sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Notas sobre o Culto do Espírito Santo na Arrábida



 por Maurícia da Conceição    



De memórias ancestrais da tradição histórico-cultural portuguesa, passando por reminiscências de Prisciliano (séc. IV), confluíram no séc. XIII, influências vindas da Calábria, na teologia do cisterciense Joaquim de Flora (ou, de Fiore). O abade teorizou a história humana em três fases: Idade do Pai, do Filho e a terceira Idade, do Espírito Santo, que consumaria a fraternidade entre todos os povos, conforme o significado Pentecostal expresso no Evangelho de S. João.

Estas ideias expandiram-se para a Península Ibérica, veiculadas pelos Franciscanos Espirituais, em Aragão, encontraram eco na obra e acção do médico, estudioso de alquimia, Arnaldo de Vilanova, seguido por discípulos, como Ramon Lull, também ligado aos franciscanos. As tendências difundidas na época, em Portugal tiveram concretização no Culto do Espírito Santo imaginado e instituído pela Rainha Santa Isabel, coadjuvada  pelos Franciscanos espirituais e o apoio do Rei D. Dinis.

Agostinho da Silva realçou que, desde séc. XIII, “Na sua forma mais perfeita, consistia a Festa, celebrada por altura do Pentecostes, na coroação de um imperador do Império do Espírito Santo, geralmente uma criança, na celebração de um banquete ritual, gratuito para todos que o quisessem, e no libertar-se presos da cadeia local”.

Com os Descobrimentos, este culto genuinamente português, estendeu-se aos Açores, Brasil, América, tendo sido silenciado em Portugal continental a partir do séc. XVI, pela Contra- Reforma. Resistiu ainda no séc. XX, em algumas localidades como Tomar, ou Sintra onde foi interrompido.

Na Serra da Arrábida, retomámos esta tradição transmitida pelo Pensamento de Agostinho da Silva, no encontro organizado pelo Império de S. Filipe do Espírito Santo. a 19 de Maio 1991, domingo de Pentecostes; com a presença de António Quadros dedicando “Trovas para o Menino Imperador - no Dia de Pentecostes”, ao ritual de Coroação das Crianças. Também, Dalila Pereira da Costa se uniu a esta celebração, como António Cândido Franco, Paulo Borges, Eduarda Rosa e outros amigos, António Telmo colaborava, então, connosco no projecto da Casa de Estudos Universo, em Setúbal.

Este encontro pentecostal tem sido continuado pelo Convento Sonho e Associação Agostinho da Silva, com o apoio do Convento da Arrábida - Fundação Oriente.

Enaltecendo a íntima harmonia com a Natureza, reiniciou-se o ciclo do Culto do Espírito Santo, preservando na essência: a Coroação da Criança, símbolo da inocência a imperar no mundo; a Liberdade de ser, e a Paz, simbolizadas na Pomba; a partilha do pão para todos, concretizada no Bodo; a exaltação do ideário de Fraternidade no convívio ecuménico, em diversidade de crenças, religiões e culturas.

Afirmou Agostinho da Silva, acerca desta celebração e relativamente às Trovas para o Menino Imperador, de António Quadros: “poema extraordinário, marcado a um tempo pela atenção ao Povo de Portugal e pela compreensão do que há de fundamental em sua cultura, em seu Amor da Terra e do Céu, e do Menino, como símbolo da perfeição que pode atingir em ambos seus campos, se realizou, íamos dizendo, a Festa do Espírito Santo na Serra da Arrábida, festa que foi de todo Portugal no século XIII, reinado de Dom Dinis e Santa Isabel, festa não apenas comemorativa, o que já seria muito, mas prospectiva e programática, o que é o supremo do pensamento e da acção. [...] Creio que o da Arrábida foi o ressurgir dele, a Grande Festa Portuguesa, o seu ressurgir para o País e para o Mundo” (George Agostinho, Uma Folhinha de Quando em Quando – Junho 91, Império do Espírito Santo).

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