JUDAS, O CORPO E OUTROS ARQUÉTIPOS
Vem este tema a propósito da perseguição que vem sendo feita ao
corpo ao logo de séculos, de milénios.
Compreende-se. O corpo é, ao mesmo tempo, o altar e o espaço de
profanação. Porque só é profanado o que é suscetível de o ser. Onde não existe
sagrado, não se fala em
profanação. Isto conduzir-nos-ia muito longe, mas para já,
quero apenas centrar-me nesta dicotomia onde o corpo tem desempenhado o papel
menos glorioso. E no entanto... sem Judas não teria havido ressurreição, porque
não teria havido crucificação. O mais apontado como traidor foi, afinal, o
instrumento divino, a mão de Deus na terra.
O corpo tem sido apontado como o lugar do pecado, o palco da
vaidade, o centro do egoísmo, o eixo do mal, o espelho da privação, a
fonte do excesso, etc, etc, etc. E assim tem sido. E assim tem sido necessário.
Porque faz parte deste plano existencial o conceito de experiência. Esta
acontece no espaço e no tempo. O corpo é o espaço, porque é a expressão local
da alma intemporal, e é o tempo, porque é a fatia horária da eternidade. E
assim tem de ser. É através dos limites do corpo que a alma se reconhece como
ilimitada. O corpo acrescenta emoção, coração, ação e compaixão à limpidez do
espírito. Humaniza-o. Pelo erro, pela dúvida, pelo arrependimento, pela
confusão. Porque é o corpo o lugar visível, o quadro negro onde se escreve com
giz a experiência de cada um para todos aprenderem, a videoconferência
repetidamente participada, de forma mil vezes multiplicada.
É a condição essencial para a liberdade, porque sem ele não
conheceríamos a escolha, o livre arbítrio. É o corpo que torna a escolha
difícil, porque é ele que introduz a ideia de limitação, de dor e de
"irremediável". Por causa da marcha implacável do inexistente tempo.
O corpo adoece, o corpo envergonha-se, o corpo sofre, o corpo
treme, o corpo aterroriza-se, o corpo ameaça, o corpo destrói, o corpo
destrói-se, como objeto autoprogramado que é. Por nós.
O corpo é o herói. Um dia, quando reconhecermos a esta humilde e
gloriosa taça a graça da vivência que nos conduz à sabedoria, à transcendência
(como poderia haver transcendência sem corpo?), à... real humanidade, o corpo
pode finalmente libertar-se da mente doente e entregar-se a um destino mais
suave, ao mesmo tempo mais partilhado e mais livre, um lugar de demonstração,
já não do sofrimento, mas da função sublime e libertadora da dor, a dor que
afinal é êxtase, porque deixámos de resistir ou acusar o corpo daquilo que é,
afinal, a sua nobre função: expansão da consciência, conhecimento de quem
realmente somos, Assunção do Ser em nós. Apesar de nós.
Com o corpo. Sublime morada.
Risoleta C. Pinto Pedro
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