terça-feira, 22 de setembro de 2015

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

SÃO VERDES 

Ai que pandemónio. 

Afinal Portugal 
é um verdadeiro 
lodaçal. 


E da bomba de ontem saiu a demissão do ministro da educação. 
Como se impunha, dir-se-á com propriedade. 
Mas também não deixa de ser verdade que o julgamento foi sumário e a condenação fez-se antes de qualquer defesa. 


Os estudantes é que não baixaram a fasquia do não pagamento das propinas e marcada está uma manifestação nacional. 


Claro que falamos de coincidências a respeito da sucessão de fogos, das mortes pelo calor e até dos futuríveis óbitos pelo frio, da bandalheira nos serviços aéreos de apoio ao combate nos incêndios e agora dos negócios de favor que envolvem promiscuidades entre bombeiros e empresas fornecedoras de bens e serviços às respectivas corporações. Hoje, sempre por acaso, lá vieram a lume mais casos duvidosos que envolveram o ex-ministro do ordenamento do território e ex-presidente da câmara de Oeiras, justamente enquanto esteve à frente desta autarquia. 

Mas são tantos os azares que quase nos leva a recordar a velha sabedoria popular das zangas entre comadres. 


A verdade é que vemos os intérpretes do poder político que fazem as leis a contestarem a legislação produzida e a intrometerem-se com os órgãos de poder judicial ao nível da aplicação daquelas. Vemos jornalismo à la carte que absolve e acusa situações similares e que é capaz de usar as mesmas palavras para afirmar algo e o seu contrário, geralmente segundo o método da bússola. 

Como deixar de pensar em dedinhos perversos? 


Certo é que há polvos instalados no tecido social do país e ainda que muito se fale de justicialismo e de justiceiros, a realidade de casos levados à justiça envolvendo pontas de véus é empiricamente observável. 

Porque será que nenhum dos arautos que tanto se têm levantado pelas liberdades nos últimos dias fala daquelas entidades tentaculares e dos rostos que as compõem? 


Pois eu temo que esta república que já dá mostras de ser das bananas, se transforme num paraíso para o crime organizado. 

E ainda mais tremo perante a possibilidade do antídoto servir para entrarmos nas lógicas securitárias das extremas-direitas. 


Com efeito, arrepia quando sabemos que estudantes universitários escolhem o simulacro do assalto a uma agência bancária para cumprirem a praxe. 
Será que os pais não os educaram segundo o sábio princípio que roubar é feio? E a escola que tiveram não teve oportunidade para reforçar ou transmitir esse valor? 


E que dizer do sinal que um governo dá quando pretende entregar a cobrança dos impostos em atraso a entidades privadas? Será isso constitucional? 
Será que, por absurdo, eu poderia ter acesso a informações fiscais de outras pessoas, sejam elas singulares ou colectivas? 
Pensava que esses assuntos fossem da mais estrita confidencialidade. 
Se eu soubesse que um empregado bancário falava a outrem das minhas contas particulares ou dos movimentos da empresa, não sem antes apresentar queixa do faltoso, muito simplesmente retiraria todos os meus valores desse banco. Mas eu não posso fazer o mesmo em relação ao estado, pois não? 
Ora há aqui uma pergunta preocupante. Como é que seriam feitas as cobranças? Que meios seriam passíveis de serem utilizados para coagir aos pagamentos? Duvidoso e, no mínimo, suspeito seria se, à partida, os resultados esperados fossem os mesmos dos da máquina pública. Em alternativa, obrigatoriamente passaremos à legalização da violência entre cidadãos e entre estes e as organizações privadas do tecido económico e social do país. 

A perplexidade mistura-se com o terror. 


E aqui temos Portugal 
resvalando 
para o imenso lodaçal. 



Assim, provavelmente está na hora dos simples cidadãos se organizarem politicamente em movimento capaz de condicionar e exercer o poder. 
Naturalmente sob novas fórmulas, a inventar. Num futuro globalizado, é o que requer a civilização democrática, sob pena de se esboroar na vassalagem a poderes com toda a capacidade para imporem os seus ditames aos estados nacionais. 

É um debate que deveria preocupar todos os democratas na actualidade. 



“-A Professora não é nada simpática.” 
“-Então porquê, filha?” 
“-Obrigou-nos a fazer um trabalho muito difícil.” 
“-O quê?” 
“-Deu-nos um papel com uma ficha…” –Dedinhos esticados, acompanhando a entoação da oralidade. “-E disse para nós pintarmos umas figuras que estavam dentro de uns rectângulos… Aí uns cinco ou seis.” –Franzindo o sobrolho e abanando os dedos da mão direita. 
-E o que é que isso tem de mais?” 
Seguiu-se uma ambiência de protesto. 
“-Mas depois disse para recortarmos os bonecos e havia lá uns que eram muito difíceis.” 
“-E não foste capaz de fazer?” 
“-Fui, eu recortei bem as figuras todas. Mas houve lá meninos e meninas que não acabaram. Era muito difícil.” 

Ora digam lá que mais posso eu pedir para saborear a felicidade? 


Pois este foi um dos conteúdos da aula de hoje. 
Além disso, os alunos fizeram mais exercícios de grafismos. 

A Matilde está a gostar. Mas neste último caso teve que repetir algumas vezes pois, com a pressa, imitava convenientemente no caderno os exemplos que a Professora dava, mas não exactamente sobre a linha como lhe era pedido. 



As noites refrescaram, mas esta ainda continua cheia de grilos. 

Alhos Vedros 
  03/10/2003

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