sábado, 11 de agosto de 2012

...Tudo isto é fado


COISAS DE POLIR, COISAS DE LIXAR

A IDEOLOGIA da não ideologia, isto é, a ideologia daqueles que dizem que não têm ideologia, mas que afinal sempre que o dizem mentem, tornou-se tão geral e dominante que constitui um dos maiores perigos para a nossa liberdade. O grande paradoxo desta mentira é que mentem uns e ganham com isso e mentem os mais perdendo, para que os outros embolsem. É um sintoma bem claro da nossa decadência, da decadência desta civilização a que se costuma chamar de judaico-cristã, esquecendo que os muçulmanos também fazem parte dela.

Dizem outros que não é bem assim, que há apenas uma certa degenerescência da democracia…
Democracia?
Mas existiu alguma vez no mundo algum país totalmente democrático, isto é, com oportunidades iguais para todos nos domínios político, social e judicial, ou mais não assistimos que à batota de uns serem mais «democratas» do que outros? Ao grande engano de confundir sufrágio com democracia?
Longe vão os tempos da grande consigna: Liberté, Egalité, Fraternité!

E não percam tempo a ouvir os fala-barato que contam aquelas lérias da Grécia antiga, berço da democracia, uma democracia só para os possidentes, onde os escravos não eram gente. Por tal ordem de ideias, aquela coisa dita «democracia orgânica» – lembram-se? – seria até menos má.

Nos tempos de apodrecimento em que nos encontramos já nem o sufrágio merece qualquer respeito. Veja-se como aquele rapazinho de Massamá, que o Relvas colocou a fingir de primeiro-ministro, diz alto e bom som: «As eleições que se lixem». Bom, pode até ter sido apenas falta de polimento, ou os conselheiros lhe terem dito: «é pá, diz umas ordinarices, que o povo gosta».

«Sair do lombo, corrida ao pote, lambuzar-se, fazer farófias, pôr porcaria na ventoinha» é um primor. Eu, se pudesse, emigrava para o Burkina Faso.

Mas voltemos ao princípio. Os ideólogos da não ideologia têm do mundo, afinal, uma ideia religiosa, porém com esta particularidade suprema e nada transcendente: só o transacionável e corretável merece vénia, ritual e reza, tudo o mais é «ideologia» insuscetível de ir à bolsa.

Neste melting pot onde a avareza se louva e a honra anda de alterne, os políticos não passam de atores de óperas bufas; atores que navegam entre o receoso de que os donos dos mercados os pateiem e a esperança de aplausos e cadeiras de veludo para enricadamente descansar.

Sabem que na Idade Média ser onzenário (emprestar a 11%) era um crime tão grave que levava à perda da cabeça ou ao esturricanço na fogueira?
No século XVII ainda se enforcavam os especuladores.
Aos «bank gangsters» da nossa «civilização» decadente lambem-se os pés e pergunta-se: V. Exª. quer ter a bondade de me dar um pontapé no fundo das costas?

Vendas Novas, 21 de Julho de 2012
Abdul Cadre

(Nota: Crónica publicada no Jornal do Barreiro e que aqui, por concessão do autor, partilhamos.)


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