terça-feira, 25 de setembro de 2012

A COMUNIDADE DO VALE DA ESPERANÇA - UMA CRÓNICA



O mínimo que se pode dizer é que andamos muito industriosos. O Artur veio com uma conversa que depois de um nem pensar peremptório e da insistência que não virou a cara às dificuldades, cresceu de mansinho e foi evoluindo de um temos que pensar sem convicção para um olhar mais atento de adeptos que, aos poucos, foram surgindo e agora começaram a ponderar seriamente nas razões da proposta e sobretudo nas vantagens que deixa antever e mesmo em face da objecção prática de não termos braços que cheguem, acabou por manifestar a resistência de considerar a solução da empregabilidade de força laboral externa ao grupo. Ainda não há decisões e, pelos vistos, muito haverá a fazer se for o caso de passarmos dos planos à prática. Contudo já não estamos no patamar de uma rejeição pura e simples, sequer no de uma mera hipótese vaga e distante. Diria que ganhou a respeitabilidade das coisas plausíveis e vantajosas e, com isso, o direito ao estatuto de iniciativa em agenda. Veremos o que nos ditarão os próximos capítulos. À semelhança dos vermelhos e dos brancos, dos amarelos e azuis selvagens que salpicam os repousos da planície, a ideia teve no parto a espontaneidade do que surge sem licença. Foi a propósito de uma prospecção pelo olival que ele, com o mesmo entusiasmo com que nos descreve as recolhas musicais em que tem participado com o Félix e com as quais, tanto um como o outro, andam completamente entretidos nas horas e dias de folga, fazendo aquele sorriso infantil que o caracteriza quando expressa algo que toma por engraçado, deixou escapar a voz de um pensamento em primeira mão e, sem que alguém esperasse, atirou para o ar, “-E se nós em vez de vendermos a azeitona nos dedicássemos a produzir o azeite e lançássemos a nossa própria marca?” Deu para ver que há quem tenha os pés bem assentes na terra e logo opusesse o obstáculo do não só não termos gente para chegar a tanto, como mais do que não termos uma rede comercial que nos permitisse escoar o produto, não possuirmos qualquer experiência num plano que requereria um verdadeiro deambular de caixeiro-viajante. O ora isso arranja-se da altura, terá sido então um desabafo que teve mais de reflexo que de resposta reflectida. Mas a verdade é que o bichinho deve ter continuado a remexer-lhe no cérebro e dois ou três dias depois, trocando impressões com o Manuel, avançou com a possibilidade de contratarmos pessoal, inclusivamente no campo de uma espécie de departamento de vendas que, segundo ele e aqui começou o interesse alheio pela sugestão primitiva, mais cedo ou mais tarde teremos que ter se quisermos, como tudo indica que o faremos, vir a expandir os negócios para a criação de ovinos e a exploração da lã e dos produtos lácteos que das ovelhas poderemos vir a obter. Bastou-lhe a hesitação que vislumbrou no meu marido e o certo é que não descansou enquanto não sentou à sua volta uma plateia desperta para aquilo que tinha em mente. Pois foi desse modo que se estabeleceu que, de acordo com a colheita deste ano, assim estudaremos a viabilidade de ensaiarmos uma pequena parcela para um engarrafamento de azeite corrente com uma determinada chancela e avaliarmos as vias de distribuição, para vermos se vale ou não a pena ter o trabalho e o investimento de tempo e energias em tal empresa. Se tudo correr bem, repetiremos o propósito no ano seguinte, afectando uma maior litragem a esta venda. Para já temos que nos munir com mais um ou dois depósitos e recuperar aquele que aqui se encontra –se for recuperável como parece que é- e vimos que poderemos ser nós a proceder ao engarrafamento e rotulagem, mas se o escoamento vier a exigir uma oferta maior, teremos que criar o nosso próprio lagar, como igualmente uma linha de produção em que mecanizaremos toda a actividade. Então, muito provavelmente, passaremos a empregadores. Criativo como é, o Artur apareceu pouco depois com nomes para a marca, alguns deles bem engraçados. “-Use o azeite Plutão que faz bem ao coração.”. Anunciou ele, de braços abertos, como que a querer convencer-nos da bondade dos seus argumentos comerciais, embora aí não tenha logrado obter o beneplácito dos sócios e o mais que conseguiu foi a promessa de lhe darem a primazia no baptismo do produto, contudo, só no momento apropriado, isto é, na altura em que estiver ponto assente que o novo empreendimento se levará a cabo, até pelo critério comezinho de não metermos a carroça à frente dos bois. As novidades é que não ficaram por aqui e a outra veio da parte das mulheres que procederam, à apanha das pinhas nuns quantos hectares de pinhal que temos a uma vintena de quilómetros daqui, no outro lado do rio. Alguém tem andado por ali a explorar furtivamente a resina, mas isso são contas de outro rosário que teremos que resolver, em última instância, na justiça. Esperemos que não seja preciso chegar a esse ponto. Até lá teremos que apanhar os marotos e pelo menos parece que vamos ter um outro motivo para nos interessarmos por aqueles terrenos. É que a Graziela e a Éster, dando conta da quantidade de pinhões que acumularam depois de batidas as pinhas que o amadurecimento abriu e apurado o excedente que o quinhão de cada família deixou, depois de conseguirem inventar uma pequena embalagem em papel, decidiram empacotar às duas dezenas em cada um e lá convenceram os maridos a tentarem vender o produto final pelos cafés e as mercearias da região, antes de tudo, munindo-se do parecer da Viviana, segundo o qual o pinhão é excelente alimento que faz bem ao sangue e, creio, aos intestinos também. Seja como for, a verdade é que venderam tudo e mais venderiam se o tivessem para o efeito. Como é fácil de ver, todos concordaram que o dinheiro conseguido era deles, uma vez que só eles se interessaram e não tiveram qualquer auxílio fosse de quem fosse. Pessoalmente gostei de lhes ouvir que, apesar disso, para o próximo ano e com uma postura mais profissional, digamos assim, aquela produção deveria passar a integrar o quadro de rendimentos da comunidade e, naturalmente, os parceiros deveriam dar o seu contributo para o sucesso da exploração. Aliás, até para que possamos evitar os larápios, todos perceberam que o pinhal terá que ser catado naquilo que nos pode dar e, nessa condição, será essa uma forma de não ficarmos com excedentes inúteis. Vamo-nos fazendo aos poucos, da mesma maneira que aos poucos vamos aprendendo a fazermo-nos com a experiência e a sabedoria de experiência feita. Na sua última carta, o paizinho fez-me ver como isso é motivo para que nos sintamos orgulhosos, no bom sentido, é evidente, sem o mais leve toque de vaidade ou da patetice da sobranceria. Estou tão feliz por o saber um nosso fã.
Com toda esta azáfama chegou a hora de organizarmos um sector administrativo. Como disse o José Pedro, há impostos que vamos ter que liquidar regularmente, assim como há facturas que teremos que processar e, portanto, toda uma contabilidade que teremos que concretizar. Além disso, começa a acumular-se correspondência que é preciso sistematizar e arquivar e principalmente importa que todas as contas sejam claras e estejam ao alcance de todos. Daí que a mulher do Acácio –não é que agora não me ocorre o seu nome?- tenha feito um excelente trabalho burocrático pelo qual conseguimos obter toda e qualquer informação em menos de um minuto. Depois da Dona Noémia e da filha e da Catarina que tomam conta da miudagem, passou ela a ser uma outra pessoa desafectada do trabalho braçal e passará a laborar no escritório que montámos numa divisão do casarão. A linha telefónica que pedimos para ali é que parece vir a ser uma saga ainda maior que a da electricidade. Mais uma vez espero estar redondamente enganada.

2 comentários:

A.Tapadinhas disse...

É uma altura de viragem, essa, em que a comunidade começa a cair nas garras da papelada burocrática...

Prevejo a aproximação de fortes tempestades...

Abraço,
António

Luís F. de A. Gomes disse...

Vamos então esperar para ver.

Aquele abraço, companheiro
Luís