Rugendas, Brasil séc. XIX
Seja por vocação ou necessidade, a emigração sempre foi uma sina na vida dos
ilhéus açorianos.
Arquipélago oficialmente descoberto pelos
portugueses, por volta de 1440, os Açores tiveram suas nove ilhas desabitadas
paulatinamente ocupadas por portugueses
do continente, madeirenses, flamengos (Brum, Bulcão, Silveiras, Dutra, Terra,
Gularte ou Goulart, Rosa, Grotas) espanhóis (Bom-Dias, Arriagas,) alguns franceses (Berquós, Bettencourt, Labat),
ingleses (Currys, Streets, Whytons), judeus (Bemsaúde) e africanos (escravos),
emigrados de outras partes do antigo Império Português, ou de terras que com
Ele tinham relações políticas de comercio, ou parentesco.
O ar salutar, o solo fértil, vulcânico,
porém sujeito aos caprichos da natureza, e a paz reinante, longe dos movimentos
geopolíticos que abalavam o mundo, proporcionavam ao longo do tempo um
crescimento populacional gradativo que em momentos de crise frumentária e
sísmica sofria com a falta de alimentos.
Essas situações periódicas associadas à má política dos donatários (em
geral gente da nobreza portuguesa de segunda linha), onde as melhores parcelas
de terra eram doadas aos parentes e amigos, restando aos colonos, que com eles
aportavam às ilhas, os piores nacos de
terra, levavam a dificuldades de subsistência e a um desequilíbrio social
deplorável, principalmente nas ilhas mais populosas. A emigração foi a solução encontrada e
adotada todos esses anos de existência
ilhoa.
Para os governantes portugueses as ilhas
açorianas foram uma fonte de recursos humanos que supriram as necessidades da
pátria. Ocuparam espaços , desbravaram e patrulharam caminhos, defenderam
fronteiras, fundaram e povoaram vilas, lutaram em frentes de guerra, foram mão
de obra barata, silo de grãos nas boas épocas de colheita.
Pelas histórias contadas de riqueza e
beleza, pela facilidade da língua, pelos amigos e parentes que lhes
antecederam, os locais de eleição para imigração foram, nos séculos XVI, XVII,
XVIII, XIX, as terras brasileiras, embora o Alentejo, em grande escala, e
América do Norte, em menor proporção, também tivessem sido a opção de muitos
açorianos.
Nos
últimos dois séculos os Estados Unidos da América e Canadá tornaram-se, pela
prosperidade e oportunidades que ofereciam,
os países de primeira escolha para a imigração dos ilhéus. No Havaí e em
outros países menos procurados (Venezuela, Uruguai e Argentina) a passagem
açoriana ficou marcada nas comunidades que fundou e nos descendentes que
guardaram as suas raízes.
No Brasil chegaram com os portugueses do
Continente e da Madeira como desbravadores e colonizadores para cultivar a
terra, rastrear e explorar riquezas, abrir e patrulhar picadas, resguardar
espaços, fundar vilas que se tornariam as futuras cidades brasileiras. Com
os índios locais e negros trazidos das possessões africanas, miscigenaram-se. Na insana lida da conquista, os mais simples
esqueceram raízes, porém, perseveraram na fé e nas crenças, mantiveram hábitos
e costumes, legaram sua língua e cultura aos seus descendentes, participaram
efetivamente na formação do povo brasileiro.
A emigração oficial sempre se dava com o
apoio financeiro e material dos governos e contratantes de mão de obra que
aguardavam no desembarque. Mas como tudo tem um preço, eles haveriam de
trabalhar por muito tempo para pagar o investimento dos patrões, antes de
conseguir a independência ou... a morte. Paralelamente à emigração
regulamentada, havia também a clandestina, bastante numerosa, facilitada pela
dificuldade de controle das autoridades em policiar o entorno marítimo das
ilhas, pelo isolamento do arquipélago, pela escuridão oportuna da noite, e pela
ajuda de comandantes de navios que faziam vista grossa no intuito de auferir
lucros mais adiante. Era a saída mais aventureira, onde à chegada não haveria
nenhuma ajuda, só riscos e canseiras.
Nos primeiros tempos vinham poucos,
esparsamente. Depois em levas mais ou menos importantes para experimentos
colonizadores determinados, como em Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito
Santo e Amapá, e finalmente em pequenos grupos familiares ou mesmo isolados para
encontrar parentes ou amigos já assentados ou estabelecidos. Saídos das ilhas em barcos contratados,
chegavam ao país pelos portos coloniais (Recife, Salvador, Rio de Janeiro). Em
terra, migravam em diáspora, pulverizados, para os locais que lhes chamavam ou
para onde eram encaminhados pelo governo.
Norte (Amapá, Maranhão e Pará),
nordeste (Pernambuco e Bahia), Espírito Santo, Rio, Regiões auríferas,
interior paulista e mineiro, sul do Goiás, minas de Mato Grosso do Sul, Santa
Catarina, ... Iam para onde a sorte lhes acenava. Esperava-os a aventura da
incerteza e aqueles compatriotas que lhes antecederam e que poderiam lhes dar
apoio na difícil empresa de sobreviver numa terra estranha.
Oficialmente, a primeira entrada de um
grupo de açorianos em solo brasileiro se deu em 1619. Foram 300 casais que
vinham para se estabelecer no Maranhão após a expulsão dos franceses. Mais
tarde em 1675 saíam 50 casais do Faial, vitimas do vulcão de 1672(Praia do
Norte), e que foram mantidas pela bondade do governador da ilha, Jorge Gularte
Pimentel, até 1675, quando partiram para o Brasil. Chegaram ao Grão-Pará em
1676 para servir como colonos e mão de obra nas plantações daquele espaço
amazônico.
Em 1679, na Graciosa, e em 1719, no
Pico, novas erupções vulcânicas obrigaram
os ilhéus sinistrados a emigrar para a América Portuguesa, desta vez para a
Colônia de Sacramento. Embora não haja a
certeza da chegada desses ilhéus, o certo é que há conhecida descendência
açoriana em terras uruguaias. Em 1740, um destacamento militar formado com
homens das ilhas açorianas se instalou no Amapá e fundou Macapá, sua capital. Em 1770 a fundação do Município de Mazagão
se deu na origem de Mazagão Velho, quando a Coroa portuguesa mandou para lá 163
famílias de colonos portugueses cristãos, oriundos do Castelo de Mazagran, (El
Djadidá) Marrocos, que se conflitaram com os mouros islamitas.
- Em
1723, no sudeste, são conhecidos
alguns açorianos que marcaram a região (Rio de Janeiro, São Paulo,
Espírito Santo, e interior de Minas), através da sua descendência. Eram
ilhéus migrantes de outras partes do território brasileiro que chegavam em
busca de terras e riqueza.
- O
enorme afluxo de gente que a descoberta do ouro e as disputas para a
exploração do metal(Guerra dos
Emboabas- luta entre os paulistas, descobridores das
minas, e os portugueses e
brasileiros vindos de todos os lados) proporcionou, tornou
o comercio de carne e alimentos
uma ocupação muito rentável. Mesmo com o declínio da produção
aurífera e diamantífera, com a situação mais apaziguada, os migrantes
passaram a procurar terras para o cultivo e criação de gado, era uma nova
e atrativa possibilidade para conseguir uma vida mais digna e estável. O
sertão estava à espera de quem tivesse força e coragem para conquistá-lo.
O governo através de seus representantes políticos e militares apoiava-os,
montando troços militares pelos caminhos, distribuindo terras (sesmarias)
a quem se dispusesse a ocupá-las.
Assim é que os migrantes brasileiros e portugueses foram empurrando
os negros dos quilombos e os índios cada vez mais para o interior,
destruindo-os ou assimilando-os, tomando-lhes o espaço.
- Segundo o genealogista e historiador,
José Guimarães, em São João Del Rei, por volta de 1723, é conhecida a
presença das três ilhoas faialenses (Antonia
da Graça, Julia Maria da Caridade e Helena Maria de Jesus) que vinham para se encontrar com Diogo Garcia,
seu conterrâneo aparentado e futuro marido de Julia Maria. Dos casamentos
dessas açorianas, com patrícios, se originaram os troncos de várias e
importantes famílias mineiras.
- Fato
semelhante ocorreu no século XIX, no atual Espírito Santo, quando entre
1813 e 1814 chegaram quatro levas de açorianos (200 indivíduos) para
fundar a colônia de Santo Agostinho (hoje Viana). Conta a história que,
quando o governador, Francisco Alberto Rubim da Fonseca e Sá Pereira
(1795-1890) recebia um grupo de ilhéus (da Horta-Faial), viu um dos
guardas do palácio do governo, Antonio de Freitas Lira, encantado com a
beleza de uma das seis irmãs faialenes (Luiza Aurélia da Conceição), tocar
os cabelos da jovem, irritado, como desagravo, declarou no ato o noivado
deles. Verdade ou não, o fato é que três meses depois casaram. Em breve, todas elas se transformariam
em matriarcas de destacadas famílias capixabas .
- Entre
os primeiros povoadores de arraiais e vilas de Minas, Mato Grosso do
Sul e sul goiano, não é difícil
encontrar a presença açoriana.
Pamplonas em Formiga, Botelhos em Araxá , Borges, Vilelas, no Prata. Junqueiras, Rodrigues da Cunha, Terras,
Goulart, em Uberaba...
- .
- Mas
sem dúvida alguma a maior e mais marcante leva ilhoa ocorreu no sul do
país. Pode-se dizer que grande parte dos portugueses que para lá foram são
das ilhas, o que se pode verificar nos arquivos legais e histórias
familiares dos seus descendentes.
- Foi um processo estimulado pela Coroa (D.
João V) que por razões políticas e estratégicas visava à solução de dois
problemas. Aliviar o arquipélago
de gente, e ocupar e defender o sul brasileiro das investidas
estrangeiras. Só para Santa Catarina, entre 1748 a 1752 foram,
principalmente, das ilhas centrais do arquipélago dos Açores (Terceira,
Faial, Pico, São Jorge, Graciosa) cerca de 6000 pessoas. Para a época,
quando o sul era pouco povoado, pode-se dizer que foi quase a
translação de uma população.
- Santa
Catarina e Rio Grande do Sul são os estados brasileiros onde mais se
encontram sinais desses emigrantes, seja na genética, na arquitetura, na
religiosidade ou na cultura popular.
Os manezinhos, descendentes dos antigos povoadores açorianos, ainda
conservam alguns dos seus hábitos e costumes. Não é sem motivo que chamam a ilha de
Santa Catarina (onde está a Capital Florianópolis) a décima ilha açoriana.
- A
cada situação de fome ou desequilíbrio social, a emigração era a solução.
Em 1771 e 1774 saíram da Terceira, Faial, Pico, São Jorge, Flores e Corvo
301 pessoas. Destino Rio de Janeiro, Bahia, Minas Gerais e Pernambuco.
- Em
1779 e 1785 outras levas ( 900 casais), principalmente de São Miguel, e em
menor escala do Faial,
dirigiram-se para o Alentejo, desta vez com patrocínio particular
(Intendente Pina Manique), porém com o assentimento da Coroa. Deixaram o
arquipélago desfalcado de braços para as lavouras. Em 1800, 1807 e 1813
dá-se noticia de mais casais açorianos na Bahia. Facilitava a
transferência da Coroa Portuguesa para o Brasil.
- Mas
foi após a Revolução Liberal Portuguesa, em 1820, que a emigração deixou
de ser limitada pelo governo. A
crescente procura de gente para a lavoura de café, e de jovens açorianas
para serviços domésticos (eram solicitadas com preferências; morenas de
olhos negros, claras de olhos azuis,...) pelos fazendeiros, estimulava a
levas cada vez maiores de açorianos.
Ao chegar, sem condições vantajosas de negociação, muitas dessas
pessoas tornaram-se verdadeiras escravas brancas. As jovens rejeitadas, sem ter como se
sustentar, terminavam desgraçadamente na prostituição. Inúmeras viviam em
prostíbulos, morriam à míngua.
A mobilização
militar também trouxe para o Brasil gente açoriana, principalmente a partir do
século XVII, sob a dominação filipina. A Holanda era a maior inimiga. Em 1766
seguiram de S. Miguel para o Rio de Janeiro 400 recrutas e em 1774 a Coroa
requisitava mais 600. Em 1776, foram 890.
Esvaziavam as ruas de São Miguel
e das outras ilhas de vadios, as cadeias de prisioneiros, de gente à toa. Ao termino do tempo de serviço os soldados
podiam optar por voltar ou ficar como paisanos no Brasil, com reforma. Os
recrutamentos continuaram até que o decréscimo
populacional quase paralisou as ilhas, em especial São Miguel, que viu
em 20 anos diminuir a população em mais de 10 mil pessoas.
Fugindo do serviço
militar, da miséria ou por índole aventureira, a emigração açoriana foi uma epopeia
que deixou rastro por onde passou. Mesmo na atualidade, em que a
emigração/imigração é um fato corriqueiro num mundo globalizado, como emigrante
açoriana que sou, deixo, no país que adotei para viver, geração luso-brasileira
que há de continuar no sangue e no viver as marcas que trago do meu povo.
Maria Eduarda
Fagundes
Uberaba, 28/05/12
Dados e referências
bibliográficas:
. Emigração Açoriana
(Luís Mendonça e José Ávila)
. Anais do Município
da Horta ( Marcelino Lima)
. Famílias Faialenses
(Marcelino Lima)
. Memória genealógica
das famílias faialenses (Francisco Garcia do Rosário)
. A Oeste das Minas.
Escravos, Índios, homens livres numa fronteira oitocentista. Triangulo Mineiro
(Luis Augusto Bustamante Lourenço)
. WWW.
Potyguar.com.br/Amapá/primeiros colonos
. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico do espírito Santo (n.o 66. 211).
. As Famílias
Portuguesas Radicadas no Espírito Santo (Artigo de Paulo Struck de Moraes
Vice-presidente do IHGES)
. Povoadores do Sertão
do Rio da Prata ( Benedito Antônio Miranda Tiradentes Borges),
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