terça-feira, 29 de setembro de 2015

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

HISTÓRIAS DA TERRA ENCANTADA
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Para a 
Margarida e a Matilde 
tesouros do meu peito 


Podemos fundamentar em Deus a ideia e, na prática, o estigma da dignidade humana. 
Diremos que somos Seus filhos, por isso, à nascença, incomensuravelmente dignos. 
Igualmente podemos encontrar aquela fundamentação no próprio mistério da Vida, em si, da irredutibilidade de cada um de nós, na singularidade irrepetível de resultarmos de uma dada combinação e apenas essa, o que faz da existência um bem tão precioso que para ela podemos reconhecer, à partida, o estatuto de infinita dignidade. 
Pelo primeiro caminho, estaremos a partir de uma leitura de índole religiosa o que não tem qualquer mal. A Fé é universalmente compatível com os homens e aquele pressuposto implica que façamos da sua vivência um guia de irmandade que só nos conduz ao respeito e à paz entre os seres humanos. 
Com o segundo estamos no domínio das ciências e das formas científicas de ver e explicar o Universo. Faz parte da nossa busca de liberdade e não é mutuamente exclusiva com a perspectiva anterior. 
Não é pois necessário que sejamos religiosos para considerarmos os nossos semelhantes como portadores de uma dignidade que ninguém, a não ser o próprio, pelas suas acções, pode pôr em causa e até estiolar. 
Mas como o que acabámos de fazer trata-se de uma operação de pensamento, isto é, a identificação da noção que nos ocupa versa um produto da nossa capacidade de reflexão e não uma característica ou qualquer apêndice físico da nossa espécie, devemos ter em conta que é aquele conceito nada mais que uma mera construção cultural. 
Ora enquanto tal e na sequência do que escrevemos, então poderemos sustentar que a dignidade humana é uma propriedade cultural nossa, a primeira de todas e por ser reconhecível em todas as pessoas de todos os tempos e lugares, a única característica cultural da humanidade para a qual podemos reconhecer a universalidade. Não menos importante, é também a única característica cultural que os indivíduos transportam à nascença. 
Significa que todo e qualquer indivíduo merece o respeito de poder viver pela sua consciência e capacidades para o que jamais poderá contribuir para a indignidade de quem quer que seja. 
Vem da parte do relativismo cultural uma objecção a estas nossas palavras. 
Pretenderá esta corrente de pensamento ver aqui uma janela para um qualquer etnocentrismo que se arrogaria de querer ver certos padrões culturais como melhores que outros. A fundamentação do ponto de vista estaria na realidade multi-cultural que sempre existiu no planeta. É que há populações humanas para quem aquela ideia é de todo incompreensível e podemos mesmo considerar o exemplo dos caçadores de cabeças da Nova Guiné; que sentido faria entre esses homens e mulheres? 
Contudo, só na aparência é que este argumentário terá alguma validade. 
A multiculturalidade é um dado empírico evidente, em termos teóricos, uma observação. Fazer disso um argumento de análise é tão pobre como dizer que é algo é assim porque é dessa maneira. 
Mas o problema é que nem isso chega a estar em plano de consideração. 
A verdade é que só na cabeça dos seus detractores é que o uso daquele conceito poderá ser visto como uma imposição para com as gentes de outras latitudes geo-culturais; nada mais pateta. Estamos a falar de reconhecimento e não poderia ser de outro modo. Reconhecemos para os outros o mesmo valor que queremos ver aplicado às nossas vidas. Traduz-se em respeito para com eles, não na imposição que eles nos vejam segundo os mesmos princípios. Por estarmos convictos da sua bondade, confiamos que os outros a poderão compreender e dela fazer uso, se for essa a sua livre vontade. 
Só com grande ginástica intelectual é possível ver nisto uma manifestação etnocêntrica.

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