezar a ave-maria,
quando um tirou ecoou no ar espantando as aves que em brusca revoada se alçaram das árvores, onde se
aninhavam. Dentro da bodega, a cena trágica. Zacarias caído de
bruços sobre balcão, varado por uma bala certeira no peito. Tomé,
exangue, ainda com a arma na mão,
olhou ameaçador para o quitandeiro e
assistentes e, incisivo,
deixou um recado:
- Avisem aos filhos deste traste e
a quem quiser contestar o direito que tenho sobre a mina e o trajeto do
córrego que quem não aceitar a minha decisão, vai acabar como
ele. E se saiu esporando o cavalo baio
rumo à cidade.
O
tempo passou. O incidente parecia estar enterrado junto com o morto da
Descarga
Na pequena cidade novas eleições se
avizinhavam. No mistifório político, na
alternância do “ sai tu que agora estou eu”, quem sempre ficava no poder
era o Coronel ou seus subalternos. Na
Câmara, Conservadores e Progressistas
expunham seus planos e projetos.
O Coronel Tomé, Conservador, no meio da sala, sentado à mesa,
comandava os trabalhos . Acompanhando
os Progressistas os filhos e herdeiros
do falecido Coronel Zacarias militavam as sutis diferenças, em aparente
cortesia.
Do
lado de fora da janela aberta, por onde entrava uma pequena
aragem, um homem de chapéu de abas largas inclinado sobre a testa, se misturava, despercebido, a outros elementos que, curiosos, se postavam para ver as discussões que
agitavam o ambiente. Debaixo de paletó
trazia um 38, municiado e niquelado como
exigia a profissional eficiência. Na
cintura a inseparável peixeira, para a
remota eventualidade do revólver falhar. Dali,
daquele ângulo, seria quase
impossível para um atirador com fama de Tonicão errar. Como um felino,
calmo e frio, seguia os mínimos movimentos da sua presa, esperava apenas o
momento certo da ação. Foi rápido e
preciso. Quando Tomé se levantou e pediu a palavra, não teve tempo de começar o
discurso. Para o pasmo da plateia, quase que imediatamente recebeu um tiro
que lhe vazou o olho direito e tirou a vida. O matador não teve tempo de
verificar o resultado do seu "trabalho", aproveitando o tumulto
e o corre-corre da turba, desapareceu na estrada, se acoitou para
os lados de Goiás.
Por alguns anos a fama de Tonicão
correu por aquelas bandas. Praticava o tiro ao alvo periodicamente em
garrafas dispostas lado a lado, mirando a boca do gargalo. Perito no que
fazia, resolveu definitivamente brigas e disputas de muita gente, de quem lhe
pagava mais. Mas como todo o matador
profissional, não viveu muito tempo. Acabou assassinado, com um tiro,
quando entrava num bar, de ré, para não ser surpreendido pelas
costas. Outro, como ele, esperava-o lá dentro, atrás do balcão...
Maria Eduarda Fagundes
Uberaba, 21/04/13
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