terça-feira, 24 de maio de 2016

O DIÁRIO DA MATILDE - O MEU PRIMEIRO ANO DE ESCOLA

HISTÓRIAS DA TERRA ENCANTADA
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A tua observação é pertinente e, com efeito, admito a dificuldade em compreender a compatibilização, para usar a tua expressão, entre as teorias da evolução com a visão criacionista que nos vê como filhos de Deus.
Escreveste tu que “(…) se não é difícil entender que a Fé e a racionalidade, uma vez que são fenómenos paralelos, possam coexistir numa dada pessoa individualmente considerada, o mesmo não se poderá sustentar para a explicação da origem das espécies, em geral e da humana, em particular, em que aquelas leituras se chocam mutuamente e se excluem, pois enquanto as ciências se apoiam em factos para estabelecerem a ideia de que evoluímos a partir de outros animais, a religião, especificamente na sua tradição judeo-cristã, pretende que o Homem foi criado por Ele à sua imagem e semelhança.”
Temos pois que, não sem uma certa ousadia natural em mente jovem, implícita no teu discurso reside a pergunta seguinte: como conciliar Darwin com o Livro, a Lucy com a Eva?
Ora bem, procuremos então resolver os problemas que levantas.
É claro que por motivos de Fé, para um qualquer judeu a Tora tem origem divina. No entanto, importa estabelecer que tal significa que aqueles textos foram redigidos sob inspiração Superior mas não são, propriamente dita, a palavra Dele.
Se compreendermos esta nuance, certamente não será difícil perceber esta observação comezinha e quase lapalliceana que, embora fruto do Amor que Ele nos oferece, foram aquelas palavras o resultado do labor de seres como nós, nessa condição igualmente limitados pelas contingências do momento em que viveram. A Revelação de Abraão aconteceu num momento em que o pensamento mágico era o único recurso da Humanidade; a racionalidade, como a entendemos, em parte por consequência dessa mesma Revelação que foi a génese do monoteísmo, apenas surgiu muito mais tarde.
Quer isto dizer que certos homens escreveram os livros componentes da Tora com os conhecimentos que então possuíam e dos quais, como é bom de ver, tiraram partido para interpretarem os Sinais com que o Altíssimo os inspirou para aquele trabalho.
Em conformidade, não é como mitos que devemos entender os textos em causa, mas sim como narrativas em que, no estado dos apetrechos de conhecimentos da época e lugar, se almejou explicar certos mistérios, mormente os da criação.
Gente de Fé, admitimos que o Universo foi uma obra divina. Mas só podemos entendê-la como derivando da sua infinita bondade de querer partilhar a Eternidade com a(s) inteligência(s) que aí pudesse(m) vir a revelar-se.
É isso que justifica que o Cosmos, uma vez espoletado, se desenrole por si e de acordo com leis próprias, no que se inclui a espécie humana que desse modo terá evoluído no nosso planeta.
A sarça ardente, de Moisés, Deus emite sinais que a nós compete saber identificar e entender e é só dessa forma que Ele nos faz chegar o seu Amor infinito.
É por isto que se pode negar que a Fé e a Ciência sejam, de algum modo, incompatíveis, pois o facto de sermos animais terrestres cuja História é explicável cientificamente, não nos autoriza a dizer que não foi Ele o Autor desta maravilha em que a Terra nada mais é que uma infinitude microscópica.

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