por Miguel Boieiro
Há tempos, a pedido do meu mestre de fitoterapia, compilei
uma lista de plantas silvestres utilizáveis na alimentação humana: ervas
espontâneas que crescem no campo e que podemos comer em saladas, em
esparregados, em sopas, etc. Atualmente esta moda está a ser seguida por
algumas correntes naturalistas de alimentação racional que pretendem
libertar-se da padronização excessiva imposta pelas grandes cadeias de
supermercados. Digamos que se trata duma reação natural ao consumismo
desregrado que hoje comanda a nossa vida, tendo por único objetivo a obtenção
de lucros. Portugal, país temperado com variados solos e microclimas,
possibilita admiravelmente e cada vez mais, o aproveitamento de recursos
vegetais selvagens, face ao estado de abandono caótico da nossa agricultura,
refém dos ditames das corporações união-europeístas a que o nosso governo, sem
peias, obedece. Sim, nos terrenos agrícolas abandonados é possível encontrar
vegetais para a panela, salvo se houver por perto fontes poluidoras ou uso de
herbicidas, infelizmente também muito em moda, induzidas pelo “marketing”
abusivo das multinacionais do setor.
Tudo isto vem a propósito da troca de impressões que mantive com
um companheiro, também amante destas lides, que me revelou que consumia conchelos
com regularidade, misturados nas saladas de alface e de agrião.
Ora eu tenho conchelos no meu quintal, trepando pela vertente
norte do tronco duma palmeira e acabei por experimentar, concluindo, com agrado,
na mais-valia da referida plantinha, a qual, desde já, juntei à minha lista de
comestíveis espontâneas.
Os conchelos, chapéus-dos-telhados, orelhas-de-monge ou
umbigos-de-vénus, cuja designação científica é Umbilicus rupestris, da família das Crassuláceas, são ervas frágeis, mas perenes, que aparecem com
frequência nas escarpas abruptas, muros e telhados antigos e cascas de árvores
onde se concentra alguma humidade. O nome provém da configuração das suas
folhas em forma de concha ou de umbigo, visto que surgem côncavas partindo duma
base de pecíolo longo. O seu aspecto é deveras curioso. No início as folhas são
verdes suculentas e tenras e podem ser, de facto, utilizadas em saladas,
dando-lhes um sabor acidulado e uma textura gelatinosa muito original. Depois,
em plena primavera, a planta torna-se avermelhada, brotando um caule ereto que
chega a atingir, em condições modelares, 60 cm de altura, guarnecido de botões
florais dispostos em cachos esbranquiçados. As flores, suspensas por um pequeno
cálice, possuem cinco pétalas soldadas em forma de tubo. A raiz forma uma toiça
espessa formando tubérculos que perpetuam a planta.
É considerada uma erva medicinal desde tempos imemoriais,
quer por administração interna, quer externa. Na sua composição podemos
encontrar mucilagens, açúcares, tanino, ferro, potássio, silício e vitaminas.
Tem propriedades cicatrizantes, refrescantes, calmantes, diuréticas,
anti-hemorrágicas e anti-sépticas.
O suco das folhas é utilizado para aumentar a emissão da
urina, tomando-se uma colher de sopa em jejum, dissolvido num copo de água. As
mesmas folhas esmagadas servem para fazer cataplasmas ou emplastros, eficientes
para curar e cicatrizar feridas, aliviar queimaduras, eliminar borbulhas e
frieiras. Aplicando diretamente as folhas sem a sua cutícula inferior, acalmam-se
as dores e as inflamações, em especial, devidas à gota e à ciática.
Registam-se também diversos preparados em homeopatia e em
medicina asiática, exercida, quer por chineses, quer por ayurvédicos indianos.
Se com este breve apontamento conseguir suscitar a curiosidade
dos leitores, amantes da botânica aplicada, fico recompensado pelo trabalho de
investigação que efectuei sobre a umbilicus,
que uns cientistas complementam com rupestris
e outros com pendulinus, sendo
basicamente a mesma planta.
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