sexta-feira, 17 de maio de 2013

Livros d'África




                                                          

VICTORIA BRITTAIN  

Nesta demanda de livros cujo tema central é África, com predominância de Angola, não devemos, na minha opinião, cingir-nos apenas aos autores angolanos ou lusófonos. Podemos (devemos) manter o espírito aberto a todas as opiniões, estilos e formas de escrever. O que verdadeiramente nos (me) interessa nestas abordagens é África, Angola. Vem este pequeno preâmbulo para trazer a esta partilha uma obra muito interessante cuja autora é uma jornalista ao serviço do “The Guardian”, respeitável jornal britânico especializado em questões africanas e do terceiro mundo.

O livro intitula-se “MORTE DA DIGNIDADE – A GUERRA CIVIL EM ANGOLA” com prefácio do escritor angolano Pepetela. Foi editado pelas “Publicações D. Quixote” em 1998.
Sobre a jornalista/escritora e sobre o seu trabalho Pepetela, prefaciando, diz o seguinte: “Victoria Brittain, durante as numerosas vezes que esteve em trabalho de reportagem, visitou a maior parte de Angola, falando com pessoas de todos os extractos de população, não se contentando com entrevistar meia dúzia de responsáveis dos vários lados em acção, como muitos fazem. Foi procurar o povo humilde e trabalhador, o que nunca é achado para nada, foi ouvir os relatos confrangedores dos deslocados de guerra, gravou os murmúrios dos mutilados, por minas ou bombas, procurou os órfãos, foi saber dos doentes e feridos nos hospitais. Teve assim a percepção da maneira como as pessoas iam sofrendo e perdendo a esperança, frustradas constantemente todas as ilusões, sabotados inexoravelmente todos os planos. E aponta corajosamente o dedo aos culpados.”

Durante a leitura deste livro torna-se óbvio que a autora beneficiou de uma liberdade de movimentos não acessível a todos. Mas a apreciação do conteúdo político vou deixá-la a quem o ler. Transcrevo apenas um pequeno parágrafo sobre Malanje, a cidade que fiz minha e que me adoptou. Cá vai:
“(…) Em 1984 a cidade de Malanje tentava “segurar as pontas” contra l’Afrique profonde. Era ainda mais fria que o Huambo e perdida na neblina e na chuva. As ruas cheias de buracos, os edifícios destruídos e as lojas fechadas contavam a mesma história de uma comunidade sob cerco virtual. Mas lá não havia desespero. Esta era uma cidade que lutava numa guerra que entendia claramente, como desencadeada pelo imperialismo. Nas paredes da rua principal, enormes murais do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, de Fidel Castro e de Che Guevara desafiavam os sul-africanos, a UNITA e os seus apoiantes dos Estados Unidos. Na praça principal, árvores cor de fogo faziam sombra sobre o monumento aos mortos de guerra, inteiramente construído por velhas espingardas AK-47 e munições gastas, que prestava homenagem aos soldados cubanos que aí tinham dado as suas vidas. Tal como no Huambo, a defesa da cidade era garantida por uma guarnição cubana, e havia ainda na província um campo clandestino de guerrilheiros sul-africanos do Congresso Nacional Africano (ANC).
Ficámos no palácio do Governador, um castelo em ruínas devido à falta de manutenção, mas com belas salas compridas cheias de sofás portugueses antigos e ornamentados, cadeiras de braços e espelhos baços.
(…) No último dia, quando ia para o encontro de encerramento com o Governador e o Partido, Lúcio Lara levou-me a ver uma das maravilhas de Angola, as quedas de água de Kalandula (no tempo colonial chamadas de Duque de Bragança). Fomos de carro ao longo de estradas alcatroadas já gastas, através de florestas de grandes árvores floridas e de campos de milho e de café. Quando saímos do carro para descer a pé até Kalandula, as realidades por trás da escolta de doze soldados, das ordens rigorosas de não andar fora do caminho devido ao perigo de minas, e de começar a voltar para trás muito antes de escurecer, foram esquecidas por um instante, diante da beleza daquelas quedas enormes e atroadoras, iridiscentes ao sol e emolduradas por fetos gigantes de flores cor-de-rosa e brancas. Era algo muito belo que passados poucos meses deixaria de poder ser visto durante anos, à medida que a UNITA avançava para o interior da província, cortando as estradas para Kalandula e outras estradas e zonas agrícolas. A bela Kalandula desaparecia na África profunda.”

Ainda hoje, passados mais de dez anos desde que a paz foi estabelecida, o acesso às belíssimas quedas de água de Kalandula continua a ser difícil. São (ainda) reflexos de uma guerra que marcou profundamente todo o quotidiano de um povo.
Mas agora venham comigo até Malanje e às quedas de Kalandula. Longe? Não. Estão mesmo aqui ao lado, à distância de um clic.

Tomás Lima Coelho

Sem comentários: