sábado, 7 de maio de 2016

Conchelos




por Miguel Boieiro


Há tempos, a pedido do meu mestre de fitoterapia, compilei uma lista de plantas silvestres utilizáveis na alimentação humana: ervas espontâneas que crescem no campo e que podemos comer em saladas, em esparregados, em sopas, etc. Atualmente esta moda está a ser seguida por algumas correntes naturalistas de alimentação racional que pretendem libertar-se da padronização excessiva imposta pelas grandes cadeias de supermercados. Digamos que se trata duma reação natural ao consumismo desregrado que hoje comanda a nossa vida, tendo por único objetivo a obtenção de lucros. Portugal, país temperado com variados solos e microclimas, possibilita admiravelmente e cada vez mais, o aproveitamento de recursos vegetais selvagens, face ao estado de abandono caótico da nossa agricultura, refém dos ditames das corporações união-europeístas a que o nosso governo, sem peias, obedece. Sim, nos terrenos agrícolas abandonados é possível encontrar vegetais para a panela, salvo se houver por perto fontes poluidoras ou uso de herbicidas, infelizmente também muito em moda, induzidas pelo “marketing” abusivo das multinacionais do setor.

Tudo isto vem a propósito da troca de impressões que mantive com um companheiro, também amante destas lides, que me revelou que consumia conchelos com regularidade, misturados nas saladas de alface e de agrião.

Ora eu tenho conchelos no meu quintal, trepando pela vertente norte do tronco duma palmeira e acabei por experimentar, concluindo, com agrado, na mais-valia da referida plantinha, a qual, desde já, juntei à minha lista de comestíveis espontâneas.

Os conchelos, chapéus-dos-telhados, orelhas-de-monge ou umbigos-de-vénus, cuja designação científica é Umbilicus rupestris, da família das Crassuláceas, são ervas frágeis, mas perenes, que aparecem com frequência nas escarpas abruptas, muros e telhados antigos e cascas de árvores onde se concentra alguma humidade. O nome provém da configuração das suas folhas em forma de concha ou de umbigo, visto que surgem côncavas partindo duma base de pecíolo longo. O seu aspecto é deveras curioso. No início as folhas são verdes suculentas e tenras e podem ser, de facto, utilizadas em saladas, dando-lhes um sabor acidulado e uma textura gelatinosa muito original. Depois, em plena primavera, a planta torna-se avermelhada, brotando um caule ereto que chega a atingir, em condições modelares, 60 cm de altura, guarnecido de botões florais dispostos em cachos esbranquiçados. As flores, suspensas por um pequeno cálice, possuem cinco pétalas soldadas em forma de tubo. A raiz forma uma toiça espessa formando tubérculos que perpetuam a planta.

É considerada uma erva medicinal desde tempos imemoriais, quer por administração interna, quer externa. Na sua composição podemos encontrar mucilagens, açúcares, tanino, ferro, potássio, silício e vitaminas. Tem propriedades cicatrizantes, refrescantes, calmantes, diuréticas, anti-hemorrágicas e anti-sépticas.

O suco das folhas é utilizado para aumentar a emissão da urina, tomando-se uma colher de sopa em jejum, dissolvido num copo de água. As mesmas folhas esmagadas servem para fazer cataplasmas ou emplastros, eficientes para curar e cicatrizar feridas, aliviar queimaduras, eliminar borbulhas e frieiras. Aplicando diretamente as folhas sem a sua cutícula inferior, acalmam-se as dores e as inflamações, em especial,  devidas à gota e à ciática.

Registam-se também diversos preparados em homeopatia e em medicina asiática, exercida, quer por chineses, quer por ayurvédicos indianos.

Se com este breve apontamento conseguir suscitar a curiosidade dos leitores, amantes da botânica aplicada, fico recompensado pelo trabalho de investigação que efectuei sobre a umbilicus, que uns cientistas complementam com rupestris e outros com pendulinus, sendo basicamente a mesma planta.

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