MIRADOURO 32 / 2014
O
ESTADO DO TEMPO – IV
Enquanto
o Interior está cada vez mais votado ao abandono e isolamento, os jovens a quem
falta o atrevimento da abalada envelhecem precocemente e os velhos aguardam de
forma mais ou menos conformada a chegada da morte, no Subúrbio aumentam as
falências dos pequenos negócios que resistem até não poder mais (as fábricas
que existiam já há muito que fecharam), definham as expectativas de vida no
sucumbir dos sonhos de quem procura, procura e não encontra e a exclusão social
cresce e alarga-se como uma praga.
Os
jovens não conseguem iniciar qualquer carreira profissional porque não há
emprego e, como tal, emigram ou resguardam-se no apoio dos pais, aqueles que
ainda podem e não estão, eles também, desempregados.
O
desemprego é de longa duração ou vitalício.
A
fome entra em cada vez mais casas.
Um
número crescente de enfermos de vários males negligencia ou suspende os tratamentos
por falta de recursos.
Os
salários continuam a baixar e os impostos a aumentar.
A
extrema e continuada austeridade mata a já de si frágil economia tornando
impossível qualquer desejada e necessária recuperação.
A
classe dominante afoga-se em escândalos e corrupção perante uma justiça
cúmplice ou inoperante que nunca consegue encontrar culpados.
Os
ricos são cada vez menos e mais ricos e os pobres são cada vez mais e mais
pobres.
E
enquanto isto, entram em cena a toda a hora os governantes.
Perante
um povo incrédulo e estupefacto cantam os méritos de um país que não há ou,
pelo menos, não reconhecem como o seu. Exibem toda uma panóplia de truques e
passes de mágica ensaiados pelos assessores no recato dos gabinetes. Transfiguram
e manipulam resultados e indicadores que interessam com rostos “sérios” e olhares
“acutilantes” que por vezes se adoçam em esboços de sorrisos.
Há
um ovo de serpente a germinar, sente-se, mesmo que não se saiba bem.
Depois
vêm outros comentar o que estes disseram.
E
todos sabem tudo.
Cada
um sabe melhor que todos os outros.
Dizem
e pronto fica dito como se o trabalho ficasse feito.
E
isto vai-se repetindo e repetindo e repetindo …
E
nós vamos ouvindo e pensando cada vez mais comummente, creio:
Para
quando um saber que some os saberes de todos e se possa concretizar em projecto
credível, concretizável, unificador e mobilizador?
Para
quando o erguer dos pilares que sustentarão o edifício?
Cada
vez há mais gente com vontade de arregaçar as mangas, unir esforços, mobilizar
vontades.
A
vida é todos os dias e cansa-se de tanto adiamento, tanta espera.
Porque
é que é tão difícil assim?
MJC
Foto: Edgar Cantante
2 comentários:
Deus tem o saber de todos os homens: dos que morreram, dos que estão vivos e dos que hão-de nascer.
Afinal, para que serve tanto saber?
Abraço,
António
Mas Deus, se calhar, já não tem de se preocupar com estas coisas terrenas, andará pelos territórios imateriais, ilimitados e insondáveis do espírito.
Já nós simples mortais dependemos ainda de coisas tão "banais" como a matéria e, se falo do desejo de juntarmos os nossos parcos saberes sempre limitados, é para ver se conseguimos dar-lhe outra organização. Uma talvez mais justa e equitativa coisa que não me parece difícil de conseguir. Desde que hajam vontades para isso, tu não achas?
Abraço.
Manuel João
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