sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Versículos



Intimidade

Delicada atenção
Provas de amor
Cuidados como pérolas
Testemunhos de eternidade.


Luís Santos


quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Sobre os resultados da sondagem do Jornal "Público": 87% estão desiludidos com a democracia *


( * Ler artigo do Público AQUI )

O título deste artigo é preocupante, pois convida a confundir a desilusão com os partidos tradicionais, e sobretudo com os que têm estado no poder, com um desencanto com a democracia. Preocupante é também que, perante a actual crise, muitas pessoas, algumas talvez bem intencionadas mas a meu ver pouco esclarecidas, comecem a responsabilizar a existência de partidos, a política e os políticos pelos problemas do país. Ao fazer isto, mete-se tudo no mesmo saco e esquece-se que quem tem dado a maioria dos votos a um certo tipo de partidos e de políticos são os eleitores, precisamente por falta de memória e de consciência política. Defendo que a democracia deve ser cada vez mais participativa e não meramente representativa e que a participação cívica e eleitoral não se deve reduzir a partidos, alargando-se também a movimentos de cidadãos independentes, mas a vivência democrática não se pode fazer sem partidos nem contra os partidos. Um partido é uma associação de pessoas que propõe uma certa visão e organização da sociedade e do mundo que considera melhor para todos e pretender acabar com essa possibilidade é querer acabar com a democracia. E isso, em Portugal, significa regressar ao espírito do golpe militar de 28 de Maio de 1936 que trouxe Salazar e o Estado Novo e não ter aprendido nada com 48 anos de ditadura. O problema em Portugal não é a democracia, mas a falta do seu aprofundamento e da responsabilização cívica dos cidadãos, que têm o hábito preguiçoso e perigoso de esperarem tudo de um chefe que lhes resolva milagrosamente todos os problemas e os dispense de pensar e agir cooperativamente. Mas os partidos tradicionais também têm fortes responsabilidades, pois em vez de cooperarem para o bem comum, têm vivido para a conquista do poder ao serviço das grandes corporações mundiais e das clientelas partidárias ou para o mero boicote da governação sem alternativas credíveis. É preciso ir além de uns e outros e essa é a tarefa de uma nova consciência cívica que não separe a luta pela justiça social da defesa dos direitos de todos os seres vivos e da preservação da Terra. É isso que o momento histórico pede de todos nós: não o fim da democracia, mas o seu aprofundamento numa responsabilização da política humana pelo bem de todos os seres e do planeta.

Paulo Borges
(in, Facebook, Grupo Cultura Entre Culturas, 21/9/12,
http://www.facebook.com/groups/230286389667/permalink/10151187460844668/)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

FRESCOS


A fotografia das janelas em negativo, no que resta de uma maré de magia líquida, liquefeita, num abraço simbiótico entre as nuvens e o Sol.

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



O mínimo que se pode dizer é que andamos muito industriosos. O Artur veio com uma conversa que depois de um nem pensar peremptório e da insistência que não virou a cara às dificuldades, cresceu de mansinho e foi evoluindo de um temos que pensar sem convicção para um olhar mais atento de adeptos que, aos poucos, foram surgindo e agora começaram a ponderar seriamente nas razões da proposta e sobretudo nas vantagens que deixa antever e mesmo em face da objecção prática de não termos braços que cheguem, acabou por manifestar a resistência de considerar a solução da empregabilidade de força laboral externa ao grupo. Ainda não há decisões e, pelos vistos, muito haverá a fazer se for o caso de passarmos dos planos à prática. Contudo já não estamos no patamar de uma rejeição pura e simples, sequer no de uma mera hipótese vaga e distante. Diria que ganhou a respeitabilidade das coisas plausíveis e vantajosas e, com isso, o direito ao estatuto de iniciativa em agenda. Veremos o que nos ditarão os próximos capítulos. À semelhança dos vermelhos e dos brancos, dos amarelos e azuis selvagens que salpicam os repousos da planície, a ideia teve no parto a espontaneidade do que surge sem licença. Foi a propósito de uma prospecção pelo olival que ele, com o mesmo entusiasmo com que nos descreve as recolhas musicais em que tem participado com o Félix e com as quais, tanto um como o outro, andam completamente entretidos nas horas e dias de folga, fazendo aquele sorriso infantil que o caracteriza quando expressa algo que toma por engraçado, deixou escapar a voz de um pensamento em primeira mão e, sem que alguém esperasse, atirou para o ar, “-E se nós em vez de vendermos a azeitona nos dedicássemos a produzir o azeite e lançássemos a nossa própria marca?” Deu para ver que há quem tenha os pés bem assentes na terra e logo opusesse o obstáculo do não só não termos gente para chegar a tanto, como mais do que não termos uma rede comercial que nos permitisse escoar o produto, não possuirmos qualquer experiência num plano que requereria um verdadeiro deambular de caixeiro-viajante. O ora isso arranja-se da altura, terá sido então um desabafo que teve mais de reflexo que de resposta reflectida. Mas a verdade é que o bichinho deve ter continuado a remexer-lhe no cérebro e dois ou três dias depois, trocando impressões com o Manuel, avançou com a possibilidade de contratarmos pessoal, inclusivamente no campo de uma espécie de departamento de vendas que, segundo ele e aqui começou o interesse alheio pela sugestão primitiva, mais cedo ou mais tarde teremos que ter se quisermos, como tudo indica que o faremos, vir a expandir os negócios para a criação de ovinos e a exploração da lã e dos produtos lácteos que das ovelhas poderemos vir a obter. Bastou-lhe a hesitação que vislumbrou no meu marido e o certo é que não descansou enquanto não sentou à sua volta uma plateia desperta para aquilo que tinha em mente. Pois foi desse modo que se estabeleceu que, de acordo com a colheita deste ano, assim estudaremos a viabilidade de ensaiarmos uma pequena parcela para um engarrafamento de azeite corrente com uma determinada chancela e avaliarmos as vias de distribuição, para vermos se vale ou não a pena ter o trabalho e o investimento de tempo e energias em tal empresa. Se tudo correr bem, repetiremos o propósito no ano seguinte, afectando uma maior litragem a esta venda. Para já temos que nos munir com mais um ou dois depósitos e recuperar aquele que aqui se encontra –se for recuperável como parece que é- e vimos que poderemos ser nós a proceder ao engarrafamento e rotulagem, mas se o escoamento vier a exigir uma oferta maior, teremos que criar o nosso próprio lagar, como igualmente uma linha de produção em que mecanizaremos toda a actividade. Então, muito provavelmente, passaremos a empregadores. Criativo como é, o Artur apareceu pouco depois com nomes para a marca, alguns deles bem engraçados. “-Use o azeite Plutão que faz bem ao coração.”. Anunciou ele, de braços abertos, como que a querer convencer-nos da bondade dos seus argumentos comerciais, embora aí não tenha logrado obter o beneplácito dos sócios e o mais que conseguiu foi a promessa de lhe darem a primazia no baptismo do produto, contudo, só no momento apropriado, isto é, na altura em que estiver ponto assente que o novo empreendimento se levará a cabo, até pelo critério comezinho de não metermos a carroça à frente dos bois. As novidades é que não ficaram por aqui e a outra veio da parte das mulheres que procederam, à apanha das pinhas nuns quantos hectares de pinhal que temos a uma vintena de quilómetros daqui, no outro lado do rio. Alguém tem andado por ali a explorar furtivamente a resina, mas isso são contas de outro rosário que teremos que resolver, em última instância, na justiça. Esperemos que não seja preciso chegar a esse ponto. Até lá teremos que apanhar os marotos e pelo menos parece que vamos ter um outro motivo para nos interessarmos por aqueles terrenos. É que a Graziela e a Éster, dando conta da quantidade de pinhões que acumularam depois de batidas as pinhas que o amadurecimento abriu e apurado o excedente que o quinhão de cada família deixou, depois de conseguirem inventar uma pequena embalagem em papel, decidiram empacotar às duas dezenas em cada um e lá convenceram os maridos a tentarem vender o produto final pelos cafés e as mercearias da região, antes de tudo, munindo-se do parecer da Viviana, segundo o qual o pinhão é excelente alimento que faz bem ao sangue e, creio, aos intestinos também. Seja como for, a verdade é que venderam tudo e mais venderiam se o tivessem para o efeito. Como é fácil de ver, todos concordaram que o dinheiro conseguido era deles, uma vez que só eles se interessaram e não tiveram qualquer auxílio fosse de quem fosse. Pessoalmente gostei de lhes ouvir que, apesar disso, para o próximo ano e com uma postura mais profissional, digamos assim, aquela produção deveria passar a integrar o quadro de rendimentos da comunidade e, naturalmente, os parceiros deveriam dar o seu contributo para o sucesso da exploração. Aliás, até para que possamos evitar os larápios, todos perceberam que o pinhal terá que ser catado naquilo que nos pode dar e, nessa condição, será essa uma forma de não ficarmos com excedentes inúteis. Vamo-nos fazendo aos poucos, da mesma maneira que aos poucos vamos aprendendo a fazermo-nos com a experiência e a sabedoria de experiência feita. Na sua última carta, o paizinho fez-me ver como isso é motivo para que nos sintamos orgulhosos, no bom sentido, é evidente, sem o mais leve toque de vaidade ou da patetice da sobranceria. Estou tão feliz por o saber um nosso fã.
Com toda esta azáfama chegou a hora de organizarmos um sector administrativo. Como disse o José Pedro, há impostos que vamos ter que liquidar regularmente, assim como há facturas que teremos que processar e, portanto, toda uma contabilidade que teremos que concretizar. Além disso, começa a acumular-se correspondência que é preciso sistematizar e arquivar e principalmente importa que todas as contas sejam claras e estejam ao alcance de todos. Daí que a mulher do Acácio –não é que agora não me ocorre o seu nome?- tenha feito um excelente trabalho burocrático pelo qual conseguimos obter toda e qualquer informação em menos de um minuto. Depois da Dona Noémia e da filha e da Catarina que tomam conta da miudagem, passou ela a ser uma outra pessoa desafectada do trabalho braçal e passará a laborar no escritório que montámos numa divisão do casarão. A linha telefónica que pedimos para ali é que parece vir a ser uma saga ainda maior que a da electricidade. Mais uma vez espero estar redondamente enganada.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012


“De Pés E Alma Atados Às Paredes Da Realidade”

Os pés e as mãos de meu coração estão atados
Desejo liberdade de emoção para minha imaginação
Deixem-me fugir daqui do presente para depois
Levem-me a sério mesmo que me vejam a rir

Abro o peito ao mau tempo e à bonança porvir
Permito que me entrem nos ouvidos estranhos zumbidos
Lambo dôces memórias que não me saem fácil da cabeça
Ando à roda de um relógio cuco que toca só à meia-noite

Penso não estar tão varrido de doido como sentiria estar
Vou bem de saúde mental e com esperanças renovadas
Tenho a fé mesmo a ferver à flôr da pele aquecida ao Sol
Enterro a calma num buraco de fechadura sem chave

Amarro a consciência ao lado mais obscuro da Lua nova
Vejo que estou sozinho no meio de tanta gente solitária
Procuro sombra no seio de algumas sombras perdidas
Olho sem crença para a floresta de olhares cegos

Persigo um ponto de vista apagado pela ambição
Choro de encontro a uma parede que vibra insegura
Lavo com as lágrimas o corpo vestido às pressas
Molho de remorso a parte virada para o interior

...E assim fico à espera que me salvem do juízo final!...

Escrito em Luanda, Angola, por manuel de sousa, a 22 de Setembro de 2012, em Memória às Vítimas do 11 de Setembro, em Nova Iorque...e pela Liberdade de Expressão e Pensamento no seio da Humanidade Consciente...

sábado, 22 de setembro de 2012

Mística: A Ascética


Significado de ascese: ascender, esforço, trabalho.
A ascese é uma inquietude, uma transformação. A ascese não é passiva implica uma certa atividade. Muito importante o exercício psico-físico. Por exemplo, em Platão, a educação e a filosofia é desenvolvida como uma ascese.
Uma inteligência trinitária no corpo: físico, emocional e mental. Mas o que pode ser mais indicado para uma pessoa, pode não ser indicado para outra. Verifica-se uma necessidade individual.
“Não escutar com o ouvido, apenas com o espírito, escutar a partir das próprias energias.” Não controlar a vontade, agir não-agindo (wu-wei)." (Cf., Lao Tse, Tao Te King)
O princípio de obediência jesuíta. Obediência que não é subserviência. É tão importante saber dizer que sim como dizer que não.
Abnegação – o despojamento até da própria vontade de despojamento. Por vezes, é o esforço de auto-realização que nos impede de avançar. Há caminhos que são fecundos e outros que não são. Aqui podem ser importantes os conselhos de mestres, de guias espirituais. Há que ser um vidro muito límpido para que a luz não seja desviada - a importância da purificação.
A tendência exclusiva para o espiritualismo é tão grave como a tendência unicamente materialista. O melhor é ligar as duas. Entre o fogo e a luz um terceiro elemento, o calor. A Luz é a inteligência, o calor é o Amor.
A condição básica para todo o trabalho é a humildade.
Santa Teresa d’Ávila diz que ser humilde é andar em verdade.
No Franciscanismo para que se esteja todo inteiro, íntegro, é necessário pobreza, humildade e simplicidade. O Santo é o que está todo inteiro. O ser simples é o ser imortal.
Ascese, uma arte de muito menos fazendo, obter muito mais.

Carlos Rodrigues


quinta-feira, 20 de setembro de 2012


Estado de calor temperado

De mansinho
A jornada de verão
Escolhe os homens
Que com o calor
Contemplam sábios
A repousada natureza.

O rio corre
Para que no peito de quem vê
Desague a inspiração necessária que o faz correr.
E na ponte que ser ergue ao fundo.
A ligação dá-se e os homens amam-se mutuamente.

Nenhuma emoção
É descartada do presente,
E o beijo natural do mundo
Arrepia a pele de quem sente o rio a passar.
Como se uma marcha militar passasse
E os gritos de fim de guerra durassem toda a eternidade.

Um cipreste estacionado ao calor da bela encosta
Mirando em paz a tarde plena de verão.

Como é clara e tão lúcida
Esta vida para além da morte!!
Ter a natureza como consciência
E permanecer de braços cruzados
Admirando seus notáveis prodígios.


                                                                                                                   Diogo Correia
                                                                                                                      9/08/2012


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

terça-feira, 18 de setembro de 2012

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Há um aspecto nas grandes correntes filosóficas que sempre me causou confusão. É que raramente consideram o factor humano e por isso se constroem como se as pessoas não existissem. Fala-se de grandes sistemas como se estes não fossem constituídos por homens ou como se aqueles fossem os determinantes das acções e a consciência e a vontade de cada um não tivessem a menor importância. Até em Marx que coloca o problema das classes sociais e da luta entre elas como o factor primordial no movimento da História, apesar de ser evidente que estas são conjuntos de indivíduos, tudo se explica como se aquelas se comportassem como um todo com iniciativa própria que estaria além dos seus componentes individuais a quem ditariam desígnios e modos de proceder. Hegel, com o seu evolucionismo histórico, fala da Humanidade como se esta, no seu dia a dia, obedecesse a leis deterministas de sentido único e geral a que os seres humanos se não pudessem subtrair. Isto sem chegar a questionar a ideia de progresso que lhe está subjacente e a que, em boa verdade, não serei capaz de atribuir a constância e a universalidade que se procura conceder-lhe. Para ser sincera, não sei se a História nos permite corroborar empiricamente semelhante observação e a Antropologia, pela variedade que destaca, chama-nos a atenção para o facto de nem todas as sociedades estarem submetidas aos mesmos mecanismos que provocaram o tal desenrolar progressivo de que estamos a falar. Mas este é um pormenor que pouco me interessa nesta ocasião e para o assunto que aqui me traz. A este nível, por exemplo, prefiro Kirkegaard que coloca o indivíduo no cerne da questão e constrói o seu pensamento a partir da referência do poder de decisão de cada um. A liberdade de que dispomos para escolher um determinado rumo na vida. Efectivamente, desde há muito que perfilo essa maneira de ver e é por aí que navego. Creio que tudo começou pela crítica do discurso vulgar que se faz em torno da ideia de destino, algo a que os meus queridos pais tanto me incentivaram. Não há um destino pré-definido; ninguém nasce com um fado, uma rota e um sulco traçados e muito menos irreversíveis. Deste modo, o futuro estaria pré-determinado pelo que poderíamos adivinhá-lo algo que, sabemo-lo perfeitamente, não acontece. Sempre achei assim que está na mão de cada um tomar as rédeas da sua própria existência e agir em conformidade. É claro que existem condicionantes e obviamente não deixo de ter isso em conta e sei como é vulgar que tais enquadramentos acabem por empurrar alguns, gorando-lhes por completo a sua livre iniciativa ou a possibilidade de a usufruírem. Pergunto-me se o filho de um miserável terá essa mesma liberdade tão em aberto quanto sucederá com um sujeito criado num núcleo familiar com todos os meios à disposição para se afirmar. Há pois uma inter-influência de factores em que a individualidade surge condicionada pelas circunstâncias em que vive. Seja como for, isso não implica que apaguemos o papel da pessoa e, mais, não nega ou não nos permite negar a possibilidade que sempre nos assiste de decidirmos e por via disso não só abrirmos o caminho que pretendemos pisar, como até modificarmos o sentido daquilo que nos rodeia. Como é que isso se passa, isto é, como e em que base se operam essas influências recíprocas, quais são os instrumentos que o produzem, não sei. Devo confessar que nunca reflecti sobre o tema. Mas é precisamente isso que me parece estar agora a passar-se connosco. Desde que aqui chegamos que nos temos guiado por ideias simples. A começar pelo motivo que aqui nos trouxe. Ele haverá quem denote um certo idealismo no propósito de querer erigir um mundo melhor mas, no fundo, o desiderato colectivo não ultrapassa a pretensão de apenas procurar encontrar uma forma de viver mais agradável e que a todos possa proporcionar um pouco mais de conforto e felicidade, fora das pressões habituais da busca individual do ganha-pão. Depois sempre temos partido do princípio da distribuição das tarefas pelos presentes de acordo com aquilo que há para fazer. Até ao momento, o método, se é de um método que se trata, tem resultado. Bem ou mal, umas vezes melhor outras pior, o certo é que temos levado a cabo aquilo a que nos temos proposto e seria um disparate se negasse que as coisas têm corrido a contento e ainda mais se não considerasse os saldos amplamente positivos. Nuns meros dois anos já conseguimos muita coisa e só o facto de estar aqui em pijama, agora que a madrugada se prepara para deixar os campos cobertos de geada, é disso o melhor testemunho. Contudo temos que admitir que a natalidade impõe ou pelo menos convida a dadas regras e se ela tem sido promissora por estas paragens. Enquanto o Adão foi o único bebé nesta aventura, tirando um ou outro remoque mais parvo, não houve qualquer problema. Mesmo com os dois nascimentos quase simultâneos que se lhe seguiram, foi possível permanecer no ritmo anterior sem dificuldades de maior. Mas agora temos mais um trio de um rapaz e duas meninas e outros tantos, se tudo correr como se espera, vêm aí. Significa que se repetirmos a receita, ficaremos com mais de metade da mão-de-obra feminina em casa o que naturalmente nos colocará perante o escolho de nos virmos a deparar com uma situação em que não encontremos quem possa fazer. Além disso, se até agora a ajuda da filha do senhor Abel se tem revelado eficaz e sido suficiente, com tantas casas a que acorrer, só por milagre poderiam os seus braços responder às solicitações inerentes. Havia pois que encontrar uma solução que, ao mesmo tempo, pudesse funcionar com garantias em termos de futuro. Por isso decidimos que a alternativa seria enveredarmos por aquilo que se consubstanciará na nossa primeira especialização. A Catarina que tem jeito e conhecimentos nestas matérias, organizará conjuntamente com a Dona Noémia um serviço de creche, onde, a partir do ano de idade, a pequenada ficará enquanto os pais estão a trabalhar e ainda, quando for necessário, no decurso desse primeiro aniversário, a mãe possa deixar o rebento para colaborar em alguma tarefa em que forçosamente tenha que tomar parte. Com isso, por um lado garantimos um máximo de gente para o labor produtivo e o número bastante para que a miudagem possa crescer em segurança e com o devido acompanhamento e, por outro lado, ao longo do primeiro ano que todos achamos ser importante que a mãe passe com o filho, podemos dessa forma dispor de mais esse recurso em casos em que tal se revele imperioso. O frenesim do mulherio em tornos dos partos é que não deixará de ser inevitável. Mas esse é um dia apenas e que para todos acaba por ser uma oportunidade de festejo. Já estamos a remodelar a ala esquerda do casarão que outrora albergou a criadagem para aí, com o uso que tem de um pequeno quintal próprio, instalar os apetrechos adequados e convenientes de modo que tenhamos além do quarto para que os pequenos façam as sestas e que já pintámos de azul clarinho, sobre o qual o Alberto pintalgou nuvens e estrelinhas numa decoração que dá gosto ver, uma cozinha que renovámos na íntegra e a casa de banho a que acrescentámos outra e adaptámos ainda uma divisão para o imprescindível trabalho de apoio pedagógico e administrativo e uma outra, a antiga despensa que bem ampla era, ou não fosse isto casa solarenga, a depósito de materiais, estando nos acabamentos um salão maior que conseguimos pelo derrube de uma parede, para que ali haja o espaço de jogos e aprendizagem. Para já a todos parece resolver as necessidades que temos.
E decidimos adoptar um novo costume. Por ideia e proposta do Félix, todos concordaram que é muito bonito que o pai e a mãe de cada criança plantem uma árvore por cada filho, à qual atribuirão naturalmente o nome do petiz. Na opinião do proponente, será uma maneira engraçada para deixarmos um marco desta nossa experiência e paralelamente começarmos a arborizar as imediações do casario e a praça onde contamos vir a ter um jardim. Só isto seria muito. No entanto o Quico quis ir mais longe e sugeriu que deveríamos educar as crianças no sentido de, à medida que forem crescendo, virem a ser elas a tomar conta da árvore respectiva. Após uma acalorada conversa, todos concluíram que seria uma forma de incentivar o espírito e o sentido de trabalho e sacrifício e a responsabilidade entre os miúdos e miúdas e, porque não, também, o gosto pela Natureza, acrescento eu e ainda de lhes incutir e desenvolver a noção da cooperação pois, especialmente quando chegarem à idade de serem eles a fazerem a poda, tudo será mais fácil se trabalharem em conjunto e isto, não sem antes o terem comprovado pelas actividades mais simples de limparem o local e apanharem as folhas. Esse foi um serão que se prolongou até altas horas e no fim todos foram unânimes em dizer que gostaram do que ouviram e, em conformidade, decidiram vir a pô-lo em prática. Num destes últimos dias, o José Pedro foi a um horto perto de Lisboa comprar aquelas que serão as primeiras árvores desse projecto. Um dia teremos o bosque dos descendentes.

FRESCOS

 
Uma letra de chuva esbarrou
na lente esquerda dos meus óculos,
confundindo a Lua com a luz
de uma gota de água.

domingo, 16 de setembro de 2012

Versículos



Manifestação

No fundo egoísta mais recôndito
de si mesmo,
eis o que mais interessa.
Todos.
Tudo.


Luís Santos


sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Corpo de mar escrito


Saboreio esta piscina de mar no Monte do Estoril
Todas as chinesas nuas dançam num fundo cinza
E rosa, não há gestos – todo o movimento seria
A mais, sobre ele me deitei para abraçar as deusas
A mais tímida avança mas não posso dançar com
Ela nua, voluptuosas formas, estou aberto a toda a
Energia e se só procuro o sol é para cegar, estou aberto
Em principio a todas as cores, vejo-as reais quase negras
Preciso de palavras quando só me apetece cantar
A ficção é uma palavra que só a define mas a piscina parece
Um tanque entre rochas – não será necessário dar nenhum
Nome a mulher tem um receptor dentro de si, sensações
Fluentes começa o poema quando já não sei o que dizer ou pensar
Já não sei o que é a erva fresca da vida nada mais fácil que encontrar Deus

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Recrutamento de Docentes Universidade de Cabo Verde


http://www.icote.pt/2012/08/26/concurso-de-recrutamento-de-docentes-universidade-de-cabo verde/< http://www.icote.pt/2012/08/26/concurso-de-recrutamento-de-docentes-universidade-de-cabo-verde/>

O concurso visa seleccionar docentes em regime de tempo inteiro e de tempo parcial para exercerem funções nas diferentes Unidades Orgânicas da Uni-CV(Departamento de Ciências Sociais e Humanas - Praia e Mindelo,
Departamento de Ciência e Tecnologia - Praia, Escola de Negócios e Governação - Praia e Mindelo; Departamento de Engenharias e Ciências do Mar - Mindelo; Escola de Ciências Agrárias e Ambientais - S. Jorge dos Orgãos, Ilha de Santiago.


Diálogos Lusófonos

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

MACUA DE MOÇAMBIQUE


Finalmente o Acordo Militar anexo ao Acordo de Lusaka (07.09.1974) viu a luz do dia.


Fernando Gil


terça-feira, 11 de setembro de 2012

FRESCOS


O céu não tem estrelas e não se notam as nuvens – as árvores suspensas e os candeeiros de iluminação pública, pondo à vista o vazio que paira no asfalto.

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Apesar da proximidade de aldeia em que vivemos a que se acresce o trabalho ou os trabalhos comuns que temos executado, o meu conhecimento das pessoas que me acompanham nesta aventura é ainda muito superficial, isto se considerar que nesta matéria é possível traçar uma perspectiva geral. Há, nisto das convivências, uma empatia natural que não conseguimos explicar. É assim, simplesmente e ninguém sabe porquê. Por qualquer razão que desconhecemos somos levados a simpatizar mais com este ou aquele, talvez se trate de uma espécie de atracção, o certo é que achamos mais graça a alguém, sentimo-nos mais à vontade com uns do que com outros, há, perante determinadas pessoas, uma maior descontracção que nos predispõe a ouvir ou a receber, a partilhar, muitas vezes tudo se traduzindo tão só no mais simples gargalhar que faz do estar junto um gosto. É um mistério, do mesmo modo que o inverso também sucede e gente há de quem nos sentimos repelidos no mais curto e fortuito dos cruzamentos. É o que me acontece nesta experiência em que me decidi envolver. Daí que apesar da mediania do que se me vai formulando a respeito dos convivas seja baixa, rostos há que me são cada vez mais familiares e biografias de que vou sabendo mais e mais detalhados pormenores. O tecto de cada família pôs termo naquela vida colectiva dos primeiros meses e, desde que pudemos dispor de uma mesa para convidar alguém para jantar que nós lá fomos obedecendo a essa lei de nos darmos melhor com uns do que com outros e nas muitas noites em que temos sido visitas ou anfitriões de companheiros, houve uma variedade pequena que se reduziu à sucessão das repetições. Eu gosto muito da mulher do senhor Abel. Está bem para ele. Nem é aquele caso corriqueiro de a mulher se ajustar à sujeição a que se vê forçada perante o marido. É antes das compatibilidades das maneiras de ser que se trata. De resto, muito embora ele colabore numa ou outra tarefa dentro do lar, já o vi varrer a cozinha e a pôr e levantar a mesa ou a lavar a loiça, é ainda a ela e à filha a quem incumbem os recados domésticos e os contributos no masculino ainda não vão além disso mesmo, uma simples colaboração. Bem, falando assim até parece que nem é nada de extraordinário o que ele faz. É o que dá viver numa pequena aldeia, lá vamos sendo atingidos pela intimidade dos vizinhos e ficamos a saber que por detrás daquelas paredes alguém está farto de outrem ou mesmo naquela cozinha há quem não tenha nada que se intrometer. Para além de estar consciente como é o costume por esses lares fora. Homem ganhando o pão, a mulher de vassoura na mão. Mas a miséria que também as atira para a faina, é a que as afunda no duplo sacrifício de alimentar a prole e cuidar de todos. É o que tem sido a secular tragédia no feminino. Ora longe vai assim o senhor Abel, mas não é um paradoxo que seja ao mesmo tempo tão pouco o que dá? Mas a dona Noémia não é mulher que se intimide e muito menos de virar a cara para perder tempo com queixas e lamúrias. Cresceu com o pé descalço e o nariz ranhoso de um rosto sujo que uma grande ninhada nunca foi o melhor meio onde olhar por maneiras e aparências. Mas ouviu as prédicas do pai contra a injustiça daquela pobreza de alimentar patrões. Mas também lhe ouvia dizer como era importante a liberdade e por isso a honradez de nunca andar em falta com alguém. E por isso foi à escola e aprendeu as letras e as contas e com a mãe teve que aprender a fazer sopa a partir de ervas e vagens e um par de batatas. Depois instruiu-se em ofícios; de costureira e chapeleira em que, para além das artes, umas meninas de farda lhe deram a saber que havia maneiras de dizer e modos de agir, porque haviam aqueles que pediam umas calças e aqueles que aos coletes juntavam fatos completos e até camisas e roupa interior. E de casa trouxe ainda a certeza de que a filosofia, por si, não enche barrigas e que ao pobre, se resta a revolta, para que um dia chegue lá importa dar ao braço, sem negaças nem desânimos e de preferência com um sorriso ao Sol que para todos nasce e a nenhum cobra as alegrias que sejamos capazes de descobrir. Gente assim, dizia-lhe a mãe, não pode estar doente, ainda que seja quem mais cai em tal armadilha. Pois é disso que a dona Noémia resulta naquilo que é, uma pessoa bem disposta e sempre com olhar positivo sobre as coisas. Há algo para resolver? Não se sabe como chegar lá? Só o cruzar de braços deixa de ser uma opção e por mais que se erre naquilo que se tente, o que é verdadeiramente importante é justamente a tentativa pois é daí que sai o que se costuma acertar. Há uma aflição, algo que possa ter um mau desfecho e más consequências? Vamos primeiro esperar por elas e isto sem prejuízo de as tentarmos evitar ou remediar e por fim fincar o pé para lhes encontrar respostas e soluções. É esta a sua sabedoria que na vida encontrou o compêndio principal e têm sido estas as lições que me vai dando, quando despachamos louças e despojos de jantares repartidos e a convite e a que, amiúde, se têm juntado outras presenças, especialmente as do Gustavo e da Viviana e as do Félix e da Éster. E agora que vai ganhando confiança com os outros e com a sua própria posição neste universo, vamos percebendo que se por um lado não é de falar pelo aproveitamento das ausências e como não se mete na vida de quem quer que seja e é mulher inteligente, tenho a certeza disso, é daquele género de conhecimentos em que podemos confiar e com quem podemos entabular amizade. O casamento é um contrato, diz ela, em que pode haver amor ou em que, pelo menos, as pessoas julgam partir com o amor, mas no fundo não deixa de ser um contrato, sobretudo para que duas pessoas possam ajudar-se entre si a viver e a criarem os filhos que vierem. Depois também há o amor, mas este precisa que se cuide dele que se vá cuidando dele à medida que os anos vão passando. E o amor não fica o mesmo, não é para sempre a cara bonita que nos fez sorrir quando éramos novos. Esse desaparece e não volta, mas deixa o seu rasto que podemos levar a que floresça e se traduza numa riqueza de nos darmos bem e de gostarmos de estar juntos e partilharmos os risos e as borrascas que a vida nos traga. E para isso, muitas e muitas vezes, é preciso ter sorte, como a que eu me convenço que tive por ter encontrado o Manuel. É claro que desgastado como anda por todo este esforço titânico que temos desenvolvido, já não é aquele rapaz bonito e elegante a quem a franja puxada para trás e as gravatas bem postas faziam parecer o principezinho que me encantou, mas mesmo com as olheiras mais fundas continua gracioso e trata-me com tanto, tanto carinho. E é curioso como, depois de uma troca de impressões com a dona Noémia, reparei que ele nunca disse que me ajudava em casa, antes fazendo sem perguntas toda e qualquer coisa que possa estar por fazer, sem que alguma vez tenha sido preciso dizer a quem cabe o quê. Fiquei tão contente quando ela me disse que é precisamente isso que faz a paixão de um casamento. E agora tenho a certeza de ter sido isso que se passou entre o paizinho e a mãezinha.
Continuamos afortunados nas colheitas. O olival, mesmo velho, deu novamente uma safra extraordinária, ainda maior que a do ano passado, o que a todos levou a perguntar o que seria se se tratassem de oliveiras novas. E tudo o mais se excedeu quanto ao que poderíamos esperar o que, no caso da cortiça extraída, nos permitiu saldar a dívida contraída para com o José Pedro por causa das habitações. Falta apenas a dos silos e da represa que o depósito de água e o resto já estamos a pagar com os dividendos apurados pela cooperativa. O Raul e o Rui voltaram a resmungar face à distribuição de réditos, mas permanece a equitatividade nos benefícios. Quanto a mim é assim que deve ser.
Lá fora está um vendaval terrível.

domingo, 9 de setembro de 2012

Versículos


Caminho

Imensa a nossa natureza.

Por detrás de cada um
longo e infindo cordão genético
a nossa quase inamovível fortaleza,
à nossa frente uma eterna natureza.


Luís Santos


sexta-feira, 7 de setembro de 2012

EGIPTO QUO VADIS? “O Islão não oferece soluções”



António Justo

“Segundo estimativas de especialistas, os militares egípcios, com pessoal em uniforme e civil, são hoje os maiores dadores de emprego no país”, como descreve a notável revista alemã “Cicero”, August 2012, num artigo sobre o Egipto. O negócio dos generais cifra-se entre 10 e 40% da economia egípcia, refere ainda a revista.
Agora, com o islamista Mohammed Mursi na presidência, os militares perderam influência no aparelho do Estado. Apesar disto, Mursi (que vem do seio da radical Irmandade Muçulmana), terá de se moderar nas suas pretensões de maior islamização do país, se pretende conseguir impulsionar a economia que só será viável num clima de estabilidade política e social. Também não poderá renunciar às receitas do turismo, outro factor modernizador a domar o zelo e a fúria inicial de forças islamistas que pretendiam irradiar da cultura egípcia o que não fosse islâmico.
Também a rivalidade vigente, entre o Tribunal Constitucional, Militares e Presidente, pode revelar-se como factor moderador das intenções do Presidente e impedir confrontações. Entretanto os islamistas, com a sua maioria parlamentar, demonstraram que não tinham soluções para os problemas do país: alimentação, escola e hospital. Até setembro terá de ser elaborada uma nova constituição a ser aprovada por plebiscito.
“O Islão não oferece soluções” disse Amr Mohammed Musa, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Egipto em entrevista a “Cícero”. Amr Musa  foi escolhido para ministro das Relações Exteriores, a desejo dos militares, para indicar uma certa continuidade pró-ocidental e que a política anti-israelita não será o caminho da política externa.
O ministro dos meios de comunicação social (estatais) é Salahedin al Maksud, também ele, membro eminente da Irmandade Muçulmana. O programa de promoção do islamismo encontra-se assim em boas mãos. Uma inovação da TV estatal egípcia revelou-se no facto de o noticiário passar a ser apresentado, depois de 50 anos, por uma jornalista com véu islâmico na cabeça. Esta inovação foi exibida como sendo uma “vitória da Revolução de 25 de Janeiro”. A agenda da “Irmandade Muçulmana” é longa; agora que se encontra no poder, exercê-lo-á com decretos, não precisando, para já, de recorrer à violência física. Entretanto a censura acentua-se e a insegurança nas comunidades não muçulmanas também. O objectivo declarado da Irmandade Muçulmana fundada em 1928 é estabelecer uma ordem social subjugada à moral do Corão e à jurisprudência da Sharia islâmica.

Informação estrutural enganosa ou factual descontextuada

Nos sistemas muçulmanos, a formação de uma oligarquia militar corresponde, por vezes, por muito contraditório que pareça, a um elemento diferenciador duma sociedade de cunho religioso monolítico e hegemónico onde perspectivas seculares civis se tornam difíceis. Os militares, tal como na Turquia, formam como que uma pequena nobreza, que se tem revelado como elemento correctivo do islamismo absorvente e omnipresente. Ao contrário da democracia ocidental que favorece a alternância dos partidos mais fortes no governo, o sistema hegemónico muçulmano favorece o fenómeno dual: dum lado os militares e do outro, os imames (cabeças das mesquitas: o seu poder de mobilização política pode verificar-se nas demonstrações organizadas e realizadas às sextas-feiras logo a seguir às orações nas mesquitas) e a revolta terrorista. Por muito estranho que pareça os militares têm-se revelado como parceiros mais sérios em relação ao estrangeiro atendendo aos interesses comuns. De lembrar, neste contexto o ataque sistemático dos grupos islâmicos radicais contra a formação de exércitos e a organização policial estatal, no Afeganistão, Iraque, etc.
Se aos países ocidentais, o que mais os une é o sistema liberal capitalista (competição em torno do trabalho/consumo), aos países muçulmanos/árabes une-os a religião muçulmana que é ao mesmo tempo programa de vida e ideal político…
Nas sociedades muçulmanas não se tem revelado possível o desenvolvimento duma cultura cívica/secular (possibilitadora duma democracia aberta) por razões teológicas, antropológicas e sociológicas. Enquanto o ocidente se orienta pela fórmula cristã “dai a Deus o que é de Deus e a César o que é de César” (princípio de distinção entre realidade secular e realidade religiosa: Homem por um lado como ser divino e por outro como ser secular), as sociedades de cunho árabe não conhecem esta dualidade deixando tudo para Deus, sem nada para o Homem numa atitude de súbdito e, consequentemente, de ser definido e controlado apenas pela religião. A mitologia ocidental ao conceber o Homem como filho de Deus reconhece no Homem os genes divinos e consequentemente o direito do Homem à individuação e à personalização. No Islão não há o conceito de Homem como filho de Deus nem tão-pouco o Homem pode ter comunhão com Alá tanto no aquém como no além. Isto ocasiona diferentes antropologias e diferentes sociologias, com as consequentes maneiras de estar no mundo e de se compreender o Homem e a política. Se nos países de influência cristã o Homem é concebido como ser autónomo, anterior ao religioso, nos países de influência islâmica o Homem é concebido como súbdito, só tendo sentido dentro do religioso, da Uma (a grande comunidade islâmica). Aqui, o ser humano individual não tem consistência pessoal, só grupal. Daí o facto de, quando se fala em democracia, assim como quando se fala em direitos humanos, os ocidentais e os árabes compreenderem coisas totalmente diferentes.
Geralmente, os jornalistas e os políticos ocidentais, quando avaliam os acontecimentos nos estados árabes e quando falam de integração de estrangeiros equivocam-se porque julgam que as palavras e as manifestações públicas duma cultura são equivalentes às da outra, quando, muitas vezes expressam precisamente o contrário do que se diz delas. Enquanto o Ocidente aposta sobretudo na força militar e na expansão económica os países de influência árabe apostam tudo na religião e na expansão da procriação.
O entusiasmo e optimismo dos meios de comunicação ocidental nas notícias sobre o Norte de África e outros conflitos internacionais leva o público a avaliações não aferidas à realidade meramente factual.
A informação publicada, além de ser equacionada em perspectivas políticas condicionadas pela própria localização política, sofre do equívoco de falar de realidades que, muitas vezes, não passam de projecções da própria mundivisão sobre a dos outros. Temos assim uma informação estrutural do satus quo enganosa ou factual descontextuada.
Por vezes tem-se a impressão de se viver no século V do império romano, assolado, ao mesmo tempo, interna e externamente. Os tempos que se aproximam para o norte de África e para a Europa pressagiam muita instabilidade! Todos terão de mudar muito a nível de mentalidades e de estratégias de poder!

António da Cunha Duarte Justo


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

BALADA DO TEMPO


É o tema que vos ofereço esta semana e que poderão ver aqui neste link:


As minhas habituais amistosas saudações.
Euclides Cavaco
cavaco@sympatico.ca

Aceite o meu convite e venha tomar comigo um cálice de poesia.
Entre por aqui na minha sala de visitas e saboreie da que mais gostar...
www.ecosdapoesia.com

quarta-feira, 5 de setembro de 2012


A CONCRETUDE DA CASA

A casa se esforça em cumprimentos.
Mimética, esconde fissuras e a parede
desbotada do passado; reafirma cores
inexistentes, ilude; ouve as pessoas
dizerem da vida lá fora e lembra
sua construção: a edificação exige
equilíbrio e graça na modificação
dos materiais, na sobreposição
das lajes, no colocar tijolos e no cobrir
o corpo em telhado; a casa conhece
cada pedaço do seu todo: as junções
vitais dos encanamentos e a energia
referida ao uso das utilidades.

(Pedro Du Bois, A CONCRETUDE DA CASA 9, ed. do autor)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



Já não era sem tempo. Foi difícil, foi mesmo aquilo a que se chama um parto difícil, mas finalmente a electricidade chegou às nossas casas, o mesmo é dizer que regressou às nossas vidas, não sem antes termos passado por vicissitudes que, no mínimo, seriam ridículas para nem dizer bizarras se, em alguns aspectos, não tivessem sido muito simplesmente ofensivas. Desde que aqui chegámos e em breve farão dois anos, requeremos abertura de uma extensão de rede até ao local onde vivemos e que implicou a instalação de cabos desde as linhas que passam sobre a berma da estrada ao longo de uma mão cheia de quilómetros. Não será propriamente dito como tratar de abastecer um prédio na cidade mas também que diabo, do mesmo modo não será nada do outro mundo. E muito menos se tiver em conta que até fomos nós quem instalou os postes e naturalmente assegurou os custos da operação. Para nem referir que o próprio projecto foi todo ele elaborado pelo pessoal do burgo e que às entidades oficiais apenas competiu, para além das aprovações legais, colocar os cabos e, digamos assim, ligar o interruptor. Seja como for, quase dois anos para aquilo que se poderia fazer numa semana, é obra, temos que o reconhecer. Primeiro foram as mãos que se untaram ou tiveram que untar para que a papelada chegasse célere a quem de direito, depois para que os despachos fossem rapidamente executados e, ainda assim, não fosse o José Pedro o neto de uma memória respeitável que por enquanto perdura nos mais velhos, nada me espantaria se ainda hoje estivéssemos à espera das decisões alheias. Isto porque ele lá foi sabendo da curiosidade que toda esta gente representa para as autoridades locais, coisa estranha para um menino como ele, eventualmente vítima de más companhias que tamanhas desconfianças deixam à volta das possibilidades de andarem dedinhos comunistas por detrás de tudo. Afinal o que poderia levar pessoas como eles que somos nós, quase todos formados, a virem para este fim de mundo para viverem como… E por esta dúvida se escoaram as semanas. Estou convencida e não sou a única que o pensa, nem mesmo, entre nós, fui a primeira a dizê-lo, foi o tempo para que as nossas vidas tenham sido escrutinadas de fio a pavio e, como o senhor Abel já teve problemas com o regime e alguns dos outros não morrem de amores por ele, os guardiães da ditadura se certificarem que não há qualquer propósito subversivo que, no imediato, tenha por fim pôr em causa a quietude podre em que assenta o quotidiano num sistema repressivo. Eis porque andámos cá e lá, mais um papelinho, mais uma assinatura e por fim a autorização desejada que logo mereceu um pequeno festejo. Sinto-me novamente uma pessoa civilizada e como iremos passar este Natal com os meus pais, trarei a grafonola que o paizinho me prometeu como forma de comemorar mais esta nossa aquisição. Tenho tantas saudades de escutar uma boa peça de música. Pois ainda bem que as noites deste Inverno que está a chegar, terão mais este aliciante. Para já não me canso da alegria de ver a casa iluminar-se pela magia da pressão de um dedo. Falta a iluminação da rua e só espero que todas estas demoras e demandas se não repitam e o Senhor Presidente da Câmara autorize rapidamente, coisa que, pela voz dos entendidos, não será fácil e que não deveremos esperar tão cedo. Faço votos para que estejam errados. Agora que calcetámos a colina até ao cume, onde ficou demarcado o círculo em que pretendemos erguer o depósito de água e que deixámos os passeios prontos ao longo da ladeira das casas, seria bonito dispormos de uma sucessão de candeeiros para iluminarem as passadas nocturnas. E o caminho que nos liga à estrada ficará certamente mais seguro quando não for apenas a escuridão a cuidar dele. Daqui até lá, demo-nos por satisfeitos por não termos que andar com o candeeiro a petróleo na mão sempre que mudamos de divisão. É, sem margem para dúvidas, um passo à frente para este nosso pequeno mundo. Só por isso compreendo que os homens tenham decidido fazer uma festa de arromba que teve direito a pé de dança e tudo. E fizeram a coisa dentro do maior secretismo que nem o meu marido se descoseu com o que quer que fosse, não deixando transparecer o mais leve sinal de que algo se iria passar. Ao que parece foi o senhor Abel que teve a ideia e o Zé Pedro que deve ser tão maluco quanto aquele, não só tratou de lhe dar ouvidos como de imediato reuniu uma equipa que tratou de tudo. Com isto do interesse pelos cantares populares da zona, o Félix tem feito conhecimentos não só entre rostos que vivem perdidos pelos montes e as aldeias das redondezas, como entre pessoas ligadas a colectividades, especialmente a que serve de apoio à filarmónica da Vila. Pelos vistos ainda não arranjou qualquer aluno para as aulas de música que se nos mostrou disposto a ministrar, mas lá descobriu um gosto comum no Artur e na mulher deste e não lhe deve ter sido difícil convencê-los para o acompanharem com cadernos de pautas e a viola que este último domina, para irem ao encontro do registo de letras e respectivas músicas que o povo canta de cor e passa de geração em geração. Foi por ele que os estrondos dos foguetes nos despertaram para um burburinho longínquo que, pela aproximação, acabámos por identificar como música. Agora que temos metade das mulheres em casa por causa da prole nascida e da que está para nascer, foi já com as bocas abertas na rua que a surpresa se desvendou, na visibilidade da azinhaga, com a banda marchando e os homens, com o senhor Abel à frente lançando as canas para o ar, pulando e dançando sob o ritmo das tarolas que se confundiam com o estilhaçar do foguetório. Depois houve bailarico e o José Pedro concluiu com um discurso curto e simples mas bonito, em que nos recordou que, aos poucos, por muitas e espinhosas que as dificuldades se nos revelem, lá vamos dando provas que não estamos aqui em vão e vamos ficando cada vez mais longe de um mero bando de sonhadores. Montámos mesa no salão da casa grande e, embora de improviso, fizemos um jantar em que se brindou à saúde de todos, ao bem estar dos nossos filhos e ao futuro em que almejamos ser felizes.
Agora, quando sair daqui, já não terei que soprar pelo topo de uma barriga de vidro. O apagar da lâmpada não deixa rasto de cheiro no ar. Será que me começo a sentir no paraíso? A verdade é que me tenho sentido tão feliz.

FRESCOS

PORTELA


Deparei com o silêncio dos edifícios, o silêncio e a quietude dos edifícios.

domingo, 2 de setembro de 2012

Auto retrato





Foto de Lucas Rosa
(para ampliar clique na imagem)