segunda-feira, 20 de maio de 2013

REAL... IRREAL... SURREAL... (29)

            "The Jungle", Wifredo Lam, 1942-44,   240 x 228 cm. Museum of Modern Art, NY

A RECEPÇÃO AOS CONVIDADOS
A cerimónia estava marcada para as 5 da tarde, na Igreja Matriz. Os convidados começariam a chegar por volta das 2, mais coisa menos coisa.
Arranjou-se o jardim, dispuseram-se mesas e cadeiras, e um amigo de longa data, recém chegado da Martinica, veio preparar os cocktails. E ficou também, claro, porque também ele estava convidado.
Às 5 e meia ainda os convidados deambulavam pelo jardim, soltando esfuziantes gargalhadas, sem saber bem porquê, enquanto os saltos altos das senhoras se enterravam na relva viçosa do jardim! E (é claro!) que não se conseguiu a tradicional fotografia de grupo porque ninguém respondia às ordens do fotógrafo, que acabou por desistir…
Finalmente lá se partiu rumo à Igreja, onde o noivo já desesperava pela chegada da noiva. E as vizinhas daquela rua de 3 casas foram convidadas a beber uns cocktais e fazer companhia à empregada, que ficou a tentar pôr alguma ordem na desarrumação que ficou para trás!
No dia seguinte, eram 9 horas da manhã, já a sineta tocava – era uma das vizinhas, que queria ser a primeira a contar o sucedido. Ninguém sabia ao certo como tal tinha acontecido, mas tinham apanhado as três uma valente bebedeira – rebolaram na relva com as saias pelo pescoço e os maridos tiveram que as vir buscar, obrigando-as a dormir na rua, porque mulheres daquela idade e já avós não podem fazer figuras tão tristes… ‘Oh vizinha, mas que bebida era aquela que sabia a sumo e fez a gente ficar malucas?’, dizia uma, ‘Nunca me tinha acontecido uma coisa destas!’, dizia outra, ‘Em tantos anos foi a primeira bebedeira que apanhei!!’, queixava-se a terceira.
Boa pergunta… só sei que o Rum veio da Martinica… e que quando há mais movimento na rua das 3 casas as vizinhas assomam logo ao portão a perguntar: ‘Vizinha, hoje há festa?’ – e quando há, estão sempre convidadas!

4 comentários:

MJC disse...

Qual será essa rua?
Gostaria ir para lá morar tornando-me assim vizinho.
Talvez que, numa próxima, também fosse convidado a provar os tais cocktails.
É que, fiquei mesmo com vontade.
Belo texto, bela pintura.

Abraço,

Manuel João Croca

Amélia Oliveira disse...

Bom dia, António!

Parece-me que anda a esquecer-se de alguma coisita... então e as 'aulas'? 'The Jungle' certamente merece umas linhas, porque é muito interessante!

Abraços (resmungões)... :)

Amélia

A.Tapadinhas disse...

Amélia Oliveira: Claro que merece umas linhas... O quadro e a Amélia Oliveira!

Wifredo Lam tem obras, que ilustrariam talvez melhor o seu texto, mas esta, para a maior parte dos críticos, com os quais concordo, é a mais importante de Lam.

Foi pintada apenas em 20 dias, no final de 1942 e princípio do ano seguinte. (Picasso fez um rabisco na toalha dum restaurante e uma senhora perguntou-lhe quanto custava. Ela achou demasiado o dinheiro pedido -Levou menos de um minuto a fazê-lo! - Está enganada, minha senhora! Levei 40 anos a estudar para fazer este desenho.)

Estes "apenas" vinte dias são o resultado de um longo processo de procura e a sua complexidade levou às mais anedóticas interpretações dos críticos encartados.

Até que o próprio Lam esclareceu que o título não corresponde à realidade cubana, que não tem selva mas apenas bosque. Compara a sua selva à de outro pintor de selvas misteriosas, Henri Rousseau, com a grande diferença que Lam condena o que lá se passa e faz a denúncia da situação dos pretos em Cuba, representada na figura da direita, "uma grande prostituta que oferece obscenamente as suas ancas" e, atrás dela, o povo com as tesouras libertadoras.

Todas as personagens são identificáveis, algumas pertencendo a um grupo étnico africano da Nigéria, conhecido por ioruba.

Falta dizer que Wifredo Lam nasceu na aldeia cubana de Sagua la Grande, filho de um chinês e de uma mulata de sangue índio. Quando Wifredo nasceu, seu pai, Lam Yam, tinha 84 anos e viveu pelo menos até aos 102 anos, porque vi uma foto dele com essa idade!

E agora, que já tenho a tinta seca, de tanto escrever, vou beber (como eu gostava de repetir!) um mojito em "La Bodeguita del Medio", acompanhado por Ernest Hemingway.

Quer vir?

Amélia Oliveira disse...

António: muito obrigada pela 'visita guiada'! Muito interessante e esclarecedora, como sempre!

E como dizer que não a um mojito em tão boa companhia? É para já :)