HISTÓRIAS DA TERRA ENCANTADA
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Para a
Margarida e a Matilde
tesouros do meu peito
Podemos fundamentar em Deus a ideia e, na prática, o estigma da dignidade humana.
Diremos que somos Seus filhos, por isso, à nascença, incomensuravelmente dignos.
Igualmente podemos encontrar aquela fundamentação no próprio mistério da Vida, em si, da irredutibilidade de cada um de nós, na singularidade irrepetível de resultarmos de uma dada combinação e apenas essa, o que faz da existência um bem tão precioso que para ela podemos reconhecer, à partida, o estatuto de infinita dignidade.
Pelo primeiro caminho, estaremos a partir de uma leitura de índole religiosa o que não tem qualquer mal. A Fé é universalmente compatível com os homens e aquele pressuposto implica que façamos da sua vivência um guia de irmandade que só nos conduz ao respeito e à paz entre os seres humanos.
Com o segundo estamos no domínio das ciências e das formas científicas de ver e explicar o Universo. Faz parte da nossa busca de liberdade e não é mutuamente exclusiva com a perspectiva anterior.
Não é pois necessário que sejamos religiosos para considerarmos os nossos semelhantes como portadores de uma dignidade que ninguém, a não ser o próprio, pelas suas acções, pode pôr em causa e até estiolar.
Mas como o que acabámos de fazer trata-se de uma operação de pensamento, isto é, a identificação da noção que nos ocupa versa um produto da nossa capacidade de reflexão e não uma característica ou qualquer apêndice físico da nossa espécie, devemos ter em conta que é aquele conceito nada mais que uma mera construção cultural.
Ora enquanto tal e na sequência do que escrevemos, então poderemos sustentar que a dignidade humana é uma propriedade cultural nossa, a primeira de todas e por ser reconhecível em todas as pessoas de todos os tempos e lugares, a única característica cultural da humanidade para a qual podemos reconhecer a universalidade. Não menos importante, é também a única característica cultural que os indivíduos transportam à nascença.
Significa que todo e qualquer indivíduo merece o respeito de poder viver pela sua consciência e capacidades para o que jamais poderá contribuir para a indignidade de quem quer que seja.
Vem da parte do relativismo cultural uma objecção a estas nossas palavras.
Pretenderá esta corrente de pensamento ver aqui uma janela para um qualquer etnocentrismo que se arrogaria de querer ver certos padrões culturais como melhores que outros. A fundamentação do ponto de vista estaria na realidade multi-cultural que sempre existiu no planeta. É que há populações humanas para quem aquela ideia é de todo incompreensível e podemos mesmo considerar o exemplo dos caçadores de cabeças da Nova Guiné; que sentido faria entre esses homens e mulheres?
Contudo, só na aparência é que este argumentário terá alguma validade.
A multiculturalidade é um dado empírico evidente, em termos teóricos, uma observação. Fazer disso um argumento de análise é tão pobre como dizer que é algo é assim porque é dessa maneira.
Mas o problema é que nem isso chega a estar em plano de consideração.
A verdade é que só na cabeça dos seus detractores é que o uso daquele conceito poderá ser visto como uma imposição para com as gentes de outras latitudes geo-culturais; nada mais pateta. Estamos a falar de reconhecimento e não poderia ser de outro modo. Reconhecemos para os outros o mesmo valor que queremos ver aplicado às nossas vidas. Traduz-se em respeito para com eles, não na imposição que eles nos vejam segundo os mesmos princípios. Por estarmos convictos da sua bondade, confiamos que os outros a poderão compreender e dela fazer uso, se for essa a sua livre vontade.
Só com grande ginástica intelectual é possível ver nisto uma manifestação etnocêntrica.
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