Risoleta Conceição Pinto Pedro
«e as oliveiras testemunham paz» António Salvado, "Amada Vida"
Soube há pouco tempo, pela voz de um querido amigo
nosso de há muitos anos,
meu e da minha família, o professor António Carraço,
com quem gosto muito de conversar porque tem sempre novidades interessantes,
sobre a existência de azeitonas brancas. Pouco tempo depois, deparei-me com uma
receita em que um dos ingredientes eram essas mesmas azeitonas. Tudo isto num
tempo em que tivemos uma espécie de guerra, se quisermos usar a metáfora, que
durou dois anos e culminou com uma outra guerra, sendo que esta, de metafórico
nada possui. É real e bem real. Irreal, de tão real. A oliveira possui um simbolismo
de paz que todos lhe conhecem, e talvez por isso o meu pai, sempre que saíamos
a passear no campo, trazia consigo um ramo de oliveira. Talvez a lembrar-me o
remédio da infância. Imagino-o hoje, no mundo onde se encontra, passeando entre
oliveiras. Também Picasso pintou uma pomba transportando um ramo de oliveira no
bico. Quando eu era ainda muito criança, com não mais de dois anos, uma bruxa
boa receitou-me chá de folhas de oliveira, e recordo-me de ouvir contar que o
meu pai fora de bicicleta buscar a água puríssima de uma certa nascente para me
fazerem o chá. O meu pai era um homem de paz e talvez por isso algumas das
minhas mais vivas memórias dele estejam relacionadas com a oliveira. Quando
vinha visitar-me, andava sempre a podar uma humilde oliveira num vaso, que nem
sempre resistia à razia. Mas era por amor. A oliveira perdoava-lhe e eu também.
E ia sendo substituída. Depois dele partir plantei, no canteiro do jardim de
sua casa, uma oliveira. Em sua homenagem. Era também ele que retalhava e temperava
as azeitonas de uma forma que nunca mais vi, com limão, laranja, orégãos, alho,
louro, sal, e não sei mais o quê. Uma autêntica alquimia. Eram pretas, eram
verdes. Mas não me recordo de azeitonas brancas, talvez mais do que nenhumas
outras, símbolo da tão desejada paz. Contudo, sendo pretas, sendo verdes, as
azeitosas preparadas pelo meu pai, ainda hoje têm para mim um simbolismo tal
que na sua negritude não poderiam ser mais brancas. Estas parecem ser uma
espécie perdida e raríssima, que está a ser recuperada em Itália, ao sul, na
Calábria, o que faz sentido, teria de ser um país mediterrânico a fazê-lo.
Amadurecem estas azeitonas com a cor branca. Eram cultivadas pelos monges, que
com elas faziam o precioso óleo para actos litúrgicos. Também a preparação a
que o meu pai procedia no tempero das nossas azeitonas tem ainda, para mim, o
valor de um acto litúrgico, ritual de amor e paz que transportou consigo, que
deixou em mim. Teria de ser o professor Carraço a falar-me destas azeitonas,
ele que foi tão amigo do meu pai, e vice-versa. Quando, já muito doente sem que
o soubéssemos, o meu pai começou a dar as primeiras quedas, foi mais do que uma
vez o professor Carraço, que se encontrava junto dele, a ampará-lo com braços
de paz de oliveira branca. Se pudéssemos plantar muitas oliveiras destas nos
países em guerra, quem sabe que poder não teriam? In: Jornal Despertar do Zêzere, Março, 2022
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