quinta-feira, 11 de julho de 2024

Epaminondas Costalima


EU NUNCA ESTIVE AQUI...

 Para Agostinho da Silva

Ah Portugal!
Ninguém neste mundo agora sabe
em que dias remotos
um Vaz, um Nunes,
um Ribeiro, um Rosa
um Silva, um Costa Lima
deixaram a casa avoenga
e partiram 
para nunca mais.

Ninguém!
Nem mesmo os que, como eu,
seus velhor nomes portam
e ainda conservam
na alquimia do sangue
um certo contigente
do que lhes foi legado
originariamente.

Ah esses fantasmas ancestrais
insistem
em açular extintas
memórias.
Quem, senão eles,
de onde estão comandam 
esta vontade de rever
o nunca dantes visto
e de reviver
o que não foi jamais
por mim
vivido?

Assim, já não sei, Portugal
se sou eu que venho a ti
ou eles que regressam
disfarçados
dentro de mim.

Alguns por certo
cantaram enternecidos
suas próprias canções.

Daí,
este apelo do sangue
que antecede
as histórias ouvidas
na infância.
...velhos castelos
princesas e fadas
madrastas cruéis
inocentes órfãs
as incríveis perfídias
da Moura Torta.
E o herói
(ou o destino?)
aparecendo afinal
quando o bem
invariavelmente
triunfava sobre o mal.

E é deles também
o apelo que revive
impressões obscuras
- Trovas de amor ingênuo
Cantigas de Amigo -
das primeiras leituras. 

Ah esses fantasmas ancestrais
blasonam
seu grande destemor nas caravelas.
Daí, talvez,
este apelo do sangue
que se junta à lembrança mais funda
da epopéia lusíada.
Os versos de Camões
outrora declamados
agora compreendidos
quando piso, reverente,
as lájeas dos Jerónimos
onde repousam o Gama,
e o Vate,
e reis e infantes.
Onde um sepulcro jaz
vazio
à espera de um rei
que partiu
para nunca mais.

Ah Portugal!
Dói de tão intensa
a emoção que me envolve
nesta hora
ao percorrer 
em lentos passos
os enormes salões,
os corredores,
os terraços
de teus museus,
de teus palácios.

Silencioso, assisto
o desfilar de séculos
de tua longa história,
enquanto à minha volta
esses fantasmas ancestrais
comentam
que viveram, sofreram,
pelejaram
neste ou naquele episódio.

Acompanham-me, depois,
ao Terreiro do Paço,
à Torre de Belém,
ao Tejo!
que ainda é formoso
e é meu também.

E seguem-me
pelas ruas de Alfama
onde, inesperadamente,
tal como vieram
no ar se desvanecem.

De novo só,
no entanto ilhado
pelas lembranças
que ficaram em mim
do ler, do ouvir dizer.
Versos, romances,
lugares... A Baixa,
o Chiado, o Rossio...

Ah Portugal!
De tão familiares
não me surpreenderia
se visse agora
o vulto esguio de Eça
saindo da Havanesa;
ou, em um café anônimo,
Fernando Pessoa solitário
a meditar
ninguém sabe com qual
de seus heterônimos.

Ah Portugal!
Estas confusas emoções
recebe-as
com paciência e com bondade
que eu nunca estive aqui
e vim matar saudade.

Lisboa, Maio/81



A fotografia é do editor


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