terça-feira, 30 de novembro de 2021

A propósito do 28º aniversário da Biblioteca Municipal de Alhos Vedros

 

por Luís Santos


Caro vereador da CMM António Carlos Pereira

Caro Presidente da Junta de Freguesia de Alhos Vedros Artur Varandas

Cara Coordenadora da Biblioteca Municipal de Alhos Vedros Rosa Ribeiro

Todos os presentes.


Agradecer, antes de mais, o convite para participar nas comemorações do 28º aniversário da Biblioteca Municipal de Alhos Vedros, neste dia 28, um número que certamente se relaciona com a unidade, a amizade e o reencontro.

Estamos aqui para dar os Parabéns à Biblioteca de Alhos Vedros que se integra, como sabemos, na rede pública de bibliotecas do Concelho da Moita, um serviço que se enaltece, porque é de uma nossa casa comum que se trata. Um espaço de todos, que visa servir a todos, criado para nosso usufruto coletivo. E, sendo nós, ao longo dos anos, frequentadores assíduos desta rede pública de bibliotecas, sobretudo, desta em que aqui nos encontramos, devemos agradecer os significativos momentos que, amiúde, por aqui fomos passando, fosse para ler o jornal, para trabalhar, ou para aproveitar das inúmeras iniciativas culturais que por aqui foram acontecendo. Memórias de bons tempos passados que, reconhecidamente, foram ajudando ao nosso desenvolvimento pessoal e social.

Lembrar dos inúmeros concertos de música, das tertúlias poéticas, dos lançamentos de livros, das noites de lua cheia, das exposições, das leituras de livros para grupos de crianças vindas dos infantários e escolas locais, do belíssimo empenho da Anabela, do Jacinto e da Élia, só para lembrar, entre muitos outros, os que aqui têm trabalhado nos últimos anos.

Alguns desses momentos em que fomos também protagonistas diretos, fosse para ler uma história para crianças, para lançar um livro, fazer uma comunicação sobre história local, integrar tertúlias poéticas, ou até para um momento de participação em criativo encontro de literatura erótica, lendo um poema do sadino Bocage, no mesmo dia em que fomos presenteados com um extraordinário concerto dado pela banda “Penicos de Prata”.

Quando pensamos na nossa Biblioteca, e nas pessoas e associações que com ela mais se relacionam, logo nos vem à memória, a Academia, o CACAV, a Alius Vetus e, respetivamente, algumas das suas dinâmicas mais marcantes, como sejam a Feira do Livro, a Escola Aberta Agostinho da Silva, a Feira Medieval, entre outras múltiplas iniciativas. Todas elas, associações que de alguma forma se têm relacionado com a publicação literária, ou científica, em comunhão com a animação do livro e da leitura.

E aqui chegados, à reconhecida importância que o livro e a palavra escrita têm no desenvolvimento humano, nunca será demais recordar que temos uma Feira do Livro que é das mais antigas do país, com 48 edições realizadas, desde 1972, e que só a nefasta e preocupante pandemia que atravessamos conseguiu interromper a sua contínua realização, ao longo de todos estes anos.

Entre todas estas dinâmicas associativas, e não esquecendo que a palavra escrita se relaciona com as mais variadas áreas da cultura e das artes, seja na música, no teatro, na dança, e por aí fora, não deixaremos de salientar da existência, entre nós, de um movimento de significativa dimensão que vai editando e publicando livros, revistas, jornais, pasquins. E se nos centrarmos exclusivamente na nossa vila, onde se reconhecem existir algumas particularidades culturais, logo se pensa num número anormal de gente que se dedica à arte da escrita para uma terra relativamente pequena.

E da mesma forma que se refere a existência de vários escritores, podemos dar conta de múltiplas dinâmicas literárias que se foram desenvolvendo entre nós, algumas delas em que tivemos participação direta como foram, entre outras:

i) o grupo “Do Convento”, onde se fazia “uma escrita em grupo, com cada um em seu sítio, à mesma hora” que, depois, desaguava em animadas tertúlias de café;

ii) ou, “O Largo da Graça”, uma linha editorial alternativa numa iniciativa de amigos, dada a dificuldade de se chegar às grandes editoras nacionais e a dinâmicas mais comerciais, até pelas crescentes dificuldades de publicação na área do livro, mas também pelos frágeis apoios aos autores locais. Esta linha editorial “O Largo da Graça” é, de resto, o pequeno exemplo de um alargado movimento de “edições de autor” que por cá existe e pontua;

iii) ou, por fim, falar do blogue/revista “Estudo Geral”, uma revista digital, multimédia, que tem sido feita por alguns de nós, já com mais de 10 anos, editada a partir de Alhos Vedros, mas que se foi disseminando por uma vasta internacional comunidade lusófona.

O “Estudo Geral”, uma revista que explora as novas possibilidades das linguagens digitais, onde facilmente se mistura o texto, a imagem e a música, e que tem também insistido na divulgação de livros e autores locais, a que os apoios da autarquia, até agora, pouco têm chegado. Por isso, acreditamos na necessidade de novos desenvolvimentos nas políticas ligadas ao livro, que mais apoiem a edição e os autores da região, nomeadamente, a partir da criação de uma linha editorial pública, de um destaque próprio nas bibliotecas locais, e no apoio ao lançamento e à aquisição dos seus livros, o que será uma forma de ajudar e dar relevo à valiosa riqueza literária que caracteriza a nossa comunidade.

Obrigado pela atenção.

28.11.2021

sábado, 27 de novembro de 2021

Biblioteca Municipal de Alhos Vedros



Domingo, 28 de novembro, 15,30h

No dia em que se assinala o seu 28° Aniversário, a Biblioteca Municipal de Alhos Vedros, com os contributos da Junta de Freguesia de Alhos Vedros, convida associações de referência, autores locais e a população em geral para todos juntos, potenciando novas sinergias, assinalarmos a efeméride.

Assim, reconhecendo algumas dinâmicas literárias, mas não só, que ao longo dos anos, se têm desenvolvido na comunidade, convidamos Dores Nascimento, Luís Santos, Vítor Cabral e os Jograis do CACAV para, em jeito de roda coletiva e com a possível intervenção de todos os presentes, disso darem testemunho e animarem a nossa festa que contará com momento musical animado por Rui Pais.

 

domingo, 21 de novembro de 2021

ONDA DE LETRAS

 


"Quando me tiveres apagado, morto /ou só feito da matéria da memória, /dança uma dança por nada/e debruça em arco o teu corpo sobre o poço da morte/sobre o corpo dividido e espalhado pela última praia".

Manuel Gusmão

 

“ARTE” (Sem Medo) ÉS TU “

 “arte sem medo / arte para ser / arte verdadeira / movimento-amor.”

(Jorge Vicente)

 

A Isabel Pinheiro

A atores e atrizes favoritas

A Maria Simas a favorita das favoritas

Giulia Alessandra Atzori, a internacional e global como

Raissa Segantini

 

O mar revolto o corpo revoltado em ondas, o mar tem tantos

Rios como os dedos dos pés nos lábios

estou sob a Ponte 25 de Abril regresso de Setúbal Praias do Sado

Todos os dias ao fim da tarde, um rio largo e lindo

Prata azul para encantar os olhos até Cascais,

das janelas da Porta vê-se os olhos

Sonhadores o mais íntimo e coletivo que todos temos , à direita

a Tapada da Ajuda

Para continuar esta beleza arte sem medo,

arte para ser, arte ambiental, verdadeira

Movimento amor entre as ancas, para preparar

a ida amanhã de madrugada a Cascais

O cafezinho da Estação de S. João do Estoril

para acordar nos teus seios no correio em

Frente onde te envio as prendas de amor .

A dimensão infinita da tua excitação nos meus

Lábios, estou a aprender a correr na hidromassagem

para te apanhar nos momentos

Vulneráveis, tristes, temos que ser fortes todos

em versos de massinhas douradas

é no vazio que escrevo a tatuagem dos deuses com os lábios

voam as pernas na rua feliz de Stª Catarina em Lisboa, chegarei a Cascais, o Arco Íris sobre o mar e as rochas, não chove há uma semana

os carros lentos atravessam os jardins, quem faz as acácias florir

é o mundo amor entre os dedos como o leite de moça no peito de cerejas

da rocha da Praia da Conceição, avançaremos para dentro de

água 15º graus ninguém nos vê - é a bruma intensa da madrugada

depois vestimos os véus pretos em todo o corpo para abençoar oceano, viajaremos lindos

bebo demoradamente o cálice do namoro

um mamilo claro rosa

sem mexer o corpo, manhã cedo

depois do café leve e do duche

o hotel do Estoril já está barato

e tem vista para o oceano

aqui fico para escrever o livro

amor profundo, há que acertar

as palavras com os lábios e podemos

beber um no outro depois do mel

até ao mel amor, penetrar, a luz

as estrelas da canção e mais

ninguém saber a clementina doce

como um fado, Cascais,

tem fado e do melhor naquelas ruelas

onde nos beijamos noite adentro

podemos mergulhar de manhã e sonhar

amo-te os dedos

voamos como as grandes ondas

no oceano atlântico ou o mar mediterrânico

 

10:49h

12-11-2021

José Gil

sábado, 13 de novembro de 2021

Literatura: o pão nosso de cada dia (I)

 Luís Souta


«– A literatura é uma doença universal…

o sarampo das crianças e o reumático dos velhos…»

Uma Fábula (o Advogado e o Poeta), Teixeira de Pascoaes


I

O LIVRO E A ESCOLA

As sociedades letradas colocaram o livro como um bem único, central no combate ao esquecimento e na aquisição do saber. O livro é a memória. «O que não se escrever não consta» (Eduarda Dionísio in A Voz da Escrita de LS, p. 314), esvai-se, é como se não tivesse acontecido ou, como diz Italo Calvino, «todas as ‘realidades’ e ‘fantasias’ só podem tomar forma através da escrita» (1990:119). Ou ainda como Jack Goody (1986) demonstrou, a escrita acaba como elemento estruturador da organização social. Esta visão, chegaria ao limite quando Mallarmé, citado por Calvino (id.:166), afirma que «tudo no mundo, existe para acabar num livro». E como bem nos recorda Irene Vallejo (2019:38) «todo o livro é um passaporte sem data de caducidade.»

Quadro, em 3D, de Luana Costa (2021)

É evidente que os livros não são todos iguais, na importância que a sociedade lhes atribui. E que tal hierarquia se altera no curso histórico e no seio das diversas instituições. Numas – as igrejas – aprendia-se a ler para ter acesso aos livros sagrados. Noutras – as escolas – erigiu-se o livro como elemento primordial da sua acção. Era o ‘sagrado’ manual, instrumento básico de apropriação de conhecimentos e fonte de aprendizagem, e que já foi “livro único”, não permitindo outras alternativas, pelo menos no seu seio. Isso nos relembra, por exemplo, a escritora Ester de Lemos:

«Era proibido ler romances no Liceu» (1959:46).

Mas ainda hoje, mesmo nas aulas de Português e Literatura, e por paradoxal que isso pareça, o manual continua a ser “o Livro dos livros”1. Os princípios dominantes nas sociedades de mercado, uma econocracia que tudo transforma em mercadoria, e que procura satisfazer os “clientes” pondo à sua disposição opções credíveis de escolha, chegou também aos materiais escolares. Hoje a multiplicidade de manuais é tal (em formatos vários que vão da vetusta sebenta para decorar ao hodierno livro de fichas para exercitar, a que se juntou o «manual do professor»!) que, em torno dele, gira uma florescente actividade produtiva e comercial que, todos os anos lectivos, tem assegurada uma fatia certa e volumosa de compradores2 (quanto a genuínos leitores já é mais problemático, como o evidenciam as permanentes taxas de insucesso escolar). As editoras escolares são, no panorama editorial português, empresas que não sabem o que é a crise. Os estabelecimentos de ensino têm oficialmente que os adoptar, mesmo que alguns professores prescindam deles na sua actividade lectiva. A selecção de manuais é uma tarefa em que a pressão do marketing e as “contrapartidas” oferecidas pelas editoras acabam por constituir-se como factores condicionantes das opções pedagógicas de selecção3.

Agustina Bessa Luís, em entrevista ao Ensino Magazine (nº 43, Setembro 2001, pp. 1-3.), diz que «ler exige uma elevada concentração e um grande silêncio e não é uma criança qualquer que está em condições adequadas para o fazer.» Estamos cientes que os ambientes físicos, em casa, no trabalho, ou nos transportes públicos são pouco incentivadores a esse recolhimento. O ruído é um dos males das nossas modernas sociedades. Nos lares, os espaços reduzem-se em apartamentos claustrofóbicos, onde o televisor e o rádio, permanentemente ligados, são a ‘companhia’ possível. Mais recentemente, nos transportes públicos, passaram a “dar-nos música” (de fundo) e, para as viagens de longo curso, instalaram-se circuitos de vídeo interno, entrecortados por informações regulares sobre a estação que se segue. Ler, passou a ser uma tarefa cheia de obstáculos e distractores concorrenciais. Nas nossas escolas domina a “cultura do berro”, num barulho permanente (por vezes ensurdecedor) que já não se restringe aos espaços exteriores de recreio:

«O liceu era um inferno de barulho» (José Rodrigues Miguéis, 1973:100).

Dentro dos edifícios, nos corredores, e, pior um pouco, no interior das salas de aula, o ruído ou, na melhor das hipóteses, o burburinho de fundo é a tónica dominante na atmosfera escolar. Restam alguns nichos, onde o silêncio, propiciador de uma leitura concentrada e produtiva, reina – as bibliotecas (e mesmo muitas delas, têm-se vindo a transformar em locais de trabalho de grupo mais do que espaços íntimos e pessoais de pesquisa e leitura). Este clima institucional, reflexo mais uma vez do mundo circundante, denota também, neste domínio, o défice de cidadania. É em escolas onde a vertente de cidadania constitui preocupação constante da equipa docente e, em particular, de quem a dirige, porque inscrita como linha orientadora no seu projecto educativo e nas práticas quotidianas baseadas em metodologias fomentadoras da autonomia e responsabilidade, que se podem encontrar as excepções. Um desses raros exemplos foi-me dado presenciar na Escola da Ponte, em Vila das Aves, que o meu amigo José Pacheco pacientemente erigiu: uma escola de 1º ciclo onde o silêncio, o falar baixo, o tom moderado de voz nos constantes trabalhos em grupo, se impunham; mesmo após o fim das aulas, as tradicionais correrias na saída da escola, acompanhadas de um verbalismo esfuziante, ali não se verificavam. Isto quer dizer que não é assim tão utópico as escolas serem ‘oásis’ em muitas vertentes da sua vida organizacional (há quem prefira chamar-lhe “cultura de resistência”, os mais dados à ideologia, ao combate e à luta).

A mesma Agustina conta, numa outra entrevista, como ficou sem uma empregada doméstica quando esta identificou a sua potencial patroa: «Ai a senhora é a Dona Agustina! Pois fique a saber que para si não trabalho nem morta, porque fui obrigada a ler os seus livros na escola…» (DN, 15/07/00, p. 3, citado no editorial de Carlos Magno). Não se veja neste comportamento um mero caso pessoal, pois já o estudo realizado pelo Observatório das Actividades Culturais, em 1998-99 mas só publicado em 2001, chamava a atenção para o potencial efeito perverso na aquisição de práticas de leitura decorrentes da prescrição escolar da «leitura obrigatória». Para além da aversão e repulsa por essas obras literárias, quantas vezes dissecadas até à exaustão pelos “bisturis” estruturalista e didáctico, o Observatório alerta ainda para o risco que se corre de «diminuir drasticamente a disponibilidade dos jovens estudantes para outro tipo de referências literárias» (DN, 23/04/01, p. 39). Também aqui a diversidade cede ao cânone.

Vasco Graça Moura denunciava, de forma contundente (“Falhanços”, DN, 18/04/01, p. 9), o falhanço da escola no que respeita ao contacto com o livro e ao fomento da leitura: «continua a sair uma gente que já mal sabe falar a sua própria língua, a despreza manifestamente e não é capaz de pensar porque não a domina, uma gente que não conhece um só autor do passado, uma gente a quem não foi incutido o hábito da leitura, e muito menos o prazer da boa leitura, uma gente que nunca aprendeu para que é que serve um livro e quando muito sabe vagamente o que é uma fotocópia».

(continua)

Notas

1. Se era compreensível a importância do manual escolar em épocas de reduzida formação de docentes (por exemplo, aquando das regentes escolares), nos dias de hoje, em que o mestrado constitui a formação base de qualquer professor, já se torna difícil de entender (de acordo com critérios científico-pedagógicos) esta continuada dependência em relação ao manual.

2. No inquérito aos Hábitos de Leitura em Portugal (1997), os livros escolares surgiam em 2º lugar no género de livros mais lidos, com 17,3% (depois dos romances e a par com as enciclopédias/dicionários). Mas já quanto a «géneros de livros possuídos» os escolares (61,9%) e as enciclopédias/dicionários (56,8%) ultrapassam os próprios romances.

3. Só início do ano lectivo 2002-03, o ME decidiu limitar fortemente a acção no interior das escolas dos «promotores de livros escolares» (aparentados aos delegados de propaganda médica).

 

Referências 

CALVINO, Italo (1990) Seis Propostas para o Próximo Milénio (Lições Americanas). Lisboa: Teorema, 3ª edição, 1998.

GOODY, Jack (1986) A lógica da escrita e a organização da sociedade. Lisboa: Edições 70/ Perspectivas do Homem, nº 28, 1987.

LEMOS, Ester de (1959) Companheiros. Lisboa: Edições Ática, 2ª edição, 1962.

MIGUÉIS, José Rodrigues (1973) O Espelho Poliédrico. Lisboa: Estúdios Cor/ Obras de J.R.M., nº 5.

VALLEJO, Irene (2019) O Infinito num Junco. Lisboa: Bertrand Editora, 2020.