sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Agostinho da Silva no Brasil


Agostinho da Silva passou 25 anos no Brasil num auto exílio forçado pelo governo de Salazar. Foi para o Brasil em 1944 com 38 anos de idade. Ali ganhou dupla nacionalidade, ali construiu parte da imensa obra que nos legou.

Agostinho foi Professor em várias Faculdades do Brasil, de norte a sul do país  (Rio de Janeiro, Santa Catarina, Paraíba, Bahia, Brasília...), participou na fundação de várias Universidades (Universidade da Paraíba, de Santa Catarina e de Brasília) e criou alguns Centros de Estudos (Centro de Estudos Afro Orientais, na Universidade Federal da Bahia, o Centro Brasileiro de Estudos Portugueses, na Universidade de Brasília, e o Centro de Estudos Brasileiros, na Universidade de Goiás...); e foi até assessor do Presidente da República do Brasil Jânio Quadros, na altura em que estava na Bahia.

Em livro de António Risério, intitulado “Avant Garde na Bahia”, uma tese de Mestrado em Sociologia que fala da intensa dinâmica cultural que se viveu ao redor da Universidade Federal da Bahia na transição da década de 50 para a década de 60 do século passado, justamente no período em que Agostinho esteve nesta Universidade, onde muito se fala do reconhecido magnífico Reitor Edgard Santos, como uma pessoa de vistas largas que soube juntar um grupo de intelectuais que transformaram de forma radical o panorama educativo e cultural da Bahia e do Brasil. Agostinho da Silva ali esteve, com outros, no fervilhar desse caldeirão cultural que acabariam por dar lugar, por exemplo, ao Tropicalismo (de Caetano Veloso, Gilberto Gil...), ao Cinema Novo (Glauber Rocha), mas como também a uma imensa criação artística em várias área como a arquitetura, a antropologia, o teatro, a música, a fotografia...

Neste livro, há um interessante depoimento de Caetano Veloso que diz assim: "Certa vez, tive uma conversa fascinante sobre a canção Tropicália, num castelo medieval em Sesimbra, com Roberto Pinho e um senhor português que era tido como alquimista. O ponto de ligação entre eles era o professor Agostinho da Silva, um intelectual português que foi perseguido por Salazar e veio para o Brasil (...) Em Salvador disseminou uma forma de sebastianismo erudito de inspiração pessoana que atraiu algumas pessoas que me pareciam atraentes. Não foi sem pensar neles que eu incluí a declamação de um poema de Mensagem, de Fernando Pessoa, no happening que foi a apresentação da canção É Proibido Proibir num concurso de música popular na televisão em 1968. Mas eu não tinha embarcado na viagem desses sebastianistas nem como estudioso nem como militante. Apenas me parecera interessante que houvesse gente falando no Reino do Espírito Santo e numa futura civilização do Atlântico Sul, numa época em que todo mundo falava em mais-valia e nas teses científicas de transformar o mundo através da classe operária. E, sobretudo, foi por causa disso que eu entrei em contacto com o livro Mensagem, que revelou para mim a grandeza da poesia de Fernando Pessoa. Não me parecia possível que se demonstrasse mais fundo conhecimento do ser da língua portuguesa do que nesses poemas, por causa de cada sílaba, cada som, cada sugestão de idéia como se aqueles poemas fossem fundadores da língua ou sua justificação final. O fato de Mensagem ter como tema o mito da volta de Dom Sebastião e da grandiosidade de uma adiado destino português, enobrecia, a meus olhos, os interesses daquele grupo de pessoas que cultivavam tais mitos. De modo que, em Sesimbra, comecei a ver Tropicália - e a pensar o tropicalismo - também à luz do sebastianismo, que consistia em adivinhações do que fosse o sebastianismo deles. Eu, no entanto, sempre fui muito cético". E continua o autor do livro, António Risério, "Mais nitidamente, o sebastianismo esteve sempre entre as preocupações de Glauber Rocha, artista-ideólogo marcadamente messiânico. E Agostinho deixou ao menos um discípulo brilhante no Brasil, o antropólogo Roberto Pinho." (António Risério, avant-garde na bahia, Instituto Lina Bo e P. M. Bardi, Brasil, pp.82-83)

Luís Santos

4 comentários:

estudo geral disse...

Riquíssimo texto que nos ajuda mais um pouco na compreensão do Mestre. E depois, como se pode verificar, é sempre muito bom quando "os bons" se encontram e desses encontros partem em realizações.
O mundo "pula e avança" e, naturalmente, ganhamos todos muito com isso.

Um abraço e obrigado.

Manuel João

luis santos disse...


Engraçado o processo incógnito em como o mundo rebenta em cores. Abraço claro.

Joao Augusto Aldeia disse...

O episódio passado em Sesimbra encontra-se também no livro de Caetano Veloso, "Verdade Tropical". Para perceber porque é que, em Sesimbra, Caetano começou "a ver Tropicália - e a pensar o tropicalismo - também à luz do sebastianismo", falta citar que Rafael Monteiro (o "alquimista") deu uma interpretação à canção 'Tropicália' que surpreendeu o próprio autor.

luis santos disse...


Se bem me lembro, essa parte da citação não me interessou para o que estava a investigar e, ainda agora, não vejo grande interesse nela, a não ser que nos queira dizer alguma coisa sobre que interpretação de Rafael Monteiro foi essa?