sábado, 23 de janeiro de 2010

A síndroma Agatha Christie ou a arte da suspeição


Abdul Cadre

DIZ a sabedoria popular que quem é desconfiado não é certo, mas como esta sabedoria se caracteriza por dizer o que também desdiz, o melhor é não lhe ligarmos. Pensemos antes em Hercule Poirot, o detective belga inventado por Agatha Christy, o qual entendia que todos são suspeitos até prova em contrário.

Ora bem. Todos sabemos que português que se preze vai muito além de qualquer Poirot, não se limita a suspeitar, afirma a pés juntos que todas as mulheres, exceptuando a sua querida mãezinha, são uma coisa muito feia e que todos os políticos, estes sem qualquer excepção, são uma cambada de malandros da pior espécie. Todavia – vá lá saber-se porquê – nunca nega o seu precioso voto à tal «cambada». Aliás, seguindo a excelsa filosofia do «rouba mas faz», permitirá invariavelmente que quem seja mais do que suspeito de meter a mão na massa tenha vitórias seguras e retumbantes em qualquer concurso sufragista, dito eleições.

Cabe dizer-lhes que o grande azar do Sócrates é que o povinho desconfia que ele não é desses. Pode muito bem ser uma espécie de chico esperto, mas não merece ser amado. Tudo o que vem a lume é de muita parra e pouca uva, muita conspiraçonite jornaleira apoiada em bocas espúrias de investigadores pouco escrupulosos.

Andamos há anos num estranho conúbio de jornalistas ditos de investigação com investigadores que gostariam de ter sido jornalistas, ou mesmo estrelas de televisão.

Ora, eu que não sou nada certo, não prescindo do meu direito de suspeitar e as minhas suspeitas têm o apoio até daquele velho axioma que diz que em política o que parece é. Ora, parece que nas falsas indignações que andam por aí a respeito de jogadas dúbias dos pendurados nas sinecuras se assiste à luta indecorosa entre facções que usam e abusam dos préstimos dos seus militantes colocados em instâncias que deviam primar pelo decoro e pela isenção e optaram por ser teatros onde decorrem óperas bufas.

Estamos a bater no fundo. Não se ouve o baque porque no fundo tem muito lodo.

texto publicado no Jornal do Barreiro

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