sábado, 26 de março de 2022

Risoleta Conceição Pinto Pedro

«e as oliveiras testemunham paz» António Salvado, "Amada Vida"

Soube há pouco tempo, pela voz de um querido amigo nosso de há muitos anos,
meu e da minha família, o professor António Carraço, com quem gosto muito de conversar porque tem sempre novidades interessantes, sobre a existência de azeitonas brancas. Pouco tempo depois, deparei-me com uma receita em que um dos ingredientes eram essas mesmas azeitonas. Tudo isto num tempo em que tivemos uma espécie de guerra, se quisermos usar a metáfora, que durou dois anos e culminou com uma outra guerra, sendo que esta, de metafórico nada possui. É real e bem real. Irreal, de tão real. A oliveira possui um simbolismo de paz que todos lhe conhecem, e talvez por isso o meu pai, sempre que saíamos a passear no campo, trazia consigo um ramo de oliveira. Talvez a lembrar-me o remédio da infância. Imagino-o hoje, no mundo onde se encontra, passeando entre oliveiras. Também Picasso pintou uma pomba transportando um ramo de oliveira no bico. Quando eu era ainda muito criança, com não mais de dois anos, uma bruxa boa receitou-me chá de folhas de oliveira, e recordo-me de ouvir contar que o meu pai fora de bicicleta buscar a água puríssima de uma certa nascente para me fazerem o chá. O meu pai era um homem de paz e talvez por isso algumas das minhas mais vivas memórias dele estejam relacionadas com a oliveira. Quando vinha visitar-me, andava sempre a podar uma humilde oliveira num vaso, que nem sempre resistia à razia. Mas era por amor. A oliveira perdoava-lhe e eu também. E ia sendo substituída. Depois dele partir plantei, no canteiro do jardim de sua casa, uma oliveira. Em sua homenagem. Era também ele que retalhava e temperava as azeitonas de uma forma que nunca mais vi, com limão, laranja, orégãos, alho, louro, sal, e não sei mais o quê. Uma autêntica alquimia. Eram pretas, eram verdes. Mas não me recordo de azeitonas brancas, talvez mais do que nenhumas outras, símbolo da tão desejada paz. Contudo, sendo pretas, sendo verdes, as azeitosas preparadas pelo meu pai, ainda hoje têm para mim um simbolismo tal que na sua negritude não poderiam ser mais brancas. Estas parecem ser uma espécie perdida e raríssima, que está a ser recuperada em Itália, ao sul, na Calábria, o que faz sentido, teria de ser um país mediterrânico a fazê-lo. Amadurecem estas azeitonas com a cor branca. Eram cultivadas pelos monges, que com elas faziam o precioso óleo para actos litúrgicos. Também a preparação a que o meu pai procedia no tempero das nossas azeitonas tem ainda, para mim, o valor de um acto litúrgico, ritual de amor e paz que transportou consigo, que deixou em mim. Teria de ser o professor Carraço a falar-me destas azeitonas, ele que foi tão amigo do meu pai, e vice-versa. Quando, já muito doente sem que o soubéssemos, o meu pai começou a dar as primeiras quedas, foi mais do que uma vez o professor Carraço, que se encontrava junto dele, a ampará-lo com braços de paz de oliveira branca. Se pudéssemos plantar muitas oliveiras destas nos países em guerra, quem sabe que poder não teriam?                                                                                                                                                                                                                                                   
In: Jornal Despertar do Zêzere, Março, 2022

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